No Rio de Janeiro, segundo turno das eleições 2020 tem ataques e fake news
Pesquisa Ibope mostra Eduardo Paes com 68% dos votos válidos, ante 32% do atual prefeito, Marcelo Crivella
atualizado
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Após um primeiro turno sem muitas surpresas, a reta final da campanha pela prefeitura do Rio — disputada entre o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e o atual, Marcelo Crivella (Republicanos) — foi marcada por acusações e fake news. Crivella chegou a dizer que, caso Paes vencesse, haveria “pedofilia nas escolas”. O acirramento da campanha acabou deixando em segundo plano o debate sobre propostas para a cidade neste segundo turno.
As acusações sem fundamento renderam a Crivella uma denúncia da Procuradoria Regional Eleitoral, que pede sua condenação por difamação e propaganda falsa. Como resposta, Paes passou a chamar o adversário de “pai da mentira”, em referência à figura do diabo — Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e tem os evangélicos como sua maior base eleitoral.
Foi a esses eleitores que Paes dirigiu uma propaganda em que apontou os “sete pecados” do adversário. O candidato do DEM também apostou no discurso de que o prefeito é um “traidor”, lembrando em vídeos que, antes de abraçar o bolsonarismo, Crivella foi aliado do PT, ocupando inclusive o Ministério da Pesca no governo Dilma Rousseff.
A forma como a campanha se desenrolou tem relação com as pesquisas, que sempre colocaram Paes como favorito. No último levantamento Ibope/TV Globo, divulgado nesse sábado (28/11) , o ex-prefeito aparecia com 36 pontos porcentuais na frente de Crivella — 68% dos votos válidos, ante 32% de Crivella. O levantamento foi registrado sob o número RJ‐05249/2020, na Justiça Eleitoral.
Na liderança desde o início do primeiro turno, Paes fez uma campanha em que administrou a vantagem. Durante a disputa, ele comparou os seus dois mandatos (2009-2016) ao de Crivella — o prefeito era rejeitado por 58% dos eleitores, conforme levantamento do Ibope antes do primeiro turno. O slogan da campanha de Paes dava o tom: “O Rio vai voltar a dar certo”. Ele também insistiu que não se poderia eleger “um novo Crivella ou um novo Witzel” – uma referência ao governador, Wilson Witzel (PSC), afastado do cargo acusado de corrupção.
Neste ano, diferentemente de 2018, os adversários não conseguiram associar a imagem de Paes ao ex-governador Sérgio Cabral Filho (MDB), de quem era aliado. Cabral está preso desde 2016 e condenado a mais de 300 anos.
Como proposta, Paes disse que quer retomar o funcionamento de serviços básicos da cidade, como os da saúde, deixando de lado grande projetos que marcaram suas gestões anteriores, como a Copa do Mundo e a Olimpíada. Os recursos, no entanto, são mais escassos hoje do que há quatro anos, e esse será o principal desafio para a próxima gestão.
Nos últimos dias, o que se viu foi um candidato que conciliou as respostas aos ataques com uma agenda que privilegiou seus redutos. Na quinta-feira (26/11), por exemplo, foi ao bairro de Madureira, na zona norte. É onde fica a Portela, sua escola de samba do coração, e o Parque Madureira, uma das principais obras da sua administração.
Nomes nacionais
O segundo turno do Rio também teve como característica a pouca participação de lideranças nacionais nas campanhas. Os partidos de esquerda pregaram uma espécie de voto crítico em Paes, para tirar Crivella da prefeitura. Partidos mais à direita, como o PSD, foram mais explícitos ao apoiar o ex-prefeito.
Crivella manteve seu nome atrelado ao do presidente Jair Bolsonaro. O presidente, porém, se recolheu nas últimas duas semanas e evitou entrar na eleição do Rio, diferentemente do que fez na reta final do primeiro turno. Bolsonaro recusou-se a gravar um novo vídeo ao lado do prefeito e a participar de ato de campanha na cidade. A possibilidade de uma derrota por uma margem muito grande de votos de seu candidato afastou Bolsonaro do estado onde fez carreira política.
O único gesto mais forte de apoio se deu na última quinta-feira. Na live semanal, endossou a informação falsa, propagada por Crivella, de que o PSol comandaria a Secretaria de Educação no governo Paes e implementaria “pedofilia nas escolas”. O partido e o candidato do DEM desmentem qualquer acordo para formação de um futuro governo.
Palanques
Crivella é do Republicanos, partido ligado à Iurd e que serviu de abrigo temporário para bolsonaristas que tentam formar o Aliança Pelo Brasil. Primeiro representante da igreja a ocupar a prefeitura de uma grande capital, Crivella foi eleito beneficiado pela alta rejeição a seu adversário no segundo turno de 2016, o deputado Marcelo Freixo (PSol). Até então, ele havia sido derrotado duas vezes em disputas ao Palácio da Cidade e outras duas ao governo do estado.
Antes de chegar ao cargo Executivo, Crivella passou por muitos palanques, como uma espécie de fiador de candidatos interessados no voto evangélico. Esteve com os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, com os ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, com o ex-senador Lindbergh Farias e até com o atual adversário Paes, na campanha presidencial de Dilma em 2010.
A aliança com o bolsonarismo é mais recente — em 2018, Crivella não esteve com o então presidenciável do PSL em nenhum momento e seu partido apoiava Geraldo Alckmin.
Protagonizada por duas figuras que há mais de 10 anos têm presença certa nas disputas locais, o segundo turno no Rio não teve um representante da esquerda. Muito pautado pela rejeição a Crivella, o embate se concentrou no pragmatismo e na postura plebiscitária de “sim” ou “não” ao atual governo. Nesse cenário, o nome de Paes, candidato capaz de oscilar para os dois lados do espectro político, se consolidou.