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Porto Alegre – Na terceira semana pós-enchente, escolas, universidades, entidades, empresas e clubes que acomodaram desabrigados gaúchos começam a desmobilizar os locais de acolhimento, na tentativa de retomar suas rotinas.
A volta à normalidade mostra-se desafiadora, visto que muitos perderam suas casas. Soma-se a isso o trabalho de limpar residências e ruas, que estão tomadas por entulho.
Com muitas incertezas no horizonte, a população busca recriar hábitos, ciente de que deverá ressignificar dinâmicas de vida para enfrentar os prejuízos da catástrofe. Assim que a água baixar completamente, por exemplo, os proprietários poderão localizar seus carros, que atualmente estão espalhados por toda a cidade, como em um “cemitério” de automóveis.
A rotina de estudos é outra atividade que a população local, sobretudo algumas escolas particulares da capital, visa retomar desde a semana passada. Instituições de ensino superior planejam dar prosseguimento ao período letivo, pelo menos de modo on-line, nesta semana.
Um ponto crítico é que escolas que serviram de abrigo agora precisam destinar os acolhidos para novos locais, ainda sem definição. Segundo um voluntário que prefere não se identificar, existe pressão, por parte dos pais, para que as escolas não sirvam de apoio concomitantemente às aulas.
“Hoje retornamos às aulas em horário normal, porém, sem atividades no ginásio. O abrigo segue de forma independente, e algumas famílias estão tentando retornar às suas casas. O trabalho esta semana é encaminhar os abrigados para as suas casas ou para novos locais”, diz a diretora da escola Mãe de Deus, Sueli Rosane Gonzatti.
O colégio recebeu 120 pessoas.
Ainda há o problema de muitos que perderam tudo – inclusive suas casas – com as chuvas. A reportagem do Metrópoles passou por locais entre Canoas e a BR-101, onde barracos foram erguidos para abrigar as famílias daqueles que ficaram sem residência.
O comércio começa a voltar
No setor de serviços, a necessidade de gerar renda foi decisiva para definir o momento de retorno.
Cláudia Garcia, proprietária do Studio 763, na Cidade Baixa, conta que, embora o local não tenha sido diretamente atingido pelo nível do Guaíba, as ruas adjacentes ao salão de beleza ficaram alagadas, o que deixou o local sem energia, sem água e sem acesso.
Assim, após quase 10 dias com as portas fechadas, a proprietária decidiu reabrir na quinta-feira passada e se surpreendeu.
“Tivemos uma colaboradora afetada e também fomos ponto de coleta para as doações. Ficamos felizes em ver tanta gente querendo nos ajudar. Muitos marcaram hora apenas para nos apoiar a não parar o negócio. A vida precisa continuar”, aponta Cláudia.
Momento de retorno e limpeza para os gaúchos
Quem atuou na linha de frente conta que, nas duas fases iniciais, a prioridade era tirar as pessoas das casas alagadas e colocá-las nos abrigos. Agora, com a redução do nível das águas, é o momento de retorno e limpeza.
As autoridades recomendam que o lixo retirado de casa seja colocado na rua, até que o Departamento Metropolitano de Limpeza Urbana recolha, mas é preciso esperar que a água baixe mais.
“Estamos focados que as pessoas voltem, organizando mutirão em que serão cedidos materiais de limpeza”, diz Leonardo Rancich, em vídeo publicado na página da escola de esportes náuticos Kitesul.
Consultor ambiental e ativista em Barra do Ribeiro, o engenheiro John Würdig foi um dos responsáveis pela criação do Centro do Clima da Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba. Durante os dias mais críticos da enchente, ele se empenhou em alertar a população sobre o avanço das águas na sua região.
Desgastado com a exposição, Würdig diz que ficou dias sem dormir bem, sem cuidar da alimentação e sem fazer atividade física. Agora, de forma gradual, está voltando a escrever, pedalar e organizar os trabalhos.
“O maior colapso é esse: estar no front acaba nos desgastando muito emocionalmente. É difícil se desligar do que aconteceu. Agora estou procurando me cuidar para poder seguir a vida, escrever e continuar alertando as pessoas”, descreveu o engenheiro.