Defensores da cloroquina contra Covid articulam candidaturas pelo país
Médicos e políticos bolsonaristas que ganharam popularidade com a defesa do kit Covid planejam disputar eleições em diversos estados
atualizado
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No auge das primeiras duas ondas da pandemia da Covid-19, entre 2020 e 2021, diversos médicos e políticos ganharam os holofotes defendendo tratamento sem comprovação de eficácia para a doença, embalados pela propaganda do presidente Jair Bolsonaro (PL). Agora, enquanto a terceira onda do Sars-Cov-2 avança pelo país impulsionada pela variante Ômicron, vários deles articulam candidaturas às eleições de outubro.
Dois nomes expressivos dessa bancada de “cloroquiners” são as médicas Nise Yamagushi e Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. Ambas defendem o kit Covid – composto por cloroquina, azitromicina, ivermectina e outras drogas –, foram investigadas pela CPI da Covid-19 e avaliam candidaturas ao Senado.
Nise Yamagushi sinaliza que foi justamente o depoimento à comissão o gatilho para resolver se candidatar. A médica anunciou, no fim de dezembro passado, nas redes sociais que é “pré-candidata independente ao Senado Federal por São Paulo”.
“Não tenho partido. Não sou política. Não sei ainda qual partido vou escolher, mas eu sei que vou ser uma pessoa independente. Estou dizendo que vou ter uma candidatura independente. Qual vai ser o partido? O mais ético que encontrar, o mais correto que encontrar”, declarou Nise.
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Mayra Pinheiro, que ficou conhecida como “Capitã Cloroquina” pela defesa enfática e incessante do medicamento contra a Covid, também vem ensaiando entrar na corrida eleitoral. Ela se notabilizou, além da ênfase no uso do kit Covid, por ter liderado uma comitiva que foi a Manaus, capital do Amazonas, há um ano, defender a prescrição da cloroquina, enquanto o local vivia uma crise de oxigênio.
A médica cearense, que já foi candidata à Câmara dos Deputados, em 2014, e ao Senado Federal, em 2018, e perdeu as duas disputas, aproximou-se do deputado federal Capitão Wagner (Pros-CE), pré-candidato ao governo do Ceará, e de outros bolsonaristas. Criou uma logomarca com tom eleitoral para as redes sociais e tem feito publicações relacionadas ao trabalho ou com críticas a adversários.
Recentemente, Pinheiro realizou uma enquete com seguidores sobre uma possível candidatura ao Senado, colocando-se como adversária do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), cujo mandato se encerra neste ano. Jereissati, porém, já anunciou que não deve tentar a reeleição.
A médica disse ao Metrópoles que aguarda pesquisas internas para definir sobre a candidatura, o que deve ocorrer até o fim de janeiro. Ela avalia disputar uma vaga ao Senado ou à Câmara dos Deputados e, caso confirme que concorrerá, se filiará ao PL.
A também médica Raissa Soares é outra profissional que ganhou notoriedade nas redes sociais pela defesa dos fármacos sem eficácia contra a Covid. Ela gravou um vídeo em meados de 2020 pedindo carregamento de cloroquina ao presidente Bolsonaro para Porto Seguro, na Bahia, onde atua como médica na rede municipal, e foi atendida. Após isso, ela foi recebida pelo presidente no Palácio do Planalto.
Em janeiro de 2021, assumiu a Secretaria de Saúde de Porto Seguro e deixou o cargo em novembro passado. Ela se filiou ao PL no fim de dezembro e articula a candidatura ao Senado pela Bahia.
O deputado federal e médico Osmar Terra (MDB-RS) também é defensor do kit Covid e foi um dos integrantes do “gabinete paralelo” de aconselhamento ao presidente Bolsonaro durante a pandemia. O parlamentar, que fez uma série de previsões completamente equivocadas sobre a pandemia, tentará a reeleição à Câmara em outubro.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, não é propriamente um defensor da cloroquina, mas, apesar de ter poder para inibir o uso, jamais o fez, para evitar confronto com o presidente Bolsonaro, defensor do fármaco. O ministro vem se alinhando cada vez mais ao bolsonarismo e tem avaliado a possibilidade de se candidatar ao Senado ou ao governo da Paraíba.
O antecessor dele na pasta, o general Eduardo Pazuello não é médico, mas, assim como Queiroga, evitou atrito com o chefe do Executivo federal e distribuiu cloroquina e outras drogas do kit para diversos estados e municípios, a pedido do chefe. O ex-ministro planeja disputar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo Rio de Janeiro.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que se notabilizou por sua defesa enfática dos medicamentos sem comprovação de eficácia para o novo coronavírus durante a CPI da Covid, quer concorrer ao governo do Rio Grande do Sul.
Acusado diversas vezes de promover desinformação, Heinze foi acionado no Conselho de Ética do Senado. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), acatando sugestão do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), incluiu o nome do bolsonarista no rol de investigados no último dia, mas recuou e o deixou de fora do relatório.
Contudo, não é só na esfera federal que defensores do kit Covid buscam mandatos este ano. Ligado à Associação Médica Brasileira, o vereador e médico Cezar Leite (PSC) tentará uma vaga na Assembleia Legislativa da Bahia, com um discurso em defesa do presidente Bolsonaro e crítico às medidas restritivas, em especial ao passaporte da vacina.
O ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, foi o coordenador do “gabinete paralelo” de aconselhamento a Bolsonaro durante a pandemia. Ele foi o elo entre médicos defensores do kit Covid com o Planalto. Arthur, que assim como o irmão vive nos Estados Unidos, deve ser candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Com exceção de Raissa Soares, Leite e Heinze, todos tiveram pedidos de indiciamento por parte da CPI da Covid.
Kit Covid
Apesar de os medicamentos que compõem o kit já terem a ineficácia no tratamento do coronavírus cientificamente comprovada, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, rejeitou, na sexta-feira (21/1), os protocolos elaborados pela Comissão de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde (Conitec) sobre o tratamento de Covid, inclusive o que recomendava não usar o kit para o chamado “tratamento precoce”.
Em dezembro de 2021, a Conitec, ligada ao Ministério da Saúde, aprovou protocolo ambulatorial que indica, entre outros, a ineficiência do chamado kit Covid. O documento foi elaborado a partir de estudo encomendado pela Saúde e recomendava não usar remédios como ivermectina, azitromicina e hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19.