Para cientistas, desmatamento da Amazônia pode triplicar com Bolsonaro
Inpe simulou o uso da terra em cenário de redução da fiscalização, com mineração autorizada em terras indígenas e a saída do acordo de Paris
atualizado
Compartilhar notícia
Cientistas, ambientalistas, ex-ministros do Meio Ambiente, além do atual gestor da pasta, vêm alertando há algumas semanas que, se o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) cumprir o que vem prometendo para a área ambiental, caso seja eleito, o desmatamento da Amazônia poderia disparar. Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – justamente o órgão que hoje monitora o desmatamento no bioma – acabou de fazer essa conta e estimou que a perda da floresta pode triplicar.
Trabalhando com uma modelagem matemática, eles simularam como pode se dar a movimentação pelo uso da terra na Floresta Amazônica em um cenário em que o Ministério do Meio Ambiente seja subordinado ao Ministério da Agricultura, que o trabalho de fiscalização do Ibama seja reduzido, que a mineração seja autorizada em terras indígenas, e que o Brasil saia do Acordo de Paris – situações que foram sinalizadas nos últimos meses por Bolsonaro e equipe.
A campanha do candidato foi contatada pela reportagem, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem. Essas ações, somadas à demanda internacional por commodities, poderiam fazer o desmatamento subir 268%, saltando dos atuais 6,9 mil km² (valores do ano passado) para 25,6 mil km² por ano já a partir de 2020, segundo os cálculos feitos pela matemática e cientista da computação Aline Soterroni e pelo engenheiro mecânico Fernando Ramos, ambos do Inpe, com pesquisadores da Áustria e dos Estados Unidos.
Esse valor é muito próximo das taxas observadas no início dos anos 2000, quando se chegou a um pico de 27,8 mil km² em 2004. Foi essa situação que motivou a adoção, por parte da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de uma série de ações combinadas para controlar a devastação da floresta. Em 8 anos, a taxa caiu 83%, chegando ao valor mais baixo em 2012 – 4,6 mil km². De lá para cá, o índice vem flutuando e cresceu um pouco, mas ainda abaixo dos 8 mil km².
Especialistas de várias áreas, inclusive do agronegócio mais moderno, consideram que várias fatores contribuíram para a enorme queda até 2012: criação de novas unidades de conservação e de terras indígenas, melhor aplicação da legislação ambiental existente, intervenções nas cadeias de fornecimento e restrições de crédito e multas e embargos de desmatadores ilegais. Além da variação do mercado internacional de commodities.
Alterações nessa complexa estrutura têm efeito imediato. Recentes quedas no orçamento do Ibama, por exemplo, nos anos de 2016 e 2017 levaram a um repique da taxa. A mudança do Código Florestal e movimentações no Congresso para redução de unidades de conservação também.
Para chegar à estimativa do que pode ocorrer num eventual cenário de baixa governança ambiental, os pesquisadores trabalharam com uma modelagem econômica já conceituada do Inpe que simula a competição por terra para atender à crescente demanda global por importantes commodities, como carne bovina e soja.
O modelo, publicado anteriormente em revistas científicas, se mostrou eficaz quando usado em retrospectiva, ou seja, quando se considerou variáveis passadas para validá-lo para as simulações futuras. Nesses ensaios, os números de desmatamento obtidos bateram com os oficiais registrados pelo monitoramento do Inpe. O modelo foi o usado pelo governo brasileiro para construir suas metas de conter o desmatamento ilegal até 2030 que foram submetidas junto ao Acordo de Paris.
Agora os pesquisadores avaliaram as movimentações que podem ocorrer no período de 2020 a 2030 e fizeram uma média anual. “É um modelo econômico de equilíbrio para o uso da terra. Ele simula numericamente a competição pelo uso da terra para produção de commodities agrícolas, entre eles soja e carne. É um modelo global, que responde à demandas”, explica Aline.
“No ‘cenário Bolsonaro’, simulamos o não cumprimento do Código Florestal, com a competição pelo uso da terra sendo regida pela demanda. O resultado é que, em uma década, o desmatamento médio para vai 25,6 mil km². Não é algo absurdo de se imaginar, pois já tivemos taxas parecidas em 2004, quando praticamente não havia políticas de combate ao desmatamento”, continua a pesquisadora. “O modelo indica numericamente um retrocesso.”
Especialistas do chamado “agronegócio moderno” têm ponderado que Bolsonaro é um legalista e que deve seguir o que prevê o Código Florestal, permitindo somente o desmatamento legal – no caso da Amazônia, 20% da área da propriedade rural.
Ramos argumenta que só a existência da lei não garante seu cumprimento. “Em 2004 o Código Florestal era até mais restritivo (ele foi alterado em 2012) e isso não evitou que o desmatamento passasse de 27 mil km². Não é questão de existir legislação, mas de ser cumprida. Se o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que cuida de unidades de conservação) perdem força, se acabar com os mecanismos de governança, como o governo brasileiro vai cumprir a lei?”
Outra ponderação que vem sendo feito por especialistas do agro é que o mercado externo vai reagir a produtos provenientes de áreas desmatadas, o que pode acabar inibindo uma degradação maior. Para os pesquisadores, porém, até essa reação ocorrer, a floresta já poderá ter sido fortemente afetada.
Aquecimento global
Os pesquisadores estimaram também o impacto que esse desmatamento poderia ter sobre as emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Sob as políticas propostas por Bolsonaro, de 2021 a 2030 as emissões acumuladas de por corte raso da Amazônia atingiriam 13,12 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e), ou uma média de 1,31 GtCO2e por ano, tornando praticamente impossível para o Brasil cumprir seus compromissos internacionais feitos no âmbito do Acordo de Paris.
O Brasil se comprometeu a chegar a uma emissão total de 1,2 Gt em 2030. Só o corte raso da Amazônia já superaria isso, fora as emissões da agropecuária e da energia. Essa liberação anual de carbono corresponde a 3% das atuais emissões globais, calculam os pesquisadores.