Bolsonaro se reaproxima de retórica radical às vésperas de eleição
Presidente volta a fazer motociatas, aumenta o tom contra a Justiça Eleitoral e troca um ministro militar por um olavista
atualizado
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Pressionado por dificuldades políticas (rejeição persistente e intenções de voto estacionadas após um período de crescimento) e econômicos (disparada nos preços), o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem reagido se (re)aproximando de sua base mais radicalizada, que tinha ficado meio esquecida em meio à lua de mel do Planalto com o Centrão.
A guinada de Bolsonaro rumo a uma retórica mais radical após um período de relativo pragmatismo é bem marcada pelo indulto concedido ao aliado Daniel Silveira em 21 de abril. O deputado federal acabara de ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques à Corte e defesa de atos da ditadura.
O decreto do presidente reagrupou sua base ideológica e eclipsou críticas que vinham sendo feitas por radicais renegados, como os ex-ministros Abraham Weintraub e Ernesto Araújo.
Bolsonaro aproveitou o engajamento para retomar eventos de rua com apoiadores, como as motociatas, e voltar a subir o tom contra a segurança e confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. No último dia 28 de abril, por exemplo, o presidente afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deveria atender às sugestões das Forças Armadas enviadas à Justiça Eleitoral “para o bem de todos”.
Mesmo com reações negativas públicas até de aliados, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a seu comportamento radicalizado em relação às eleições, Bolsonaro está subindo a aposta e levando essa retórica para o setor econômico.
Os preços de alimentos, passagens, combustíveis e quase a totalidade dos itens de consumo têm subido muito, com a inflação de abril sendo a maior para o mês desde 1996. A reação de Bolsonaro tem sido tentar se desvincular de qualquer responsabilidade e adotar ações governamentais para sinalizar a apoiadores tentativas de mudanças políticas que acabam não se concretizando.
“A crise é no mundo todo. Aqui no Brasil está caro? Está. Mas alguns me acusam injustamente”, disse Bolsonaro, na quarta-feira (11/5), a militantes no cercadinho do Palácio da Alvorada.
No caso dos combustíveis, o presidente tenta mostrar uma reação com a troca do ministro de Minas e Energia, pouco mais de um mês após a substituição do presidente da Petrobras.
“Essas trocas são pura retórica sem conteúdo. São tentativas de desviar a atenção de aumentos que são ditados pelo dólar”, avalia o cientista político David Fleischer, que é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).
“O Brasil não é autossuficiente em combustíveis porque lhe faltam refinarias, esse é o problema real. Trocar gestores não muda nada, já que é um preço atrelado ao mercado internacional”, complementa ele, que acredita na continuidade e até na intensificação desse comportamento do presidente, que tem atacado abertamente a Petrobras.
“Ele vai promover muitas mudanças cosméticas, vai cobrar muito, mas é ‘para inglês ver'”, completa o acadêmico, que é norte-americano (naturalizado brasileiro).
Olavismo de volta ao primeiro escalão
Os nomes envolvidos na troca no Ministério de Minas e Energia também indicam para qual lado político o presidente está apontando. O demitido, Bento Albuquerque, é um militar, almirante de esquadra da Marinha do Brasil. O substituto, Adolfo Sachsida, é um seguidor do extremista Olavo de Carvalho (1947-2022), guru de alguns dos personagens mais radicais que passaram pelo governo, como os já citados Weintraub e Araújo.
Com sólida formação acadêmica, experiência em cargos de gestão e a benção de seu ex-chefe, o ministro Paulo Guedes, da Economia, Sachsida atravessou o governo até agora sem se envolver em grandes polêmicas ideológicas, mas tem um histórico de defesa de posições ultraconservadoras e polêmicas.
Ele era ativo em redes sociais e mantinha um canal no YouTube com a economia como tema, mas espaço para vídeos sobre assuntos como a defesa da proibição ao aborto até no caso de fetos anencéfalos. Em outras transmissões, que voltaram a circular com a nomeação de Sachsida, o novo ministro defende teses como o nazismo de Adolf Hitler ter sido um movimento de esquerda.
Em entrevista que fez com Olavo de Carvalho em 2016, Sachsida e o escritor atribuíram riscos de terrorismo devido à presença de muçulmanos na “onda migratória na Europa e no Brasil”.
O jornalista Carlos Alberto Jr, dono de um canal no YouTube chamado Roteirices, divulgou ao longo da quarta um vídeo que postou em setembro do ano passado, com trechos de falas extremistas do novo gestor da área energética do Brasil. Veja:
Negacionismo na pandemia
Já no governo, Sachsida mostrou alinhamento com o olavismo ao adotar uma postura de negacionismo em relação à gravidade da pandemia de coronavírus.
Em março de 2020, quando a doença ainda estava no início de seu ciclo no país, o então secretário do Ministério da Economia disse que “a melhor vacina” contra a Covid-19 seria avançar na agenda de reformas. “Se avançarmos rápido nas reformas, consolidação fiscal e aumento de produtividade, os efeitos no Brasil serão menores”, previu ele.
Adolfo Sachsida classificou como “baixíssima” a chance de que o Brasil ser atingido por uma segunda onda da pandemia de Covid-19. Na época, o país registrava 165 mil mortes pela doença. A segunda onda veio mais forte que a primeira e, hoje, o Brasil computa 664 mil mortes por coronavírus.
O novo ministro também defendeu a tese de lidar com a pandemia esperando uma “imunidade de rebanho”, prevendo que o aumento no número de casos de infectados por coronavírus agilizaria a imunização natural e faria a pandemia passar mais rapidamente do que tomando medidas para evitar o contágio.
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