Em uma semana, morre maioria da fila de espera por UTI em cidade de GO
Sete de 11 pacientes com Covid-19 que aguardavam por leitos em Inhumas morreram. Situação piorou, e Ministério Público recorreu à Justiça
atualizado
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Goiânia – Em petição encaminhada à Justiça 10 dias atrás, o promotor Mário Henrique Caixeta, que atua em Inhumas (GO), cidade da região metropolitana de Goiânia, previa: “Delineia-se uma tragédia nunca antes vista”. A previsão dele não só se confirmou, mas segue se repetindo.
Sete de 11 pacientes com Covid-19 que estavam intubados em leitos improvisados e sem o devido isolamento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e no hospital municipal da cidade morreram no intervalo de uma semana. Eles esperavam por leitos de UTI.
Alguns deles aguardavam havia mais de sete dias pela liberação de um leito intensivo para receberem o tratamento adequado. O Metrópoles mostrou o caso em primeira mão. Eram homens e mulheres, entre 39 e 82 anos de idade.
O promotor solicitava na petição o cumprimento de sentença judicial favorável a essas 11 pessoas. Proferida em setembro do ano passado, ela obriga o governo de Goiás a fornecer ou encontrar leitos de UTI para pacientes do município, seja na rede pública ou privada.
A decisão prevê, ainda, que o não cumprimento imediato do que ficou estabelecido exige o arbitramento de multa. Mário Caixeta chegou a estipular valor para a causa de R$ 500 mil. A espera pela solução do caso, porém, levou a vida de sete dos 11 que aguardavam.
Contaminação acelerada
O avanço da Covid-19 em Goiás está tão acelerado que não só enche UTIs, inviabiliza transferências e coloca pessoas nessa condição de espera sob risco de morte, como também já lotou novamente as unidades de saúde de Inhumas.
Mesmo após as sete mortes dentre os 11 pacientes que aguardavam por leito até o início da semana passada, o contexto de lotação na cidade segue piorando e não dá trégua aos profissionais de saúde do município.
Nessa segunda-feira (15/3), o promotor enviou nova petição à Justiça, solicitando, novamente, o cumprimento da sentença contra o Estado, mas em relação ao caso de outros pacientes com Covid-19.
Se antes eram 11 que aguardavam intubados, agora são 20 na espera por leitos de UTI em Inhumas, sendo atendidos em locais improvisados. Desta vez, são homens e mulheres, entre 25 e 80 anos.
A situação chegou a um ponto insustentável. Na UPA Lázaro Alberto de Moraes, que precisou cancelar atendimentos de outras doenças para focar só em Covid-19, salas de sutura, vacinação e aerossol foram adaptadas para alojar pacientes.
Veja:
“Tinha uma vida inteira pela frente”
Era na UPA que estava internado o motorista rodoviário Edinaldo José Ferreira, de 49 anos. Ela era um dos 11 citados na primeira petição enviada pelo promotor à Justiça, mas faleceu na noite do dia 7 de março, após esperar por nove dias pelo surgimento de um leito de UTI.
Edinaldo estava intubado em um dos leitos improvisados da UPA. Em tese, a unidade é feita para atender casos de emergência. E teve de se transformar, desde o início deste mês, em uma unidade hospitalar, com absorção e internação de casos considerados gravíssimos.
O Metrópoles chegou a falar com a esposa de Edinaldo no dia 6 de março. Wilsonete Rodrigues Ferreira se dizia desesperada e não sabia mais o que fazer, sem poder ver o companheiro e vivendo naquela espera angustiante.
Nessa segunda-feira, procurada novamente pela reportagem, ela lamentou a morte do companheiro. “Ele tinha uma vida inteira pela frente. Era muito novo. Ficar nove dias daquele jeito é muito triste. E a gente não poder fazer nada é um sofrimento muito grande”, disse.
Viagem
Edinaldo estava viajando a trabalho e chegou de viagem no dia 17 de fevereiro, quando apresentou os primeiros sintomas de Covid-19. Ele fez o exame e o resultado saiu cinco dias depois. Entre a internação e a sedação, foram apenas algumas horas.
O motorista deixa, além de Wilsonete, dois filhos homens, frutos de relacionamentos do passado. Ele é uma das 9.785 mortes por Covid-19 registradas em Goiás. O estado ultrapassou a marca de 9 mil óbitos no dia 8 de março e, sete dias depois, já contabilizou mais de 770 novos registros.
Decisão liminar
Inhumas é umas das 235 cidades goianas que estão em situação de calamidade, conforme classificação feita pela Secretaria de Estado de Goiás (SES-GO). Diante do quadro e da falta de perspectiva de melhora, a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPEGO) entrou no caso e assinou ação conjunta com o Ministério Público de Goiás (MPGO).
O pedido de liminar foi protocolado nessa segunda-feira e a Justiça acatou, por meio de decisão do juiz João Luiz da Costa Gomes. A solicitação pedia que o estado fosse obrigado a assumir o atendimento de urgência e emergência no município e que realizasse o fornecimento de medicamentos e materiais necessários para o atendimento dos pacientes.
O juiz determinou, favoravelmente, pelas duas demandas e ainda condicionou o cumprimento da decisão em um período 48 horas, sob pena de multa e sequestro de valor estipulado em R$ 300 mil, que seria utilizado para a compra de insumos.
Demanda recorde
As unidades locais já enfrentam a falta de medicamentos básicos. No texto da ação, é exposto o relato do médico responsável pela UPA de Inhumas, Marcelo Henrique de Souza Alvarenga.
Ele informou à DPE e ao MPGO que a relação mensal de insumos e medicações que a unidade passou a necessitar para realizar o tratamento da Covid-19 supera a quantidade de tudo que foi utilizado, durante todo o ano de 2020, desses mesmos itens.
O médico contou, ainda, que a lotação chegou ao ponto de obrigar o atendimento em mesmo ambiente de pacientes infectados e não infectados com Covid. “É clara e notória a utilização da unidade para além de sua finalidade legal, funcionando na data de hoje como uma extensão indevida de um hospital”, informa o texto do pedido de liminar.
Os hospitais regulados pela rede estadual de saúde operaram nessa segunda-feira com 97% de ocupação dos leitos de UTI. Mesmo com a abertura e inauguração de novas unidades, a quantidade demonstra-se insuficiente diante da velocidade de transmissão do vírus. Goiânia ultrapassou a marca das 3 mil mortes por Covid-19.