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Em decisão polêmica, juiz critica “guerra às drogas” e manda soltar jovem

Magistrado de Águas Lindas de Goiás citou detalhes de negociação entre traficantes e “vapor”, conhecido por repassar drogas a consumidores

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Juiz Felipe Morais Barborsa, da comarca de Águas Lindas de Goiás
1 de 1 Juiz Felipe Morais Barborsa, da comarca de Águas Lindas de Goiás - Foto: Divulgação

Goiânia – Em recente decisão, um juiz da comarca de Águas Lindas de Goiás, no Entorno do Distrito Federal, critica a “guerra às drogas”, que, conforme diz, representa a “esmagadora maioria dos autos de prisão em flagrante relacionados aos delitos de tóxicos” na cidade. Ele mandou soltar um jovem de 21 anos, desempregado, flagrado com 20 pedras de crack e 11 porções de maconha, em um corredor conhecido como beco da droga.

A decisão foi proferida pelo juiz Felipe Morais Barbosa (foto em destaque) e publicada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), na última sexta-feira (8/10), um dia depois de Allismar Dutra de Souza ser flagrado por policiais militares que faziam patrulhamento no Setor Recreio das Águas Bonitas 2. A região é conhecida pelo intenso consumo e tráfico de drogas. Ele não tem condenação por nenhum crime.

“A esmagadora maioria dos autos de prisão em flagrante relacionados aos delitos de tóxicos nesta comarca, não divergente do que ocorre em âmbito nacional, decorre de abordagens eventuais à população de baixa renda nos bairros periféricos”, observa o juiz. “Via de regra, indivíduos jovens, de famílias humildes, em atitudes suspeitas, que dispensam porções de drogas ao se depararem com viaturas da Polícia Militar”, diz.

Negociação

Em sua decisão, Barbosa também ressalta detalhes do funcionamento do tráfico de drogas. “A prática demonstra que as tratativas entre um traficante com posição superior na rede de fornecimento e o ‘vapor’ (responsável pela venda no varejo diretamente aos consumidores), por vezes, envolve o pagamento com a própria droga. Pega-se 20 pedras de crack, vende-se 15, e pode consumir as outras 5, por exemplo”, afirma.

A situação não é uma peculiaridade brasileira, embora ganhe, segundo o juiz, “contornos específicos em uma sociedade com desigualdade abissal, oligárquica, estruturalmente racista e com órgãos de segurança pública com doutrinação eminentemente militar”.

Barbosa ressalta ainda que é comum “o deslocamento do aparato repressivo estatal, sem o viés de polícia comunitária, para centros de pobreza, com o objetivo de combater as drogas”.

Segundo a decisão, o movimento ocorre à revelia de outras políticas públicas. O juiz também observa que o estado adota uma “política penal dirigida aos vendedores de rua, notadamente a juventude das comunidades pobres, para quem o comércio e varejo é a fonte de emprego mais diretamente acessível”.

“Punho de ferro criminal”

A prisão preventiva de indivíduos nessa situação, segundo o juiz, não contribui para a redução da criminalidade. “Seja na criminalidade relacionada à própria mercancia, seja em crimes diversos, mas relacionados ao narcotráfico. A ordem pública se mantém fragilizada com a anomia estatal e o desajuste social. A mão invisível, transformada em punho de ferro criminal, não traz a desejada onipresença estatal”, destaca.

O magistrado considera urgente a necessidade de debate sobre o sistema de combate às drogas na política de segurança pública do Brasil. “Qualquer medida estatal que vise à diminuição da criminalidade e ‘passe ao largo’ deste problema estará fadada ao insucesso, ou terá, quando muito, efeitos diminutos”, pondera.

Na avaliação de Barbosa, o país replica sistema que acredita curar dependentes aumentando a dor que sentem, principalmente dentro das prisões. “Se as consequências negativas levassem as pessoas a pararem de usar drogas, não existiria mais adictos. A esmagadora maioria está bem servida de sofrimento, presos, adoentados, espancados, com HIV, hepatite C, pobres”, assevera.

“O uso de drogas é sintoma e não a causa do desajuste pessoal e social”, afirma o juiz. Para fundamentar sua decisão, ele citou casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e TJGO.

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