Volta às aulas: não se pode comparar o Brasil com países do G20, diz assessor da Unesco
Célio Cunha, referência em gestão educacional, quer comitê para discutir retomada e defende a vacinação prioritária de professores
atualizado
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Ver salas de aulas cheias e universidades funcionando plenamente irá exigir um esforço conjunto para que o retorno presencial não acarrete riscos de disseminação da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
Na semana em que o governo federal promete editar uma medida provisória para regular o retorno das aulas presenciais, Célio Cunha, fundador do movimento Todos pela Educação e assessor especial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, pede cautela.
“Em termos de volta às aulas, é preciso considerar que os contextos são diferentes”, alerta, ao ser questionado sobre declaração do ministro da Educação, Milton Ribeiro, sobre a reabertura em “90% dos países do G20”. E defende: autoridades de saúde e da educação precisam atuar em conjunto.
Um relatório inédito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em parceria com a Todos Pela Educação, divulgado no mês passado, mostrou que o setor educacional brasileiro é desigual e privilegia os alunos mais ricos.
Desde março de 2020, a quase totalidade das escolas, creches e universidades estão com atividades presenciais suspensas. Segundo a OCDE, o Brasil é um dos países que mais tempo ficou sem aulas.
Com a interrupção imposta pela pandemia, Célio acredita que a discrepância irá aumentar. “Os prejuízos para o ensino são evidentes. Não somente em termos de aprendizagem, mas também no que tange à importância da convivência, do aprender a viver juntos”, pondera.
Em entrevista ao Metrópoles, o docente, que é referência em gestão educacional, defende a vacinação prioritária dos professores e pede atenção especial para áreas de vulnerabilidade social e a criação de um comitê integrado com o objetivo de discutir a retomada das aulas presenciais. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
O senhor acredita que o momento é adequado para se retomar as aulas presenciais?
A preservação da vida deverá ser o norte para o retorno às aulas.
Não é necessário vacinar todos os profissionais da educação para retomar o ano letivo?
É importante assegurar todas as condições possíveis, sobretudo a imunização de professores, professoras e funcionários das escolas. Mesmo com essa condição atendida, sobressai a necessidade de monitoramento diário, em articulação com a Secretaria de Saúde.
Na avaliação do senhor, o que é necessário, em termos de políticas públicas, para o regresso presencial dos estudantes?
Saliento a importância da constituição de um comitê integrado por especialistas da Educação, da Saúde e da área econômica do governo com o objetivo de formular a política de retorno às escolas e acompanhar o processo de implementação.
O ministro Milton Ribeiro declarou que “90% dos países do G20 já voltaram” ao ano letivo regular. É adequado comparar a situação brasileira com a desses países?
Em termos de volta às aulas, é preciso considerar que os contextos são diferentes. Não se pode comparar os países europeus com os países da América do Sul, notadamente o Brasil, onde as desigualdades, que já eram acentuadas, tornaram-se ainda mais preocupantes.
Até mesmo as escolas têm diferenças…
É importante considerar a diferença de condições entre as escolas, com atenção especial às que se localizam em áreas de vulnerabilidade social. Simultaneamente, o poder público deverá ter um programa para a melhoria da infraestrutura das escolas, de forma a dotá-las gradativamente de infraestrutura mínima para o ensino remoto e híbrido.
Houve prejuízo na educação dos estudantes durante o período em que as aulas presenciais ficaram suspensas?
Os prejuízos para o ensino são evidentes. Não somente em termos de aprendizagem, como ainda no que tange a importância da convivência, do aprender a viver juntos como priorizou o Relatório da Unesco coordenado por Jacques Delors. Só por intermédio de uma política de Estado bem formulada, sem interrupções e com aportes financeiros compatíveis com a dimensão do problema, será possível recuperar o que a pandemia subtraiu e continua subtraindo.