Em planos de governo, Lula e Bolsonaro ignoram queda da cobertura vacinal
Candidatos a presidente não citam ações para melhorar a cobertura vacinal do Programa Nacional de Imunizações (PNI)
atualizado
Compartilhar notícia
O Brasil vive um cenário de alerta com a iminente volta de doenças que já haviam sido controladas pela vacinação no país — como a poliomielite, o sarampo e a meningite. O assunto preocupa a comunidade médica e científica, especialmente pelos baixos índices de cobertura vacinal.
O tema, no entanto, não foi detalhado nos planos de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do atual chefe do Executivo do país, Jair Bolsonaro (PL). Ambos concorrem ao Palácio do Planalto no segundo turno das eleições, marcado para 30 de outubro.
Na quinta-feira (6/10), a Secretaria de Saúde do Pará (Sespa) notificou o Ministério da Saúde sobre a investigação de possível caso de poliomielite. Trata-se de uma criança de 3 anos, hospitalizada com sintomas semelhantes ao da paralisia infantil: febre, dores musculares e redução da capacidade motora das pernas. O caso foi descartado, mas acendeu alerta para os baixos níveis de imunização contra a doença no Brasil.
Também nesta semana, um surto de meningite em São Paulo causou grande procura por vacinas na região. Um homem de 22 anos morreu na última quarta-feira (5/10) devido à doença. No total, 58 casos de meningite já foram registrados na cidade, e a morte do jovem já é a décima em 2022.
O que dizem os planos de governo?
Os planos de governo protocolados pelas campanhas de Lula e Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não apresentam detalhamento de ações para melhorar os índices de vacinação do Programa Nacional de Imunização (PNI).
No documento apresentado ao TSE, Lula critica a atuação da gestão Bolsonaro na área da saúde. “O direito à vida e o Sistema Único de Saúde (SUS) têm sido tratados com descaso pelo atual governo. Faltam investimentos, ações preventivas, profissionais de saúde, consultas, exames e medicamentos.”
A campanha do petista ressalta a urgência de retomar atendimentos paralisados durante a pandemia, assistir às pessoas com sequelas da Covid-19 e “retomar o reconhecido Programa Nacional de Vacinação”.
Apesar de mencionar o PNI, o projeto não cita os baixos índices de imunização infantil nem detalha de que forma uma eventual gestão sob o comando de Lula vai melhorar as taxas de vacinação no Brasil.
No plano apresentado ao TSE, a campanha de Jair Bolsonaro menciona a imunização para combater o coronavírus como um dos sucessos de sua gestão. “Desde o início da campanha de vacinação contra a Covid-19, orientada pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), o governo federal já distribuiu, até meados de julho de 2022, cerca de 519 milhões de doses aos estados e ao Distrito Federal”, consta no documento
A vacinação contra outras doenças, no entanto, não é mencionada. O plano chega a citar Programa Nacional de Imunizações como “bem-sucedido”, mas não detalha quais ações serão feitas para melhorar os índices de vacinação. “Deve-se dar continuidade a programas exitosos, como […] a Vigilância em Saúde, onde está inserido o fundamental e bem-sucedido PNI, que tantas vidas salvou desde a sua idealização.”
Cenário alarmante
A taxa de cobertura de diversas vacinas do calendário infantil tem sofrido queda desde 2015. Naquele ano, a cobertura do imunizante contra a poliomielite era de 98,2%. Em 2021, ficou em 69,9%. A imunização contra a meningite também caiu ao longo dos anos: em 2015, era de 98,1%. No ano passado, o índice ficou em 70,9%. Os dados são do Datasus.
As quedas também são acentuadas na cobertura das vacinas BCG, Tríplice Viral (caxumba, sarampo e rubéola), Hepatite A e DTP (difteria, tétano e coqueluche). Veja:
Na campanha deste ano, nenhum dos imunizantes atingiu a meta de 90% de cobertura. O índice da vacinação contra a poliomielite está em 62,6%. Ao longo da gestão de Jair Bolsonaro, o Programa Nacional de Imunizações foi abalado por uma série de trocas de gestores. O plano chegou a ficar sem coordenador por seis meses.
A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabela Ballalai, avalia como “preocupante” a falta de ações detalhadas sobre a vacinação no plano de governo dos presidenciáveis.
“O PNI é protegido politicamente. Não é partidário. Nenhum candidato vai poder acabar com o programa. Mas o apoio político é muito importante. Sem dúvida nenhuma, a falta de abordagem dessa questão gera preocupação”, pontuou, em entrevista ao Metrópoles.
A pediatra apontou que o país corre “risco altíssimo” de ter novos surtos de doenças evitáveis por vacinas. “A gente vive um momento de crise muito grande em relação ao PNI. Corremos risco de que todo o trabalho do programa ao longo dos anos vá por água abaixo com essas baixas coberturas vacinais, além do risco altíssimo de retorno da poliomielite e de outras doenças”, frisou.
Brasil sabe o que fazer
Especialista em vacinas e professora da Universidade de Brasília, Anamélia Lorenzetti Bocca explica que o Brasil sabe como fazer campanhas de incentivo à vacinação. A docente ressalta que o país já foi internacionalmente reconhecido pelas altas coberturas vacinas. Segundo a educadora, a próxima gestão deve fortalecer o PNI e dar espaço para que a área técnica execute ações de incentivo à imunização.
“Durante muito tempo, nós tivemos campanhas e processos que foram bem-sucedidos. A gente não precisa inventar nada novo: é fortalecer novamente o PNI, com um coordenador que tenha condições de fazer seus trabalhos. Se a gente colocar uma pessoa competente e permitir que ela faça o trabalho dela, a implementação de processos e protocolos que já estão estabelecidos, vamos ter sucesso. O Brasil sabe como fazer campanhas”, assinalou Anamélia Bocca.