Eleição na Argentina: o que está em jogo e como pode afetar o Brasil?
Os argentinos deverão escolher entre Sergio Massa e Javier Milei, em uma eleição pautada pelos problemas da economia do país hermano
atualizado
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Na reta final da eleição para presidente na Argentina, o clima é de tensão e incerteza no país vizinho. Os argentinos precisam decidir no domingo (19/11) se preferem o peronista Sergio Massa, atual ministro da Fazenda, ou o ultraliberal Javier Milei, que ocupa o cargo de deputado, em meio ao desgaste de uma inflação alta e aumento da pobreza.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles garantem que a grande pauta desse pleito no país hermano é a economia e como um líder poderá tirar a Argentina de seu ciclo de crises. Nessa semana, a taxa de inflação no país bateu 142,7%, a maior em 32 anos.
A decisão dos argentinos, como explica Flavia Loss, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR), é entre um modelo político conhecido, representado por Massa, ou a ruptura dos moldes tradicionais, com a proposta de Milei.
“São as eleições mais polarizadas e difíceis da Argentina desde a redemocratização. Está em jogo o modelo de país. A população segue insatisfeita e agora vai decidir entre as propostas. A sugestão de Massa já não tem dado certo, mas ainda é um caminho seguro do que conhecemos como política, com valorização da democracia, das políticas públicas e tentativas de parcerias internacionais”, explicou.
Já o projeto de Milei, segundo Loss, é “radical e inédito, mas não sabemos se ele conseguirá implementar”.
Dentre as promessas de campanha do candidato desafiante estão “dinamitar”, ou seja, fechar o Banco Central, deixar o Mercosul e cortar laços com países tidos por ele como “comunistas”, o que incluiria Brasil e China.
Economia e relações exteriores
A eventual dificuldade de implementar um modelo econômico radical, como o articulado por Milei, não é apenas pela estrutura do Congresso — em caso de vitória do ultraliberal, ele não terá maioria entre os parlamentares — mas também pela quebra das relações com países centrais para a economia argentina.
“Esta pauta parece ser de difícil execução, não só pela extensa integração de ambas as economias, mas também pelo próprio interesse do empresariado argentino. Assim como ocorreu durante o governo Bolsonaro no Brasil, as relações políticas com a China deram uma estremecida, porém as relações econômicas se mantiveram”, analisou Rafaela Mello Rodrigues de Sá, mestre em Relações Internacionais e professora substituta na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Outro prejuízo em cortar as trativas com a China seria minar a possível ajuda para quitar a dívida externa da Argentina. “As iniciativas chinesas no financiamento de projetos de desenvolvimento buscam evitar condicionalidades, diferentemente das ações do Fundo Monetário Internacional (FMI)”, apontou Sá.
A solução proposta por Milei para a inflação seria a dolarização, ou seja, parar de usar o peso como moeda oficial e adotar o dólar norte-americano, conforme explicou Loss.
Em contrapartida, Massa expôs propostas “mais gerais”, como mais investimento público e reforço das relações com o Brasil, para controlar o índice inflacionário.
Confira as principais propostas dos candidatos:
Relacionamento da Argentina com o Brasil
Apesar dos argentinos estarem voltados para questões internas nos dias antes da eleição, a relação do país com o Brasil entrou em pauta no último debate entre os candidatos.
Massa, em referência às críticas de Milei sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que a política externa não poderia ser “regida por caprichos” e alertou para impactos de até “2 milhões de empregos a menos”, com boicotes ao Brasil, China e Mercosul.
O ultraliberal questionou “qual é o problema se eu falo ou deixo de falar com Lula?” e citou o governo de Jair Bolsonaro (PL), “onde [o presidente] Alberto Fernández também não falava” com o presidente brasileiro.
Milei já descreveu Lula como “corrupto e comunista” e indicou que se recusaria a encontrar o petista. Por outro lado, o candidato já declarou admiração por Bolsonaro e, em troca, o político do PL fez postagens de apoio ao candidato e confirmou ida à posse caso Milei ganhe as eleições.
“Se o Massa vencer, já sabemos como é o padrão da política externa argentina. É de bom relacionamento com os vizinhos e valorização do Mercosul”, afirmou Loss. Já Milei “não demonstra boa relação com o presidente Lula e isso pode afetar o relacionamento com a Argentina, que é um país importante para o Brasil, sim”.
Em caso de eleição de Milei, Sá ainda aponta “adversidades nos interesses de coordenação das políticas entre Brasil e Argentina”, podendo resultar até em uma recusa no convite de participar dos Brics, fruto de “esforços construídos em diversos setores da política externa argentina”.
Expectativas
“O presidenciável que souber capitalizar melhor a insatisfação dos argentinos terá uma leve vantagem”, avaliou Nicholas Borges, analista político na BMJ Consultores Associados.
“Se, por um lado, Massa tenta apostar em um discurso que o Estado ainda é necessário para garantir serviços universais, Milei advoga pela redução significativa do Estado e esse discurso tem chamado a atenção, principalmente da população mais jovem”, disse Borges.
Loss apontou para o fator surpresa nesse pleito desde as primárias, onde Milei venceu, e no primeiro turno, quando Massa obteve mais votos, mas com uma margem pequena de vitória — o placar ficou 36,68% para o peronista contra 29,98% do ultraliberal. “Está tudo muito incerto”, afirmou a professora.
A última pesquisa do Atlas Intel, único instituto a dar Massa como vitorioso no primeiro turno, coloca Milei na frente. A diferença é apertada: 52,1% do deputado contra 47,9% do ministro. A margem de erro é de 1 ponto percentual para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%.
Já o levantamento do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (Celag) mostra o peronista à frente do ultraliberal, com uma distância de pontos pequena de 50,8% contra 49,2%, respectivamente. Nesse caso, como a margem de erro varia entre 0,9% e 2,2%, os dois candidatos estariam tecnicamente empatados.
São pesquisas das últimas semanas, pois elas são proibidas na reta final da eleição no país vizinho.
A única certeza é de que essas eleições presidenciais devem ser uma das mais acirradas da história da Argentina.