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Autodeclaração racial pode não mostrar perfil real dos candidatos

Levantamento do Metrópoles mostra que 88 dos candidatos se dizem pretos ou pardos, enquanto 157 se declaram brancos

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Arte: Yanka Romão/Metrópoles
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Mesmo que o IBGE aponte que 54% dos brasileiros se autodeclaram pardos ou pretos, esse número não se reflete nas urnas. Uma amostra é o levantamento do Metrópoles com base nos dados apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com os candidatos a cargos do Poder Executivo (Presidência da República, vice-presidência e ao governo dos 27 estados brasileiros).

Os números apontam que apenas 88 se dizem pretos ou pardos. Em contrapartida, 157 se autodeclaram brancos. E quatro aspirantes se colocam como indígenas (3) e amarelo (1).

Houve casos onde todos os postulantes ao governo do estado se declararam brancos, como em Santa Catarina, por exemplo. Na região Sul, o número candidatos que disseram ser pretos ou pardos foi ínfimo.

Das cinco regiões, o Nordeste foi a que teve mais candidatos autodeclarados dessas cores de pele. A região Norte, por sua vez, apresenta a maior diversidade racial. Contabilizando todos estados do Sul, por exemplo, apenas três candidatos ao comando dos governos se disseram pretos ou pardos.

No cenário geral, envolvendo as disputas por todos os cargos, 2022 teve o maior percentual de candidaturas negras desde 2014 – data em que foi instituída a modalidade de autodeclaração de cor de pele. Trata-se de um quantitativo de 49,49% de negros em relação ao total de postulantes.

Autodeclaração

Por mais que os números mostrem a maioria dos concorrentes como brancos, a autodeclaração racial não leva em conta a aparência de cada um. Tampouco, estabelece critérios para que o candidato se encaixe em determinada raça. Ao contrário de concursos e vestibulares, não é feita uma verificação por uma banca ou conselho designados.

No aspecto eleitoral, a autodeclaração é, portanto, uma percepção racial empírica diante da sociedade de cada declarante.

Com isso, existem candidatos que se autodeclaram brancos, sendo afrodescendentes e, outros que se declaram pardos ou pretos, sendo brancos. Essa prática, em outras palavras, proporciona uma distorção da diversidade racial no pleito.

Isso tudo, não se trata de impor ou identificar a dedo quem é branco, preto, indígena ou amarelo, até porque o Brasil nasceu de uma – por mais que violenta – miscigenação. Embora qualquer um possa se declarar como uma pessoa preta ou parda, o racismo é restrito apenas a quem tem, por exemplo, a pele retinta, o cabelo crespo, lábios grossos, além de outras característas e vivências restritas a pessoas afrodescendentes.

Um outro fator que fica evidente com essa análise, é o perfil social de estados brasileiros e como seus habitantes se comportam.

A região Sul, por exemplo, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, foi uma das que mais teve registros por injúria racial e racismo, perdendo apenas para capitais com grande volume demográfico, como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Segundo o relatório, dos 6.003 registros de racismo nos 27 estados da federação em 2021, 4.132 foram no Rio Grande do Sul.

Um caso recente que traduz a tendência de cada candidato a se adaptar a um perfil aceitável para seus eleitores, foi o do atual vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos), que mesmo tendo pai de linhagens indígenas e, já tendo se autodeclarado indígena no pleito anterior – neste ano, se disse branco.

Já na Bahia, onde a maioria dos habitantes são predominantemente pretos e pardos, a autoidentificação do candidato ao governo ACM Neto (União Brasil) provocou críticas. O estado é, segundo o IBGE, o que mais concentra pessoas pretas e pardas, fazendo com que os brancos se tornem minoria.

Cor é dinheiro

A recorrente mania de usar a cor como acessório, além de render aos candidatos uma varíavel percepção de seus eleitores, também gera dinheiro às suas legendas.

Em outras palavras, a falta de critérios avaliativos na eleição quanto à veracidade de autodeclarações faz com que – mais uma vez – pessoas brancas se apropriem de direitos ou políticas públicas feitas para o povo preto, como ações afirmativas para melhorar o quadro de sub-representação – produto de racismo e de toda a colonização – nos poderes executivos e legislativos.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, tanto a cota de 30% do Fundo Especial para Financiamento de Campanha (FEFC), também chamado Fundo Eleitoral – já estabelecidos para candidatas mulheres – quando o tempo de propaganda valeriam também para candidatos negros. A definição, em 2022, deve ser respeitada pelos partidos políticos e pelas federações

Por regras aprovadas em 2021, serão considerados em dobro os votos dados a candidatas mulheres ou candidatos negros para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral.

Representatividade e identificação

Como é sabido, o processo eleitoral, é o ato pelo qual um grupo populacional designa um ou mais representares dos seus próprios integrantes para ocupar um cargo no Parlamento, por meio de votação. O gesto é, primordialmente, para que os anseios, opiniões e necessidades daquela parcela populacional sejam ouvidos e, possivelmente, atendidos.

De acordo com dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2012 a 2021, o número de pessoas que se declararam como pretas e pardas aumentou em uma taxa superior ao crescimento demográfico do Brasil. Ou seja, as pessoas deixaram de se ver como brancas e se enxergarem como indívuos pretos ou pardos.

O médico psiquiatra do Instituto Meraki, Dr. Alisson Marques, explica que “as identificações raciais se dão inicialmente no ambito familiar e, posteriormente, nas outras dimensões das relações que a criança possui como a escola”.

“Em função da tamanha miscigenação ocorrida no Brasil, isso nem sempre foi uma tarefa fácil. Podendo, dessa forma, a pessoa apresenta um cor de pele , porém dentro de um contexto social sentir-se de outro grupo racial”, pontua Marques.

A também psicóloga Dra. Alessandra Araújo analisa que a autoidentificação passa por um ciclo de negação de vozes, percepções e sentimentos em várias estratos sociais. Que, consequentemente, segundo a médica, provoca sensações que induzem a autoanulação.

“Vivemos numa dicotomia de pertencimentos e não pertencimentos, onde ser não é muitas vezes um poder. Quero falar das minhas origens e constumes e cultura; propagar aquilo que em minha formação eu fui constituído, evidenciando minhas características físicas também, mas me deparo com um estereótipo projetado socialmente que pune por eu pertencer a um grupo social”, detalha Araújo.

“Tudo isso faz com que eu anule o meu verdadeiro eu e me encaixe no que é aceito; uma outra característica que faz com que eu não me identifique é o conflito interno de não saber se identificar, não saber o que eu sou ou onde quero chegar porque preciso necessariamente fazer o que o outro quer”, completa a especialista.

Para Danilo Morais, professor de Ciências Políticas do Ibmec Brasília, a “sub-representação dos pretos e pardos no Brasil possui raízes históricas muito profundas, que remetem à escravização enquanto projeto de negação da cidadania”. Para ele, isso fica evidente no processo eleitoral.

“Aspectos culturais e sociais permeados pelo racismo se somam a outros, de caráter mais instrumental, de desenho legislativo, que concorrem para a baixa representação de negros e pardos nos parlamentos”, relembra Morais.

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