Campanha de ataques empobrece debate de propostas
Corrida eleitoral de 2022 fica mais agressiva nos palanques e violenta nas ruas e candidatos não são cobrados a detalhar suas promessas
atualizado
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Faltando três semanas para o primeiro turno, os brasileiros têm poucas informações concretas sobre os planos dos candidatos à Presidência para lidar com o país nos próximos quatro anos, mas são bombardeados diariamente com trocas de acusações e agressões verbais entre eles e aliados.
Além de deixar o debate de ideias em segundo plano, a campanha de ataques acaba degradando também a militância nas ruas, numa crise que se reflete em terríveis e numerosos casos de violência política.
Na sexta-feira (9/9), por exemplo, Rafael Silva de Oliveira, de 24 anos, um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), assassinou a facadas um simpatizante do ex-presidente Lula (PT), Benedito Cardoso dos Santos, de 42 anos. Os dois eram colegas de trabalho em uma agrovila no interior de Mato Grosso e brigaram por causa de política.
Outro caso de violência foi registrado, no mesmo dia, contra um homem identificado como Rodrigo Duarte. Ele foi agredido em um ato de manifestantes do Partido dos Trabalhadores (PT), em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Duarte trajava uma blusa que fazia menção a uma pessoa com nove dedos, detida em uma cela. Um dos apoiadores de Lula, então, teria desferido um soco no homem, que sangrou pela cabeça.
As mais recentes tretas entre os presidenciáveis giram em torno dos atos bolsonaristas em 7 de Setembro. Em discurso a apoiadores na Praia de Copacabana, Bolsonaro bateu forte em Lula, chamando o petista de “quadrilheiro que deve ser extirpado da vida pública”.
Em resposta, o ex-presidente atacou o adversário e seus seguidores, dizendo que a mobilização no feriado da Independência “parecia uma reunião da Ku Klux Klan [organização racista norte-americana que prega a supremacia branca]. Só faltou o capuz. Porque não tinha negro, pardo, pobre, trabalhador”.
Com frases de efeito como essas, os líderes nas pesquisas guardam pouco tempo para detalhar suas propostas. A campanha de Bolsonaro, por exemplo, trouxe na última semana a promessa de pagar até R$ 800 por mês para beneficiários do Auxílio Brasil que vencerem o desemprego. O candidato à reeleição, porém, não explicou até agora nem como vai arrumar verbas para manter o benefício em R$ 600 no ano que vem, já que a proposta de Orçamento enviada ao Congresso prevê um valor de até R$ 405 por beneficiário.
Em comício no Tocantins, Bolsonaro chama PT de “praga” e diz que partido “só gera desgraça para o povo brasileiro”.
Candidato à reeleição disse que vitória nas urnas varrerá a sigla “para o lixo da história”.#Eleicoes2022 pic.twitter.com/AJEIgHe7pu
— Metrópoles (@Metropoles) September 9, 2022
Quando perguntado sobre fontes de financiamento em entrevistas e sabatinas, Bolsonaro costuma desconversar dizendo que, por ser presidente, não pode falar muito sem se aconselhar com sua equipe econômica, sob o risco de influenciar negativamente o mercado. Uma das dicas que o presidente tem dado, porém, é que o programa social pode ser financiado com a taxação de dividendos dos possuidores de grandes fortunas – ideia que ele costumava criticar e que o PT defende, mas que não implementou enquanto esteve no governo.
Já Lula desvia das cobranças sobre detalhes do seu programa econômico, como a regra fiscal para substituir o Teto de Gastos que ele defende extinguir, dizendo que o que fez em seus oito anos na Presidência é o suficiente para credenciá-lo a um novo mandato. O petista nem mesmo indica nomes que poderiam ocupar cargos-chave em seu governo, como o Ministério da Fazenda (atualmente rebatizado Ministério da Economia).
Lula diz que se referia ao palanque de Bolsonaro quando fez comparação com a Ku Klux Klan e repete afirmação.
Em coletiva, petista citou filhos de @jairbolsonaro. “Toda vez que ele pensar em falar nos meus filhos, tem que lavar a boca, pois ele sabe os filhos que tem”. pic.twitter.com/M266v2u1kv
— Metrópoles (@Metropoles) September 9, 2022
Pobreza do debate político
O pouco espaço que sobra para o debate de ideias na campanha priva os eleitores de informações importantes para o processo de decisão sobre o voto, avalia o analista de riscos políticos Gabriel Brasil, que trabalha na empresa britânica Control Risks na área de ESG, sigla em inglês para “meio ambiente, social e governança”; conceitos que correspondem a “sustentabilidade” no mundo corporativo.
O analista afirma que a falta de um detalhamento maior sobre esses temas nos programas de governo dos candidatos gera apreensão sobretudo no mercado financeiro, que tem interlocução com o sistema econômico internacional.
“A preocupação com o ESG ainda está mais limitada a nichos do mercado financeiro porque os clientes internacionais trazem essas demandas e forçam seus parceiros no Brasil a lidar com questões de sustentabilidade. Fundos que querem investir no Brasil e em outros países da América Latina querem evitar riscos reputacionais e isso parece escapar ainda aos protagonistas da política”, avalia Brasil, em conversa com o Metrópoles.
O profissional, que atende clientes estrangeiros preocupados com os riscos políticos no Brasil, afirma que os dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas têm propostas “muito tímidas” no setor de ESG.
“No caso de Bolsonaro, tudo que ele prometer ainda vem acompanhado de grande desconfiança, porque o histórico dos primeiros quatro anos de governo é de retrocessos vários, com menos recursos para os órgãos de preservação ambiental e de mediação de temas sociais, além da desregulamentação que ficou célebre com a frase sobre ‘passar a boiada’ do ex-ministro Ricardo Salles”, avalia o analista.
“Já Lula tem um histórico positivo no combate ao desmatamento em seus governos, mas não está detalhando suas ideias para enfrentar um problema agravado agora pela falta de verbas para as agências e pelo empoderamento de agressores como grileiros e garimpeiros ao longo do governo Bolsonaro”, continua ele, que vê planos mais detalhados nos programas de governo de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), mas ainda assim vagos.
“Nunca vi o Lula tão enfraquecido, tão debilitado psicologicamente”, diz Ciro Gomes.
Em entrevista à Jovem Pan, candidato do PDT indicou que não apoiará o petista em um eventual 2º turno sem a sua participação. pic.twitter.com/nnI37qocsV
— Metrópoles (@Metropoles) September 5, 2022
Ciro, Simone e Soraya
Ainda que tenham programas de governo menos vagos que os dos líderes das pesquisas, os candidatos do segundo pelotão também têm apelado para as críticas aos adversários como maneira de se promover. Ciro Gomes (PDT), que aparece em terceiro nas principais pesquisas, tem fustigado tanto Bolsonaro quanto Lula e, na última semana, disse que “o sistema marcou para o povo brasileiro escolher entre o ‘coisa ruim’ e o ‘coisa pior’.
Já Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) tiveram seus momentos de maior destaque na campanha ao rebater o machismo de Bolsonaro no debate promovido pela Band no final do mês passado.
Campanha de Bolsonaro vê Simone Tebet como a Marina Silva dos debates.
Candidata do MDB ao Planalto, senadora Simone Tebet assumiu a linha de frente dos ataques ao presidente Jair Bolsonaro no debate da Band.
Leia na coluna de @igorgadelham: https://t.co/CkeYiPh12P pic.twitter.com/rdl1CDhTSu
— Metrópoles (@Metropoles) August 29, 2022
O ponto de partida
Para o cientista político Francisco Fonseca, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a degradação do debate na política brasileira é fruto de falhas que remetem à Operação Lava Jato, que, para ele, criminalizou a política.
“A demonização dos políticos pela Lava Jato criou um vaziou que, em 2018, foi ocupado por Bolsonaro, que já naquela eleição concorreu sem propostas concretas, só com generalidades e ideias vagas, como a suposta luta contra a ideologia de gênero”, avalia o estudioso.
Fonseca acredita que interessa sobretudo aos políticos de extrema-direita essa degradação política. “Como os seguidores de Donald Trump nos EUA, os bolsonaristas radicalizados apostam na bagunça institucional, no enfraquecimentos das instituições e, por consequência, da democracia”.
O cientista político não isenta Lula de responsabilidade nessa degradação, mas diz que os adversários “não estão no mesmo patamar em termos de ataques aos adversários e às instituições, pois só um dos lados especula ou instiga um golpe de Estado”.
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