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Em média, 2.609 brasileiros são resgatados de trabalho escravo por ano

Desde 2002, 52.195 brasileiros foram salvos de condição análoga à escravidão. Francisco Rodrigo dos Santos, 49 anos, foi uma das vítimas

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Reprodução/MPT
PF foto colorida de mãos de homem sujas em situação de trabalho análogo ao escravo - metrópoles
1 de 1 PF foto colorida de mãos de homem sujas em situação de trabalho análogo ao escravo - metrópoles - Foto: Reprodução/MPT

Em 2003, Francisco Rodrigo dos Santos, 49, deixou a mulher e os dois filhos e viajou ao Pará para uma oportunidade de emprego. Analfabeto e carente, ele prometeu enviar dinheiro todos os meses para a família.Após chegar a uma fazenda em Redenção (PA), não demorou muito para perceber ter caído em uma cilada.

Francisco, na verdade, seria mais uma vítima de trabalho análogo à escravidão. Brasil afora, empregadores se aproveitam da miséria e da vulnerabilidade das pessoas para submetê-las a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes e violência.

Em média, 2.609 brasileiros são encontrados e resgatados de trabalho escravo por ano. Nos últimos 20 anos, mais de 52 mil pessoas foram resgatadas desse tipo de situação. Os dados foram coletados pelo Metrópoles por meio do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.

“Pagava o alimento e o material de serviço”

Natural de Monsenhor Gil (PI), o piauiense conta que o “gato” — pessoa responsável por atrair o trabalhador para outros estados com falsas promessas de salário e acomodação — havia prometido carteira assinada, alimento, abrigo e salário por produção.

“Quando chegamos lá, ele entregou uma lona preta para fazer o barraco [para dormir]. Ele combinou que nós não ia pagar, mas tínhamos que pagar o alimento e o material de serviço. Praticamente jogou nós na mata (sic)”, relata Francisco.

Além dele, outros 13 homens também foram levados ao local. Ele ainda esperava ficar na mesma fazenda de seus dois irmãos, que também foram a trabalho, mas os três foram separados.

Com a família no Piauí, ele deixou R$ 40, quase todo o valor que tinha. “Antes de viajar, o gato me deu R$ 60. Ele disse: ‘Vamos dar esse dinheiro, deixa R$ 40 com a esposa e leva R$ 20 que quando chegar no Pará, você recebe mais’.”

O salário prometido não foi entregue mesmo após três meses de trabalho braçal diário sem nenhum dia de descanso. Na verdade, quando foram pedir as contas, os trabalhadores descobriram estar devendo o fazendeiro.

“Toda vez que ia bater conta, o gato falava que eu estava devendo o patrão, mas não falava o valor. Não tinha nenhuma esperança de sair de lá”, lembra. Fugir não era opção, já que os chamados fiscais da fazenda andavam armados.

O grupo só foi resgatado após seis meses na fazenda. Francisco ficou todo o período sem contato com a família. Foi um semestre inteiro fazendo duas refeições por dia, acordando às 4h, bebendo a mesma água que o gado bebia, trabalhando sob sol quente e sofrendo agressões verbais e ameaças.

“No final de tudo, eu fiz as contas de quanto ganhei. R$ 240,45. Eu só não paguei as dívidas com minha vida porque a Polícia Federal achou nós e pude voltar para o Piauí.”

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Trabalhadores cozinhavam de forma improvisada em alojamentos desumanos
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Francisco Rodrigo dos Santos passou seis meses sob condição de trabalho análogo à escravidão

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Combate ao trabalho escravo na Bahia

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Perfil predominante

Francisco apresenta o perfil predominante de vítimas. Homens negros, nordestinos, e de baixa escolaridade são a maioria resgatada pela Auditoria Fiscal do Trabalho.

Segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas (MPT-OIT), do total de trabalhadores resgatados entre 2002 e 2022, 90% eram homens, 60% se autodeclararam pretos ou pardos, 57% nasceram no Nordeste e 93% não chegaram a concluir o ensino básico.

Os casos acontecem, em sua maioria, na zona rural. O ranking é liderado pelo Pará, com quase 12 mil casos em duas décadas. Ele é seguido por Minas Gerais (5.696 resgates) e Mato Grosso (4.932 resgates).

“A maior incidência de casos é verificada na zona rural devido ao sistema de produção adotado pelo país, ancorado na exploração predatória da mão de obra e na degradação do meio ambiente”, explica a juíza do Trabalho e vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra ) Luciana Paula Conforti.

O setor agropecuário é o principal envolvido na exploração de empregados. Autora do artigo “Quem são os escravizados e escravizadas do Brasil?”, Conforti aponta que a fiscalização rural no país não é suficiente para acompanhar o nível de atividades nessas áreas:

“O déficit da fiscalização no interior afeta os números. Ela depende das ações do grupo móvel, porém as atividades muitas vezes são ilegais e sazonais, não havendo tempo hábil para as operações de resgate.”

Aumento de casos

Em queda desde 2014, o número de vítimas de trabalho escravo encontradas voltou a crescer em 2021 com quase 2 mil pessoas.

Para a procuradora do Trabalho e coordenadora nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), Lys Sobral, a pandemia de Covid-19 explica o aumento — já que contribuiu para a vulnerabilidade socioeconômica e extrema pobreza.

Entre janeiro e junho deste ano, 500 trabalhadores foram resgatados em situação de trabalho análogo à escravidão. O número foi impactado pelo resgate de 273 trabalhadores em uma única ação realizada em Minas Gerais, considerada a maior desde 2015.

Minas foi o estado com mais ações fiscais de combate ao trabalho escravo realizadas no primeiro semestre de 2022, com 22 empregadores fiscalizados e 368 resgatados.

Para reparar os danos causados pela exploração, o governo federal arrecadou R$ 2,3 milhões de verbas salarias e rescisórias.

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