Candidatos, mas nem tanto: indefinição sobre registro confunde eleitor
Excesso de concorrentes sub judice e demora dos tribunais prejudica, em especial, disputas pelos Legislativos. Caso Lula é emblemático
atualizado
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Dia de eleições. O cidadão já selecionou seu candidato, se dirige à urna eletrônica e digita os números correspondentes ao escolhido. A foto aparece na tela, o usuário confirma e o voto é registrado. Tudo parece ter saído conforme o planejado. Porém, após a apuração, vem a surpresa: o postulante selecionado aparece zerado. Segundo a Justiça eleitoral, não recebeu nenhum voto.
A cena poderia parecer estranha, mas, na verdade, ocorre com certa frequência e tem um motivo principal: o imbróglio jurídico que envolve os registros de candidaturas no Brasil. O problema acontece especialmente em eleições proporcionais e municipais, devido ao alto número de postulantes a ser analisado. Mesmo com registros indeferidos pela Justiça eleitoral, recursos e indefinições jurídicas permitem que candidatos disputem as eleições e, em alguns casos, até saiam vencedores.
O resultado, no entanto, nem sempre é mantido. Só neste ano, foram realizadas no Brasil pelo menos nove eleições suplementares por causa de registros de candidatura que só tiveram decisões finais após os pleitos.
Foi o que ocorreu, por exemplo, em Tianguá (CE). Nas últimas eleições municipais, o candidato a prefeito Dr. Luiz (PSD) recebeu 20.932 votos válidos (49,87%) e foi o mais escolhido. Estava, porém, com o registro de candidatura indeferido e seus votos foram considerados nulos. Pesava contra ele uma condenação por abuso de poder nas eleições de 2008, o que o deixou inelegível por oito anos. Portanto, segundo a Lei da Ficha Limpa, Dr. Luiz não poderia concorrer no pleito de 2016.
Mesmo sem estar em situação regular, o candidato conseguiu se manter na disputa porque ainda cabiam recursos contra o indeferimento da candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte também negou o pedido, mas, três dias antes da posse o então presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, concedeu liminar validando os votos e permitindo a posse do postulante.
Dr. Luiz assumiu o Executivo municipal em 1º de janeiro de 2017 e permaneceu até o início de 2018. Só em março deste ano, o TSE proferiu decisão definitiva e reiterou o indeferimento da candidatura, determinando a saída imediata de Dr. Luiz do cargo e ensejando a realização de novas eleições. Assim como no caso de Tianguá, outras 144 cidades brasileiras elegeram prefeitos que estavam com o registro indeferido à época dos pleitos municipais de 2016.
Efeitos
Diferente da cassação do registro, o indeferimento da candidatura ocorre quando, à época da homologação e antes mesmo da campanha, o candidato já não possui os requisitos necessários para se inserir no pleito. É o caso, por exemplo, dos enquadrados na Lei da Ficha Limpa que, em tese, se tornam automaticamente inelegíveis. Mesmo com a regra clara, postulantes ainda podem recorrer à Justiça eleitoral contra a decisão. A determinação só é final após ser apreciada pelo TSE.
Para o doutor em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto, a consequência dessa demora na análise das candidaturas é “brutal” e a anulação da eleição de candidatos vencedores é o mesmo que “rasgar votos”. “Os efeitos disso sobre as condições de funcionamento da democracia e a rotina administrativa da cidade, além do impacto orçamentário de novas eleições, prejudicam demais a vida das pessoas”.
“Quando o cidadão vai votar e vê a cara do candidato na urna eletrônica, ele não sabe e nem precisa saber se o selecionado está sub judice. Isso é uma competência da Justiça, que precisa garantir ao eleitor que todos gravados na urna estão aptos a concorrer”, argumenta.
Eleições 2018
Assim como ocorreu em 2016, os imbróglios judiciais envolvendo registros de candidatura devem voltar a ser registrados no pleito deste ano. Um caso mais célebre, inclusive, já se desenha desde janeiro: o do ex-presidente Lula. Condenado em segunda instância pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, o petista está enquadrado na Lei da Ficha Limpa. No entanto, o Partido dos Trabalhadores (PT) insiste em colocá-lo como candidato ao Palácio do Planalto.
Ministros do TSE afirmam que a participação de Lula já pode ser indeferida de ofício, ou seja, de forma quase automática. A Corte também deve priorizar a análise de candidaturas presidenciais e para governo de estados, o que dificulta a eleição de alguém com o registro indeferido. No entanto, existe ainda a possibilidade de o ex-presidente permanecer candidato por meio de decisão liminar. Isso possibilitaria sua permanência na disputa até parte do período de campanha.
Para Leonardo Barreto, é esse o objetivo do PT. “Mesmo que a decisão do TSE saia antes das eleições, a candidatura sub judice embola bastante a campanha. É o caso que a gente teve aqui [no DF] do Roriz e do Arruda. A estratégia do Lula é exatamente a do Roriz. Conseguir chegar até a véspera da eleição, provavelmente com base em liminar, na condição de candidato para tentar transferir votos de sopetão para o seu sucessor”, explica.
Legislativo
Enquanto nas eleições para o Planalto e para o governo dos estados é improvável a escolha de candidatos com registros indeferidos, o mesmo não vale para o pleito legislativo. Como o número de candidaturas a deputados distritais, estaduais, federais e senadores é muito alto, é grande a possibilidade de que parte dos vencedores tenha o mandato cassado com o indeferimento do registro de candidatura após as votações.
Nas eleições proporcionais, esse é um problema ainda maior. Como esses pleitos também envolvem cálculo de coeficientes, você não substitui só o candidato que teve o registro indeferido. Os votos dele também saem da composição da coligação e, então, talvez outros eleitos pela coligação também percam o mandato. Desfigura bastante o Legislativo
Leonardo Barreto, cientista político
Segundo o especialista, a solução para esses problemas está no estabelecimento de um entendimento comum entre a Justiça eleitoral de todo o Brasil. “A Lei da Ficha Limpa estabelece uma regra clara. O que se tem é problema de jurisprudência. São tribunais que estão fazendo processos de interpretação heterodoxos. Há de ser feita uma pacificação da norma. Às vezes, você precisa de um caso emblemático para estabelecer uma regra. Talvez esse caso do Lula faça isso”, finaliza.
Calendário
A partir do próximo dia 20 de julho, partidos já podem realizar convenções para escolher os candidatos às eleições gerais deste ano. As candidaturas devem ser registradas até o dia 15 de agosto. A partir de então, a Justiça eleitoral terá até o dia 17 de setembro para julgar todos os pedidos. O prazo não inclui a análise de recursos, no entanto.
Quanto à situação eleitoral dos candidatos com registro sub judice, a Resolução nº 23.554/2017 traz as seguintes regras:
“Art. 214. Serão computados como válidos os votos atribuídos à chapa regular que, no dia da eleição, tenha candidato cujo pedido de registro ainda não tenha sido apreciado pela Justiça Eleitoral, inclusive se substituto de qualquer um dos integrantes.
Parágrafo único. A validade definitiva dos votos atribuídos ao titular da chapa com candidatos pendentes de julgamento está condicionada ao deferimento de seus registros.Art. 215. Nas eleições majoritárias, serão nulos:
I – os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados (Código Eleitoral, art. 175, § 3º; e Lei nº 9.504/1997, art. 16-A);
II – os votos dados a candidatos com o registro indeferido, ainda que o respectivo recurso esteja pendente de apreciação;
III – os votos dados a candidatos cujo Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) tenha sido indeferido, ainda que haja recurso pendente de apreciação;
IV – os votos dados a candidato cujo registro tenha sido deferido, porém posteriormente cassado por decisão em ação autônoma, independentemente do momento da publicação do acórdão que confirmar a sentença condenatória;
V – os votos dados a candidato deferido cuja chapa tenha sido indeferida, ainda que haja recurso pendente de apreciação.
Parágrafo único. A validade dos votos descritos nos incisos II e III ficará condicionada ao deferimento do registro (Lei nº 9.504/1997, art. 16-A, caput e parágrafo único).Art. 245. Nas eleições majoritárias, deve o tribunal eleitoral proclamar eleito o candidato que obtiver a maioria dos votos válidos, não computados os votos em branco e os votos nulos, devendo, no entanto, aguardar enquanto houver candidatos nas seguintes situações:
I – com registro indeferido e recurso pendente de julgamento no dia da eleição cuja votação nominal tenha sido a maior;
II – com registro indeferido e recurso pendente de julgamento no dia da eleição cuja soma das votações nominais tenha sido superior a 50% (cinquenta por cento) da votação válida.”