Nas Eleições 2020, candidato branco é, em média, 71% mais rico que o negro
A comparação leva em conta todos os políticos que pleiteam algum cargo nas eleições municipais deste ano
atualizado
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Candidatos brancos nas eleições municipais deste ano têm, em média, o patrimônio 71% maior que o dos negros. Essa é a diferença entre os valores declarados por brancos (R$ 396,9 mil) e pretos/pardos (R$ 232,7 mil).
As informações são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Elas foram analisadas pelo (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles. Para isso, foram cruzados os registros das candidaturas com as declarações de bens feitas por quem pleiteia alguma vaga na eleição de 2020.
O gráfico a seguir mostra o valor dos bens médios declarados pelos candidatos nas eleições municipais deste ano. Além do dado geral, há também a informação para cada cargo que estará em jogo: prefeito, vereador e vice-prefeito.
A diferença de renda entre os candidatos negros e brancos tem dois impactos diferentes na desigualdade racial na política brasileira, explicou o conselheiro do Movimento Acredito, Samuel Emílio. Ele é pré-candidato a vereador em São Paulo (SP) pelo PSB.
“Muitos estudos que mostram como o dinheiro pode virar o jogo em uma eleição. Quando candidaturas negras têm poucos recursos para investir na própria campanha, elas largam atrás das outras”, explicou.
O segundo ponto é ainda mais importante para Emílio. “A rede dessas pessoas também é pobre. Quem já possui dinheiro suficiente para se candidatar também tem doadores e amigos com renda muito mais alta e a única forma de financiar a campanha que não seja fundo eleitoral é com doação de pessoa física”, apontou.
Essa rede é essencial para captar doações porque, como aponta o pré-candidato, “o fator que mais influencia no quanto as pessoas vão doar para as outras ou para organizações é o vínculo delas. Se candidatura negra não tem esse vínculo, dificilmente vai receber esse apoio”.
De acordo com ele, 80% das promessas de doação que ele recebeu até o momento para sua campanha vieram de pessoas brancas ou de quem foi indicado por alguém branco. “É mais uma prova de que enquanto a comunidade branca brasileira não enxergar nela mesmo o papel de ajudar candidaturas negras dificilmente a gente vai virar a página do racismo”, prosseguiu.
Isso porque “não dá pra só responsabilizar pessoas negras por isso. A gente fez a nossa parte e precisa que pessoas brancas façam a parte delas doando para pessoas negras”, concluiu. O TSE normatiza como é possível doar para uma campanha eleitoral e o que deve ser observado na hora de fazê-lo.
Cota para financiamento de campanha
O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu neste ano que haveria uma cota para o financiamento da campanha de candidatos negros já nas eleições de 2020. De acordo com a decisão, os recursos advindos do fundo eleitoral e o tempo de propaganda gratuita em televisão e rádio deveria ser proporcional à quantidade de candidatos negros no partido.
Assim, se uma sigla tem 30% de candidatos pretos ou pardos, essas candidaturas somadas devem ter 30% do dinheiro que o partido recebe do fundo eleitoral e a mesma proporção da propaganda gratuita a que a agremiação tem direito.
Emilio classifica a decisão como um “avanço histórico”, mas é pessimista quanto à vontade dos partidos de aplicá-la. “Pelo o que eu vejo nos bastidores, as legendas estão conseguindo criar mecanismos de driblar isso, como colocar pessoas brancas autodeclaradas como pardas”, revelou.
O especialista acredita que muitos partidos vão ignorar a legislação e depois alegar falta de tempo para se adequar. “Conhecendo a legislação brasileira, esses dirigentes não vão ser punidos. Como a gente não tem consequências muito definidas para quem desrespeitar a regra, não tem jurisprudência para isso, provavelmente muitas legendas vão ignorar completamente a legislação”, pontuou.