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Por que os Estados Unidos têm interesse nas eleições brasileiras?

Apesar de familiaridade com candidatos nas eleições, disputa presidencial no Brasil acendeu sinal de alerta em território norte-americano

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Montagem de bandeiras dos Estados Unidos (direita) e Brasil (esquerda) divididas ao meio - Metrópoles
1 de 1 Montagem de bandeiras dos Estados Unidos (direita) e Brasil (esquerda) divididas ao meio - Metrópoles - Foto: Arte/Metrópoles

Em pauta na comunidade internacional, as eleições de 2022 no Brasil chamaram a atenção de nações democráticas ao redor do mundo. Grande parceiro comercial do Brasil, os Estados Unidos (EUA) estão de olho no pleito brasileiro — não apenas por uma eventual alternância de poder, mas pelas demais questões envolvidas.

Apesar de discrepâncias, semelhanças quanto aos desafios políticos e econômicos unem os dois países. EUA e Brasil figuram na lista das nações que mais sofreram com a pandemia de Covid-19, experienciam tensões políticas recentes e enfrentam níveis inflacionários alarmantes.

Especialistas consultados pelo Metrópoles argumentam que, apesar do cenário familiar — com um ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e um candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), na disputa das eleições — o país liderado por Joe Biden está atento às ameaças de ruptura democrática e a escalada de violência política.

A temática ambiental, a balança comercial e a neutralidade diplomática diante da guerra entre Rússia e Ucrânia, bem como os perfis dos dois adversários, de espectros opostos na disputa, também estão no radar de autoridades norte-americanas.

Questão ambiental

No topo de prioridades do governo Biden, a pauta ambiental significa um desafio nas relações diplomáticas entre os dois países. Em janeiro, o chefe da Casa Branca assinou um pacote de medidas que colocam as mudanças climáticas no centro das decisões do governo. Na contramão, Bolsonaro ignora o avanço dos índices alarmantes de desmatamento e queimadas no país.

No primeiro semestre de 2022, o Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) registrou um desmatamento recorde na região amazônica para este período. Foram desmatados 3.988 km² entre janeiro e junho de 2022. É o nível mais alto para essa temporada, desde que a pasta passou a compilar essa série de dados, em 2015.

“O Brasil passou a ter uma imagem muito negativa com manchetes pelo mundo, nos últimos quatro anos, em relação ao avanço do desmatamento ilegal da Amazônia. Além disso, a negação à ciência por meio de comentários negativos e o atraso da vacinação também atrapalham o país de se manter com uma imagem positiva”, defende a especialista em ciências políticas Alessandra Monteiro.

Apesar de uma mudança no plano de governo do candidato à reeleição, que deixou de ignorar o tema para considerá-lo como “eixo estratégico”, o chefe do Executivo federal brasileiro é visto como “um vilão ambiental” por líderes de outros países, de acordo com o especialista em sociologia política João Lucas Pires.

“No caso de uma referência às gestões passadas de Lula e o apoio de Marina Silva (Rede) na campanha dele, uma eventual vitória do petista pode fazer acordos econômicos fluírem com uma mudança de postura. Observamos um grande interesse dos americanos em investir no Nordeste brasileiro a partir da tecnologia do hidrogênio verde, apontado como alternativa limpa de produção de energia”, elucida.

O hidrogênio verde é uma alternativa de combustível produzida com bases de energia sustentáveis, como produção eólica ou solar. O elemento é obtido a partir da água e, para que atue com finalidade de produção energética, depende de uma separação química em um processo denominado eletrólise.

A região que abriga os nove estados do Nordeste é um dos locais do mundo com a maior capacidade de combinar energia eólica e solar nessa extração, o que desperta interesse tanto norte-americano quanto alemão na exportação do produto. “O Brasil também está bem localizado nas proximidades de grandes centros de consumo desse recurso, além de ter capacidade de produção em larga escala”, adiciona Pires.

Balança comercial

Em termos econômicos, a relação comercial entre os dois países cresceu durante o governo Bolsonaro e, atualmente, ela é maior que em 2018, segundo dados do Monitor do Comércio Brasil-Estados Unidos. No entanto, mesmo com esse crescimento, foram registrados déficits comerciais para o lado brasileiro — que tem a exportação baseada em produtos de matéria-prima.

Os dois países também cometem em mercados internacionais por commodities semelhantes. Enquanto o Brasil é o maior produtor de soja e laranja, os americanos estão à frente na produção de milho, carne bovina, peru e frango.

“Mesmo com essa competição na venda por exemplo de soja ou carne bovina, os americanos enxergam com preocupação o avanço da China na compra de produtos brasileiros nesses últimos anos, o que, para a Casa Branca, parece ser visto como uma interferência no que eles chamam de zona de influência, que é a América do Sul”, explica o cientista político Leonardo Leão.

Ao longo dos últimos quatro anos, “podemos verificar que ocorreu uma expansão de setores que já exportavam para os EUA, mas a criação de novos mercados para produtos brasileiros não”, adiciona Pires. “O que pode ocorrer, em uma eventual troca de governo, é um terreno mais fértil para novos acordos governamentais que propiciem a exploração de outros tipos de produtos, ou mesmo a expansão do agronegócio brasileiro, que hoje enfrenta barreiras”.

Neutralidade diplomática

Ao contrário dos líderes como Joe Biden (EUA), Olaf Scholz (Alemanha) e Liz Truss (Reino Unido), bem como as demais nações da União Europeia, o chanceler do Brasil, Carlos França, tem adotado uma postura de neutralidade diante do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

O posicionamento neutro, tradicional da diplomacia brasileira, incomoda nações ocidentais na linha de frente de apoio à Ucrânia, segundo o especialista Márcio Coimbra, cientista político da Fundação da Liberdade Econômica.

O profissional argumenta que o posicionamento pode, inclusive, levar a alguns casos de isolamento diplomático.

“Seria muito melhor para os EUA que o Brasil adotasse uma posição mais alinhada às potências ocidentais em relação a esse tema. Mas, a expectativa internacional é que isso não mude, seja com o governo Bolsonaro seja com Lula, porque ambos têm uma visão de aproximação com Moscou que não é desejada”, comenta.

“Trump dos trópicos”

As turbulências em torno da possibilidade de um questionamento do resultado das eleições, por parte de Jair Bolsonaro, é o principal ponto de atenção, segundo os especialistas.

“Os americanos enxergam essa postura como um aceno ao que aconteceu com o fim do governo Trump. Muitos políticos americanos enxergam o atual presidente como ‘uma versão tropical do ex-presidente republicano’, portanto, existe um certo temor por parte da classe política daqui, que o Brasil tenha problemas com extremistas, como foi no 6 de janeiro de 2021”, frisa Leão.

“Contudo, a maioria acredita que independente do resultado das urnas, a ordem democrática será mantida. Eles enxergam semelhanças entre os candidatos do Brasil com as eleições americanas, mas não acreditam em nenhum tipo de ruptura democrática”.

Imprensa internacional

O primeiro turno das eleições de 2022 foi representado na imprensa internacional com destaque para o “Confronto de Titãs”. Portais estrangeiros adotaram um tom crítico ao candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), “subestimado pelos institutos de pesquisa”, enquanto o principal opositor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi apontado como vitorioso, mesmo com desempenho insuficiente para vencer na primeira rodada.

O norte-americano New York Times dedicou uma parte do site à cobertura em tempo real do pleito. Uma das reportagens, com o título: “Bolsonaro supera pesquisas e força segundo turno contra Lula nas eleições presidenciais do Brasil”, destacou o crescimento inesperado de Bolsonaro, e frisou que as sondagens julgaram mal a força do conservadorismo no país.

“Durante meses, pesquisas e analistas diziam que o presidente Jair Bolsonaro estava fadado ao fracasso”, descreve o texto, que justifica o resultado a partir de “visões totalmente diferentes” sobre pautas desafiadoras que o país enfrenta, incluindo “ameaças ambientais, fome crescente, economia em crise e uma população profundamente polarizada”.

Na reportagem do The Washington Post, as ofensivas de Jair Bolsonaro às instituições brasileiras “chamaram a atenção global como o mais novo palco para a luta mundial entre a democracia e o autoritarismo”, diz uma parte do texto.

O jornal também mencionou as divergências existentes entre pesquisas de intenção de voto e frisou que “para muitos brasileiros, o impensável já aconteceu”.

A matéria avalia que o Brasil entra agora em um período “potencialmente desestabilizador” até 30 de outubro, data do segundo turno.

“O país mergulhará agora no que pode ser seu momento politicamente mais incerto desde que deixou o jugo da ditadura. O medo que muitas pessoas já sentiam ao entrar nesta eleição – medo da violência, medo do futuro do país – só aumentará nas próximas semanas.”

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