Preocupado com Bolsonaro, PT prepara plano para “geração Uber”
O PT quer discutir com empresários a ideia de garantir direitos a 1,4 milhão de profissionais da “nova economia”, hoje quase sem proteções
atualizado
Compartilhar notícia
O programa de governo a ser apresentado pelo ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que será lançado pelo PT como candidato ao Planalto, vai propor negociações para incluir trabalhadores de aplicativos na proteção da lei trabalhista brasileira. A campanha de Lula e o PT querem disputar a simpatia dos cerca de 1,4 milhão de profissionais que hoje prestam serviços para aplicativos, seja de entrega ou de transporte. A disputa pelo endosso desses eleitores com o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) é considerada ponto crucial na campanha.
A ideia fará parte das tratativas que o petista tentará fazer com empresários, caso seja eleito, no sentido de dar o mínimo de proteção para motoristas e entregadores de aplicativos que hoje trabalham sem qualquer direito garantido aos demais trabalhadores com carteira de trabalho.
O primeiro direito pensado e considerado é à Previdência Social. De acordo com coordenadores do programa petista, a proteção previdenciária é o mínimo que se pode exigir das empresas e do Estado para a categoria, considerada uma das maiores do país.
“Acho que a prioridade número um para os trabalhadores de aplicativos é a inclusão previdenciária. Ele não tem auxílio de saúde; se ficar inválido, não tem proteção social; se sofrer acidente, não tem proteção. Então, é um trabalhador totalmente desamparado”, argumentou um dos formuladores da proposta que constará no programa.
Cooperativas
Outro ponto que deverá entrar na proposta é o incentivo à formação de cooperativas locais como uma forma de substituição dos apps.
O modelo já foi adotado em Araraquara, município do interior paulista sob a administração de Edinho Silva (PT), nome que coordenará o programa de governo a ser apresentado pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), nome de Lula para a disputa pelo governo paulista.
“Com a cooperativa, eles podem tem uma remuneração melhor e condições de pagar um seguro, de se credenciar como MEI (Micro-emprendedor individual), recolher previdência, ou seja, é uma outra relação de trabalho”, destacou Edinho Silva, em conversa com o Metrópoles.
“A cooperativa acaba sendo uma saída para romper com esse processo de exploração”, observou.
“Trabalho precário”
Edinho Silva apontou uma série de dados já pesquisados pela equipe e que embasam a proposta. Além disso, o prefeito ainda ressaltou que a proposta terá que dar conta da heterogeneidade dos trabalhadores de aplicativos. Ou seja, terá que criar condições que alcancem as categorias mais vulneráveis.
“Nós nos deparamos que a seguinte realidade. Existem 1,4 milhão de trabalhadores vinculados aos aplicativos e existe uma precarização muito grande das relações. Além disso, há uma diferenciação entre eles. O motorista de carro, por exemplo, é um trabalhador que vem de um histórico um pouco mais capitalizado. Ele tem o veículo aceito pelo aplicativo, ele tem uma nível um pouco maior, porque tem um patrimônio, que é o carro”, destacou.
“Já os operadores de aplicativo de moto entrega são muito mais vulneráveis. Eles relatam que ganham de R$ 5 a R$ 7 por corrida. Se fizerem duas refeições por dia na rua, correm o risco de não levar absolutamente nada para a casa. Se estourar o pneu de uma moto, eles têm que trabalhar de dois a três dias para repor aquela peça, e levarão nada para casa”, descreveu.
“Então, trata-se de um nível de precarização absurdo. Se eles sofrem um acidente de moto, e é uma coisa muito comum, porque estão o dia inteiro nas ruas, eles não têm um seguro sequer para cobrir esse período que ficam sem trabalhar”, destacou.
“Desafio da narrativa”
Enquanto a equipe busca dados para embasar a proposta, Lula comprou a ideia e vem se esforçando para “criar a narrativa” que servirá para conquistar os que integram essa categoria de trabalho. Essa narrativa, de acordo com o próprio pré-candidato, precisa apontar as consequências da chamada “uberização” das relações de trabalho que tem marcado os novos contratos – a falta de vínculos formais com empresas e a consequente ausência de direitos.
Em recente discurso na Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Paulo. Lula cobrou uma nova forma de comunicação dos sindicalistas para fazer frente à narrativa bolsonarista de que “tudo que é do Estado não presta”.
“Como é que nós vamos convencer o cara do Uber que ele não é um pequeno empreendedor? Que ele é quase que um escravo nos tempos modernos e que ele não tem quase que direito nenhum? Como é que a gente vai construir essa narrativa? Como é que a gente vai construir a narrativa para poder acabar com o trabalho intermitente? Pelo jeito que o povo está abandonado, era de se esperar que eles estivessem com maior disposição de luta, e isso não acontece”, provocou o ex-presidente.
“A gente não está conseguindo fazer a mobilização que a gente acha que tem que fazer”, reclamou o petista.
No dia seguinte, em entrevista, Lula repetiu a denúncia de escravização dos trabalhadores. “O Uber não pode voltar a ser escravo. Ele tem o carrinho dele, ele trabalha. Quando fica doente, não tem nenhuma seguridade”, disse Lula, em entrevista à rádio paranaense Lagoa Dourada.
Exemplo da Espanha
Lula também citou a aprovação na Espanha da inclusão desses trabalhadores na lei trabalhista, resultado do modelo de negociação com as empresas que o PT quer implantar, caso Lula seja eleito.
“A Espanha acabou de fazer isso, para que o cara que trabalha no Uber tenha o mínimo de garantia, o cara que entrega alimento tenha o mínimo de garantia. Tem que ter descanso semanal remunerado, jornada de trabalho, férias, senão ele voltou a ser escravo”, citou o ex-presidente.
Em março deste ano, a Espanha aprovou uma lei para que esses motoristas fossem reconhecidos como funcionários assalariados. A aprovação ocorreu por um voto de diferença no Parlamento, e depois da construção de uma proposta combinada entre empresas, sindicatos e governo.