Conheça candidatos LGBTI+ ligados a partidos ou movimentos de direita
Os motivos para integrar os grupos de direita são muitos: de identificação com as pautas conservadoras a estratégia política
atualizado
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Mariluz é uma cidade pequena, com aproximadamente 10 mil habitantes, no interior do Paraná. Nos próximos 4 anos, o município será comandado por um prefeito bolsonarista, gay e católico. Paulo Alves (PSL) tem 49 anos e foi escolhido com 56,18% dos votos nas eleições de 2020.
O Partido Social Brasileiro (PSL), a qual Paulo é afiliado, se posiciona como “conservador”, “contra a ‘ideologia de gênero'” e favorável à “família, entidades religiosas, polícia, poder judiciário e aos costumes”.
Parece contraditório encontrar políticos que integram a comunidade LGBTI+ e são filiados a grupos conservadores ou de direita, mas essa foi uma realidade nas eleições municipais de 2020.
Segundo levantamento do programa Voto com Orgulho, iniciativa da Aliança Nacional LGBTI+, em 2020, o Brasil teve 522 pré-candidatos LGBTI+ nas eleições municipais. A pesquisa não dividiu os partidos por espectro político entre direita, centro e esquerda.
No entanto, outro levantamento feito pela Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra) mostra que 295 candidatos transexuais, travestis ou não-binários concorreram nas eleições de 2020. Desses, 153 eram afiliados a partidos de esquerda, 31 a partidos de centro e 110 a grupos de direita.
Os motivos para integrar os grupos de direita são muitos: de identificação com as pautas conservadoras a estratégia política.
Paulo Alves (PSL)
A história de Paulo Alves na política é antiga. Há 12 anos, preocupado com a situação que o município de Mariluz enfrentava, ele pensou em se candidatar à prefeitura. Como um bom religioso em busca de respostas, rezou.
“Me coloquei em oração para saber se era da vontade de Deus. Eu não queria, mas minha cidade vinha em uma sequência de administrações deficitárias. Senti no meu coração que deveria ser candidato. Coloquei meu nome à disposição”, lembra.
A candidatura deu certo e Paulo foi eleito em 2012. Na época, ele era afiliado ao PSDB. Depois do mandato, o então prefeito se assumiu gay. Foi quando deixou a política e a igreja.
“De repente, me vi fora das duas coisas. Por eu ter me assumido gay, todos os trabalhos que eu fazia foram limitados. Sempre tive minha trajetória ajudando o próximo de alguma forma. Fiquei com meu tempo muito ocioso, isso me incomodava porque eu me via sem poder fazer algo pelas pessoas”, conta Paulo.
Em 2020, ele decidiu tentar a prefeitura de novo: dessa vez, no partido que elegeu Jair Bolsonaro (atualmente sem partido) ao cargo de presidente da República, o PSL.
Não são poucas as frases homofóbicas emitidas por Bolsonaro ao longo da carreira política. De “o filho começa a ficar meio ‘gayzinho’, leva um coro e muda o comportamento dele”, em 2010, até o recente “agora eu virei boiola, igual maranhense, é isso?”, os comentários ofensivos contra pessoas da comunidade LGBTI+ marcaram negativamente a reputação do presidente.
Questionado sobre o comportamento de Bolsonaro, o prefeito Paulo Alves defende que está olhando a capacidade de gestão do presidente.
“Não quero alguém que me aplauda por eu ser gay, quero alguém que me dê condições de governabilidade e que faça coisas boas para o país. Votei nele. Acho uma pessoa de pulso para governar. Por isso saí candidato pelo PSL”, explica.
Paulo diz que não levanta bandeiras. Apesar das dificuldades para se assumir gay em uma cidade pequena, ele defende que não precisa brigar pelos direitos da comunidade LGBTI+: “Direitos a gente conquista no nosso modo de ser, falar e agir”, afirma.
Esse também é um dos motivos pelos quais ele não pretende criar ações específicas para a comunidade LGBTI+ de Mariluz. Para Paulo, é preciso valorizar a cidade como um todo, “agradando negros e brancos, homos e héteros, gordos e magros”.
Gilvan Masferrer (DC)
Ao contrário de Paulo, há quem se afiliou a um partido conservador mesmo sem ter afinidade com esse tipo de pensamento. É o caso de Gilvan Masferrer, a segunda vereadora transexual de Uberlândia (MG), eleita com 1.347 votos pelo partido Democracia Cristã (DC).
“Minha entrada no DC foi muito pensada. Minha vontade era sair pelo PSOL, só que, na minha cidade, o PSOL não tem visibilidade. Aderi ao DC, um partido de direita, mesmo sendo trans”, conta Gilvan, que buscava uma oportunidade para ingressar na carreira política.
Fundador e presidente do DC, José Maria Eymael afirmou, em entrevista à rádio CBN, em 2014, que é contra a criminalização da homofobia, pois acredita que “falta melhor definição” do que é o crime. Também em 2014, Eymael defendeu que a orientação sexual das pessoas deve ser respeitada, mas que, para ele, a ” instituição casamento é relação de homem e mulher”.
A entrada no partido não foi uma decisão fácil para Gilvan: ela revela que sentiu muito medo de sofrer transfobia, mas que o DC abriu portas para que pudesse começar a trajetória. A vereadora conta que nunca foi vítima de comentários preconceituosos no partido, mas diz que alguns integrantes da sigla não acreditavam que ela seria eleita.
Sobre os comentários preconceituosos de Eymael, ela conta: “Não me abalaram, sabe por que? O presidente do partido traz o preconceito para si, mas tem que entender uma coisa: hoje a sociedade mudou, ela passou a nos ver, nos dar possibilidades”.
“Você acha que eu, uma trans, pobre, da periferia, com seios de silicone, não sofri no sinaleiro perante aos carros quando eu ia entregar um santinho meu? As pessoas cochicham, riem. Quem é atacado muitas das vezes tem que ser resistente e sobreviver”.
Gilvan tem 30 anos de idade. Começou a trabalhar aos 9, como manicure, na periferia de Uberlândia. “Andava com uma bolsinha de esmalte, fazendo unha por um preço muito acessível”, lembra. Aos 16 anos terminou os estudos no ensino médio e depois iniciou gradação em sociologia.
Em junho de 2013, foi brutalmente espancada, em mais um caso de transfobia — dados da ONG Transgender Europe (TGEu) mostram que o Brasil é o país que mais mata transgêneros no mundo. “Perdi 26 dentes, 3% de massa cefálica e um rim. Tive que usar platina no rosto, porque fui massacrada, esmigalhada”.
Depois do crime brutal, ela assumiu a responsabilidade de ocupar espaços que não costumam ser acessíveis para pessoas transexuais. Na igreja católica, passou a atuar como comentarista durante as missas de domingo.
Além disso, seguiu trabalhando no projeto Me Ajude a Ajudar, em que arrecada alimentos e doações para famílias carentes. A iniciativa criada por Gilvan existe há 15 anos e já ajudou mais de 2,3 mil famílias.
Para os 4 anos como vereadora, a principal proposta é usar a política como “ferramenta de transformação”. Gilvan quer criar políticas públicas para a comunidade LGBTI+, negros, religiosos de matriz africana e mulheres. “Quero honrar o compromisso que fiz coma população e trabalhar para todos”, conta.
Jessicão (PP)
Jessicão, a opressora. Foi com esse nome que Jessica Ramos Moreno, 27 anos, se apresentou como candidata à Câmara Municipal de Londrina (PR) nas eleições municipais de 2020. Eleita com 2.523 votos, a nova vereadora é filiada ao Progressistas e líder do Movimento Direita Paraná.
Bolsonarista, contrária à “ideologia de gênero”, aos movimentos LGBTI+, ao feminismo e ao aborto, Jessicão é lésbica e casada com uma mulher. Assumiu a orientação sexual aos 12 anos, mas afirma que nunca havia sofrido homofobia — até o dia em que admitiu ser a favor do governo de Jair Bolsonaro.
“A partir do momento que me declarei uma lésbica bolsonarista sofri preconceito. Perdi varias amizades, amigos me deram as costas. Fui expulsa de um aniversário em um barzinho gay aqui, sou proibida de frequentar espaços LGBTI+ na cidade”, conta.
O interesse de Jessica pela política começou em 2013, com as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Ela conta que, na época, quem organizava os protestos em Londrina era o Movimento Brasil Livre (MBL). Por não compactuar com o grupo, ela decidiu criar o Movimento Direita Londrina.
Em 2016, conheceu Jair Bolsonaro ao organizar um evento no qual ele participaria na cidade, ainda como deputado. “Ele ganhou meu coração”, conta. Jessica diz ter ficado surpresa com a forma que Bolsonaro valoriza a família e acredita que ele não é homofóbico.
O presidente, inclusive, mencionou Jessicão em uma das suas lives no Facebook. “Uma pessoa maravilhosa, conheci desde a pré-campanha. Uma pessoa sensacional”, disse o Bolsonaro.
A vontade de se candidatar a vereadora veio durante a pandemia. “Precisávamos de um representante para dizer não ao lockdown e não tinha ninguém. Por isso me candidatei”, conta Jessica. Para o mandato, ela garante que não criará ações para a comunidade LGBTI+, pois acha que o grupo se “vitimiza” e é “dominado por pessoas de esquerda”.
“Hoje não existe um grupo LGBTI+ que merece respeito. Eles querem ficar se vitimizando o tempo todo”, defende.
As propostas de Jessicão são ligadas à educação, ao movimento “pró-vida” e à economia liberal. “Quero entrar com a criação de uma CPI para investigar as clínicas de aborto, fazer a defesa da vida e da infância, combater a sexualização infantil. Entrar com o resgate do Escola Sem Partido, além de fazer o combate a ideologia de gênero nas escolas, fiscalizar o material de ensino”, afirma.
Fernando Holiday (Patriota)
Líder do Movimento Brasil Livre (MBL), militante antipetista e antidireita, Fernando Holiday (Patriota) cumprirá o segundo mandato na Câmara Municipal de São Paulo. Eleito com 67.715 votos, o vereador de 24 anos é gay e diz ser o primeiro a assumir a homossexualidade a na Câmara de São Paulo.
Esta, segundo ele, é uma das razões pelas quais os partidos de esquerda investiram em candidaturas LGBTI+ nas eleições de 2020. “Havia um incômodo [da esquerda] com o fato de eu ser o primeiro gay assumido na Câmara Municipal e não ter vindo do PSOL ou do PT. Isso incomodou a esquerda, fez com que investissem em mais candidaturas LGBTI+ e negras também”, defende.
Holiday diz acreditar que gays, lésbicas, transexuais, travestis, bissexuais e outras pessoas da sigla merecem respeito. No entanto, se posiciona contrário à “ideologia de gênero”. Para ele, questões sobre gênero e sexualidade não devem ser abordadas nas escolas, porque geram “consequências”.
“A minha discordância principal está na tentativa de assumir as teses de gênero como uma verdade aceita por toda a comunidade científica e ensiná-las na escola como uma verdade científica. O risco é você colocar para as próximas gerações, pode ter consequências drásticas na vida das pessoas. Existem alguns casos até famosos de pessoas que chegaram a fazer o processo de troca de gênero, depois se arrependeram e descobriram que não eram transexuais”, alega.
Em setembro deste ano, ele criticou, no Twitter, o uso de palavras com gênero neutro, usadas para se referir à pessoas não-binárias (que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino). Holiday afirmou que o uso de palavras com gênero neutro vai “contra a ciência”.
Diz defender a ciência, mas escreve “meninx”.
Não existe diferença entre acreditar em terra plana e ideologia de gênero, os dois estão indo contra a ciência.
Os terra planistas pelo menos não erram deliberadamente o português.
— Fernando Holiday (@FernandoHoliday) September 4, 2020
Questionado sobre os comentários, Fernando Holiday diz que não está sendo preconceituoso. Ele acredita que “todas as pessoas devem ter seus direitos respeitados”, mas que as “teses de gênero” podem confundir a cabeça das pessoas, especialmente crianças.
Sobre projetos para pessoas LGBTI+, ele diz que criará uma ação de prevenção ao suicídio. “Entendo que a comunidade LGBT sofre com alguns problemas que são mais específicos, como a homofobia, a propensão à depressão por conta de discriminação, inclusive discriminação familiar”.