Brasileiros com mais de 60 superam jovens com até 24 nas eleições 2018
Mulheres são maioria entre eleitores mais velhos. Mesmo quem tem mais de 70 e não é obrigado a votar faz questão de participar deste pleito
atualizado
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A frase “lute como uma garota” ganhou destaque em camisetas nos protestos e debates políticos Brasil afora. Em Brasília, durante o ato de 28 de setembro, do movimento #EleNão, uma manifestante escolheu outra versão e trazia estampado no peito: “lute como uma mulher velha”. Ela não está sozinha nessa reivindicação.
Eleitores acima de 60 anos representam 18,6% dos brasileiros aptos a votar. São 27,3 milhões de votos, enquanto jovens de 16 a 24 anos somam cinco milhões a menos: 22,4 milhões ou 15,3% dos votantes. Dos maiores de 60 anos aptos a escolher candidatos, 55% são mulheres.
Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foram compilados pelo doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves. “Numa eleição muito disputada, como deve ser o pleito de 2018, o voto do eleitorado idoso pode decidir a eleição”, afirma o especialista e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/Ibge).
Segundo Alves, esse cenário é só o começo de uma mudança, pois a força eleitoral dos idosos crescerá ao longo do Século 21. “O eleitorado idoso se igualou com o eleitorado jovem (16 a 24 anos) em 2013. Fazendo uma projeção para as próximas décadas, estima-se que os idosos com 42 milhões de eleitores serão o dobro dos jovens com 21 milhões de eleitores, em 2030”, calcula.
Ele ressalta que a vantagem dessa parte da população continuará se ampliando ao longo do século. “Só as mulheres idosas da década de 2050 serão duas vezes mais do que todo o eleitorado jovem. Terão uma força extraordinária na medida em que o processo de envelhecimento populacional se aprofundar”, avalia.
A população idosa precisa se organizar e fazer valer sua força numérica, apresentando suas demandas na área de saúde, previdência, trabalho, moradia e lazer
José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo
O levantamento do especialista mostra que o poder do “voto grisalho”, como ele definiu, é crescente na maioria dos estados, mas fica mais evidente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na capital do país, o número de idosos votantes e de jovens até 24 anos se igualou em 2018. “Quase certo que nas próximas eleições (2020 e 2022) os idosos terão ultrapassado os jovens no DF”, prevê.
Em quem votam os idosos?
Pesquisa de opinião do Ibope sobre candidatos à presidência publicada em 3 de outubro apontou que Jair Bolsonaro (PSL) é o presidenciável com maior índice de rejeição (38%) entre pessoas com mais de 55 anos. Em seguida vem Fernando Haddad (PT) (35%).
Levantamentos do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp apontam que pessoas nessa faixa etária são mais conservadoras e tendem a se posicionar contra legalização do aborto e adoção de crianças por casais homossexuais. Por outro lado, valorizam mais a democracia por terem vivido a ditadura.
Com a filha de 2 anos no colo, a jovem Eliana Magalhães Graça foi às ruas lutar pela primeira eleição democrática do Brasil, em 1989. Em 28 de setembro de 2018, aos 69 anos, voltou à Esplanada dos Ministérios para se posicionar ideologicamente. Dessa vez, quem a guiava pela mão era a filha, Lia, hoje com 32 anos. Ela apoiou a mãe, que tem problemas de mobilidade, durante o ato contra Jair Bolsonaro.
Eliana explica por que, apesar das dificuldades e do cansaço, resolveu ir às ruas no domingo em que milhares de mulheres disseram #elenão. “Eu sou da geração da ditadura, de quem batalhou pela democracia. Quando vemos o regime democrático escorrendo pelos dedos a gente se anima a ir pra rua”, afirma.
Graça fez parte do movimento estudantil nos anos de 1970 e 1980. “Estamos batalhando quase pelas mesmas coisas, tantos anos depois. Vi colegas de faculdade serem retirados à força de sala de aula na ditadura. O compromisso com meu país é arraigado em mim, uma parte dessa luta sempre será minha”, afirma.
Hoje tenho menos condições físicas do que nos meus bons tempos de militante, mas achei que tinha que estar lá. Não podia ficar em casa, queria estar com as mulheres e foi emocionante
Eliana Magalhães Graça
Cidadania não tem idade
Estudo da Unicamp apontou que, em 2010 e 2014, em média, 70% das pessoas entrevistadas com 70 anos ou mais votaram nos dois turnos das eleições. Estela Marques do Nascimento (foto em destaque), 85 anos, não é mais obrigada a ir às urnas, mas não abre mão desse direito. “Sou antipetista e não deixo de votar por isso. Acho triste ficar votando contra um candidato e não a favor de alguém, mas esse é o cenário que vejo neste ano”, afirma.
Estela alega jamais ter visto uma eleição com “clima de guerra” como o pleito de 2018. “As pessoas discutem e não chegam a uma conclusão, está tudo muito embolado. Nunca tinha visto o povo tão combativo”, avalia.
Ela tem como principal fonte de informação os debates televisionados. Abandonou o WhatsApp como fonte de notícias, pois diz ter visto muitas mentiras circulando. Estela também baixou um aplicativo no celular para acompanhar propostas e informações sobre candidatos.
Edir Bertuol, 70 anos, é colega de Estela em aulas de informática. As duas participam de discussões sobre política entre os amigos, todos na mesma faixa etária e frequentadores do projeto Providência, para inclusão digital e social de idosos, na Asa Sul. “Não podemos deixar nossa vida nas mãos dos outros. A obrigação de votar acaba por lei, mas moralmente não”, afirma Edir.
Edir viu Jânio Quadros fazer campanha com uma vassourinha pendurada na lapela do terno entoando o jingle: “Varre, varre vassourinha, varre a corrupção”. No balanço feito por ela, o país está “à beira de uma crise de nervos” e “há um clima pesado no ar”.
Ontem até chorei. São muitos ataques e poucas propostas. A disputa pela presidência abafou as outras. Se o presidente não tiver bancada, como vai governar? A polarização desfocou tudo
Edir Bertuol
Demandas da população
O morador de Taguatinga José Ferreira Simões, 70 anos, se envolveu mais de perto com a disputa pelo governo do DF. Ele é presidente do Conselho Regional de Saúde de Taguatinga e promoveu rodas de conversa com candidatos. “Levamos a eles nossas demandas sobre mobilidade. Os idosos não conseguem ter liberdade para caminhar nas ruas com essas calçadas horrorosas. Também falamos sobre saúde”, relata.
José critica a falta de propostas dos candidatos, tanto locais quanto nacionais, para a população acima dos 60 anos. A reclamação não é infundada.
O termo idoso aparece somente uma vez no plano de governo de Jair Bolsonaro (PSL) e não vem acompanhado de nenhuma proposta. “Fraternidade é lutar por quem não pode se defender dos maus. Brigar para que os jovens tenham um futuro e os idosos não fiquem desamparados por um estado falido, uma educação aparelhada ideologicamente e uma saúde em frangalhos”, diz trecho do documento.
Fernando Haddad (PT) dedica um tópico de seu plano de governo aos maiores de 60 anos. A palavra idoso está escrita quatro vezes:
“Enfrentar com serenidade questões relacionadas ao envelhecimento da população exige atenção especial e planejamento do governo federal com relação aos serviços públicos visando o bem-estar e as demandas de saúde, previdência, cuidados e atenção à pessoa idosa. Serão desenvolvidas políticas específicas voltadas à proteção socioeconômica e ao envelhecimento ativo da população, especialmente em áreas de baixa renda. Entendendo que todos os serviços públicos devem ser preparados para o respeito à pessoa humana em todas as fases de sua vida, vamos implementar o Plano Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável.”
A palavra idoso não aparece no plano de governo do candidato Ciro Gomes (PDT), mas há planos para a reforma da previdência, um dos assuntos que afeta diretamente essa população:
“Implementação de um sistema previdenciário multipilar capitalizado, em que o primeiro pilar, financiado pelo Tesouro, seria dedicado às políticas assistenciais; o segundo, corresponderia a um regime previdenciário de repartição com parâmetros ajustados em relação à situação atual; e o terceiro pilar equivaleria a um regime de capitalização em contas individuais. Ademais, seria discutida a introdução de idades mínimas diferenciadas por atividade e gênero.”