Silêncio de Bolsonaro sobre eleições inflama militância e gera incerteza política
Derrota de Jair Bolsonaro levou militância a esperar “convocação” do presidente e provocou paralisações de caminhoneiros nessa segunda-feira
atualizado
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Passadas mais de 24 horas após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições deste ano, o silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) se mantém. Até o fim dessa segunda-feira (31/10), nenhum integrante do primeiro escalão do atual governo havia se manifestado publicamente sobre o resultado do pleito.
Coordenador da campanha de Bolsonaro, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) reconheceu a vitória de Lula, agradeceu os votos recebidos pelo pai e pediu aos apoiadores que “ergam a cabeça”. Foi a primeira manifestação de um integrante da família Bolsonaro após o resultado das urnas.
Aliados próximos ao candidato derrotado tentam convencê-lo a reconhecer a vitória do petista o mais rapidamente possível e evitar o clima de acirramento político no país. Segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles, a estratégia de Bolsonaro de se calar pode acabar sendo um sinal verde para inflamar a militância bolsonarista e causar uma espécie de “convulsão social”.
No domingo, quando as urnas já apontavam vitória de Lula, bolsonaristas presentes na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, aguardavam um posicionamento de Bolsonaro e se atentavam a qualquer sinal de “convocação”.
Por outro lado, sem sinalização do presidente, caminhoneiros bolsonaristas passaram a fechar rodovias brasileiras em protesto à vitória de Lula. Ao menos 19 estados e o Distrito Federal tiveram registros de bloqueios. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram 236 ocorrências até o início da noite desta segunda.
A paralisação ainda carrega incertezas sobre a dimensão e o tempo de duração dos protestos. Setores de logística, como empresas de frete rodoviário e de distribuição de combustíveis, e do agronegócio são vistos como os mais suscetíveis a sofrerem com os impactos das manifestações.
Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária disse respeitar o “direito constitucional à manifestação”, mas ressaltou que as paralisações “impactam diretamente os consumidores brasileiros, no possível desabastecimento e em toda a cadeia produtiva rural do país”. No mesmo sentido, a Confederação Nacional do Transporte defendeu o exercício de manifestação, desde que “ele seja exercido sem prejudicar o direito de ir e vir das pessoas”.
O cientista político André Rosa vê na postura adotada pelo presidente Bolsonaro uma repetição do comportamento adotado por Donald Trump nas eleições americanas, que culminou com a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, e uma grande agitação com seus adeptos. Na visão dele, essa atitude é errônea.
“Bolsonaro erra ao adotar a estratégia trumpista que deu errado nos Estados Unidos, e, mais do que isso, estimula a militância mais radical a tumultuar o país. O movimento dos caminhoneiros que ameaça fechar estradas, já é um reflexo do ato antidemocrático ao não reconhecer a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva”, analisa.
Para ele, o tom de silêncio desperta na militância bolsonarista algumas questões, como fraude no sistema de votação eletrônica e dúvida sobre a atuação do TSE, na figura do ministro Alexandre de Moraes, presidente da Corte Eleitoral.
“A tendência é que, quanto maior tempo durar o silêncio, mais propensão aos atos de violência política pelo país. O silêncio de Bolsonaro também reflete a dúvida do próprio presidente sobre qual decisão tomar: atacar a lisura das eleições ou reconhecer, mesmo que de forma sutil, a vitória do candidato do PT”, conclui Rosa.
Para o cientista político e professor de direito constitucional Nauê de Azevedo, na verdade, o silêncio do mandatário pode acabar servindo para deixar a militância sem comando. “Esse contexto é perigoso, sobretudo para setores mais inflamados, como os caminhoneiros que estão paralisando rodovias pelo país. É importante o presidente Bolsonaro se posicionar o quanto antes para evitar conflitos e mais violência política.”
Expectativa de pronunciamento
Jair Bolsonaro apenas admitiu a derrota ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes. Ao proclamar o resultado das eleições para presidente da República, o ministro da Justiça Eleitoral relatou ter ligado para os dois candidatos que concorreram ao pleito.
De acordo com o colunista Igor Gadelha, do Metrópoles, Bolsonaro se reuniu com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na tarde dessa segunda-feira (31/10). De acordo com a coluna, o atual chefe do Executivo federal disse que havia desistido de se pronunciar nesta segunda sobre o resultado das eleições. A interlocutores, o presidente do PL teria dito que encontrou Bolsonaro “arrasado”.
Segundo um ministro próximo a Bolsonaro, ele deve fazer pronunciamento nesta terça-feira (1º/11). A previsão, porém, é mais uma vontade de aliados do que do próprio candidato derrotado nas urnas.