Em semana conturbada, Lula peca em articulação e sofre mais derrotas no Congresso
Diante da falta de articulação ocasionada pelo diálogo escasso com parlamentares, o governo de Lula 3 tem acumulado perdas no Legislativo
atualizado
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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve mais uma semana conturbada, marcada por derrotas no Congresso Nacional. Diante da falta de articulação ocasionada pelo diálogo escasso com parlamentares, o Executivo federal tem acumulado perdas no Legislativo.
Em nova rodada, o governo corre risco de perder a reestruturação da Esplanada dos Ministérios, nos termos da proposta feita por Lula após assumir o Palácio do Planalto. Enviado por meio de medida provisória, o texto original sofreu mudanças e teve sua matéria alterada e aprovada pela comissão mista na última quarta-feira (24/5).
Entre as alterações, algumas mudanças causaram críticas internas no governo, relacionadas ao esvaziamento do Ministério dos Povos Indígenas, à perda de poder do Ministério do Meio Ambiente e à volta da Abin ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Embora o Executivo tenha conseguido emplacar a aprovação da nova regra fiscal que substituirá o teto de gastos, a vitória não deve ser atribuída unicamente ao esforço do governo, uma vez que a articulação ficou à mercê do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Por 372 votos favoráveis e 108 contrários, o marco fiscal passou pelo crivo dos parlamentares da Casa Baixa na noite de terça-feira (23/5).
O “preço” da vitória, no entanto, ocasionou mais uma derrota: em votação relâmpago logo após passar o novo marco fiscal, a Câmara aprovou a tramitação em regime de urgência para uma proposta que prevê a aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas.
O governo – que, antes, tecia duras críticas ao requerimento proposto por Lira – liberou a bancada do PT; dessa forma, absteve-se da orientação aos deputados da sigla e os deixou livres para votar como quiserem.
O projeto afirma que só podem ser reservadas as terras que já eram tradicionalmente ocupadas por povos indígenas no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Congressistas ouvidos pelo Metrópoles afirmam que as novas perdas se dão por falta de articulação.
Desgaste de Marina e Meio Ambiente
Entre os principais fatores que afetaram o governo federal, as alterações na MP do remanejo da Esplanada atingiram diretamente a relação entre Lula e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Aprovado por 15 votos a três na comissão mista formada por deputados e senadores, o texto segue para análise do plenário da Câmara e, posteriormente, para o Senado.
Relator da medida, Isnaldo Bulhões (MDB) decidiu devolver ao Ministério da Justiça a atribuição de demarcar terras indígenas e quilombolas. Na MP editada por Lula, a tarefa era responsabilidade do recém-criado Ministérios dos Povos Indígenas. A mudança causou revolta entre representantes do movimento indígena, como a ministra Sonia Guajajara.
Outro ponto que causou insatisfação entre membros do governo: o controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, e a Política Nacional dos Recursos Hídricos saíram da competência do Ministério do Meio Ambiente.
O texto de Bulhões prevê que o CAR seja parte do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e que a política de recursos hídricos fique com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
O governo orientou os congressistas da base a votarem a favor do texto, já que a MP perderá sua validade em 1º de junho. O texto original foi redigido por Lula logo no início do governo, com a nova organização da Esplanada dos Ministérios, para ampliar o número de ministérios de 23 para os atuais 37.
Cedeu à pressão
Durante negociações em torno da MP, o governo tentou evitar derrotas em outros trechos da reorganização da Esplanada e, por isso, acabou cedendo à pressão para desidratar o ministério de Marina. O Centrão pressionava para blindar a Casa Civil, responsável pela execução dos projetos mais importantes para o presidente, como o Programa de Parceria de Investimentos (PPI).
Outra mudança importante apresentada pelo texto do relator transfere a atribuição para a demarcação das terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), comandado por Sônia Guajajara (PSol-SP), ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), chefiado por Flávio Dino (PSB-MA).
Abin de volta aos militares
O texto relatado por Isnaldo traz a possibilidade de a Abin retornar ao GSI, hoje sob o comando do general Marcos Antônio Amaro, se a MP de reestruturação dos ministérios do governo Lula for aprovada na Câmara e no Senado na mesma versão que passou no Congresso.
Em março, Lula oficializou a decisão de tirar a Abin do GSI e mantê-la na Casa Civil. Na ocasião, o presidente escolheu o ex-diretor-geral da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa para chefiar a agência.
A Abin é um órgão central de inteligência que tem a competência de planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do país, obedecidas a política e as diretrizes estabelecidas em legislação específica.
Marco temporal em pauta
Na quarta, a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência do marco temporal das terras indígenas, tese adotada no PL nº 490/2007. Assim, a matéria poderá ser votada diretamente no plenário, na próxima terça-feira (30/5).
O marco temporal, que pode ser aprovado no Congresso, reconhece que apenas as terras já ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, podem ter sua demarcação reivindicada. Defensores da causa indígena criticam essa medida – que, por outro lado, conta com apoio da bancada do agro.
No total, foram 324 votos favoráveis ao regime de urgência e 131 contrários. Eram necessárias 257 posições favoráveis. A liderança do governo do presidente Lula liberou sua base. Somente as Federações PT-PCdoB-PV e PSol-Rede orientaram de maneira contrária.
Sob reserva, lideranças da bancada governista ouvidas pelo Metrópoles apontam que a liberação da bancada foi uma forma de evitar colar no Planalto mais uma derrota na Câmara dos Deputados. É na Casa Baixa onde se concentram as dificuldades do governo para formar uma base de apoio.
Como mostrou o Metrópoles, o marco temporal figurava no rol de projetos a serem pautados na Câmara, como forma de enviar recados ao governo Lula.
O primeiro deles foi enviado com a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para derrubar parte do decreto presidencial que regulamenta o Marco do Saneamento. Figura na pauta, ainda, o PDL para derrubar a norma que restringe o acesso e a compra de armas de fogo.
Quando a derrubada do decreto do saneamento foi aprovada, lideranças do Centrão afirmaram tratar-se de um recado para o governo tomar consciência da falta de base de apoio na Câmara e da necessidade de cumprimento de acordos de liberação de emendas, com críticas nominais a Rui Costa, ministro da Casa Civil.
Fator emendas
No dia da votação do novo marco fiscal que vai reger o controle de gastos do governo federal, o Executivo liberou R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares. Os valores constam na plataforma Siga Brasil, painel de registro de emendas, que teve atualização na quarta-feira (24/5), com o montante da terça-feira (23/5).
A nova liberação, no total de R$ 2,9 bilhões, ocorre após o governo acumular derrotas no Congresso e enfrentar dificuldades em consolidar uma base no Parlamento.
Em valores empenhados, ou seja, reservados, o governo tenta sanar as críticas de líderes da Câmara, que, por meio de “votações surpresa”, tentaram “mandar o recado”: sem liberação, os projetos não serão aprovados pelos deputados.
Segundo a plataforma, os principais destinos são as emendas individuais, RP6, para deputados e senadores.
Aos deputados foram reservados R$ 800 milhões. Senadores ficarão com R$ 288,4 milhões, e um montante de R$ 700 mil será encaminhado às bancadas estaduais. Na liberação de terça, os maiores beneficiados foram os senadores Chico Rodrigues (PSB-PE), com R$ 25 milhões; Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PE), com R$ 21 milhões; e Eduardo Braga (MDB-AL), com R$ 18 milhões.
Veja o ranking dos 10 parlamentares que mais serão beneficiados: