Volta às aulas e acesso à internet não são temas do MEC, diz ministro
Milton Ribeiro reconhece que a desigualdade se acentua, mas ressalta que escola é de responsabilidade de Estados e municípios
atualizado
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O ministro da Educação, Milton Ribeiro, reconhece que a pandemia do novo coronavírus acentuou a desigualdade educacional no país, mas disse que este “não é um problema do MEC, mas um problema do Brasil.”
Em entrevista ao Estadão, afirmou que não é ele quem precisa resolver a falta de acesso à internet de alunos que não conseguem acompanhar aulas online e se exime da responsabilidade sobre a reabertura de escolas. Segundo ele, o papel da pasta será repassar recursos e divulgar um protocolo de segurança.
À frente do MEC há dois meses, o pastor prebisteriano, que segue conduzindo cultos em Santos a cada 15 dias, disse que recebeu do presidente Jair Bolsonaro o desafio para melhorar ensino infantil e básico e promete mudanças em relação à educação sexual.
Segundo ele, muitas vezes a disciplina é usada para incentivar discussões de gênero. “E não é normal. A opção que você tem como adulto de ser um homossexual, eu respeito, não concordo”, afirmou o ministro, que atribui a homossexualidade de jovens a “famílias desajustadas”.
Escolhido para substituir o polêmico Abraham Weintraub, Ribeiro disse ter um estilo diferente e admite ter sido cobrado pelo presidente por ter recebido a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), opositora ao governo, em seu gabinete. “Eu os receberei sempre. Não tem problema.”
Como o MEC vai atuar para garantir a volta às aulas no país?
Remanejamos valores para pagamentos de professores e estagiários. São R$ 525 milhões que vamos mandar direto para as escolas públicas. O diretor e sua equipe que vão manejar para comprar insumos, pequenos reparos, tudo para proporcionar que o aluno volte com segurança, incluindo máscaras. Vamos mandar para todas.
Estados e municípios reclamam que se sentiram abandonados e sem orientação sobre a condução da educação na pandemia…
A lei é clara. Quem tem jurisdição sobre escolas é estado e município. Não temos esse tipo de interferência. Se eu começo a falar demais, dizem que estou querendo interferir; se eu fico calado, dizem que se sentem abandonados. Agora, nesta semana, vou soltar um protocolo de biossegurança para a escola básica, como já foi feito com universidades.
Não cabe ao MEC se posicionar sobre a volta às aulas?
Não temos o poder de determinar. Por mim, voltava na semana passada, uma vez que já superamos alguns itens, saímos da crista da onda e temos de voltar. Mas essa volta deverá ser de acordo com os critérios de biossegurança.
A pandemia acentuou a desigualdade educacional com alunos que não têm acesso a internet…
(O ministro interrompe a pergunta) Esse problema só foi evidenciado pela pandemia, não foi causado pela pandemia. Mas hoje, se você entrar numa escola, mesmo na pública, é um número muito pequeno que não tem o seu celular. É o estado e o município que têm de cuidar disso aí. Nós não temos recurso para atender. Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil. Não tem como, vai fazer o quê? É a iniciativa de cada um, de cada escola. Não foi um problema criado por nós. A sociedade brasileira é desigual e não é agora que a gente, por meio do MEC, vai conseguir deixar todos iguais.
O papel do MEC é trabalhar para diminuir essas desigualdades…
O MEC, em termos, né? Essa é uma responsabilidade de estados e municípios, que poderiam verificar e ter as iniciativas para tentar minimizar esse tipo de problema. Alguns já fizeram. Algumas universidades federais deram até tablet.
Há famílias com apenas um celular em casa com acesso à internet e quando os pais saem para trabalhar os filhos ficam sem assistir aula.
Esses são problemas sociais, que eu não tenho como responder. Vão afetar a escola, mas isso aí já é para um outro departamento, de assistência. Não tenho como resolver isso.
É contra o foco no ensino superior dado nos últimos anos?
Muitas vezes o sonho brasileiro é ter um diploma, o pessoal mais simples, mais pobre. Não sou contra isso. As pessoas devem ter uma ambição sadia de ter um curso superior, o primeiro formado na família, tudo isso acompanho e sei que tem o seu valor, mas em termos de política nacional é equivocado. Não adianta ter o diploma e não ter a expertise, o conhecimento. Vemos figuras que têm o curso, mas são incapazes, haja vista o número de reprovação na OAB.
Quais os planos para melhorar os resultados da educação básica?
Quero dar o foco sobre a vida dos professores. Hoje, ser um professor é ter quase que uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa. Está na hora de parar de ter como protagonista somente o aluno, a infraestrutura, a comida, o assistencialismo, e a gente olhar com carinho maior para os professores.
Isso seria com uma valorização financeira?
Se tiver uma valorização financeira, o professor terá tempo de se preparar. A Capes e o MEC estão treinando professores com cursos online.
Já deu uma diretriz para revisão da Base Nacional Comum Curricular?
Esse é um ponto que precisamos atacar de maneira urgente. O prazo é 2023, mas não é feito da noite para o dia. Na educação básica, o Enem tem sido um balizador dos conteúdos que a gente requer, porque senão começa a falar lá de ideologia, sabe tudo sobre sexo, como colocar uma camisinha, tirar uma camisinha, sabe tudo. Fica gastando tempo com assuntos que são laterais. As crianças têm de aprender outras coisas.
Mas a educação sexual não deve ser tratada dentro da aula, inclusive para proteger a criança de abusos sexuais?
Nesse particular, sim. Existem temas que podem ser tocados para evitar que uma criança seja molestada. Mas não o outro lado que é uma erotização das crianças. Tem vídeo que corre na internet das meninas aprendendo a colocar uma camisinha com a boca.
Isso é um vídeo dentro de uma escola pública?
É dentro de uma escola (na verdade, o vídeo citado pelo ministro foi gravado em uma universidade no interior da Bahia). Está no YouTube, é só procurar. E a professora mostrando como é. Dizem que é para proteger gravidez indesejada, mas a verdade é que falar para adolescente que estão com os hormônios num top sobre isso é a mesma coisa que um incentivo. É importante falar sobre como prevenir uma gravidez, mas não incentivar discussões de gênero. Quando o menino tiver 17, 18 anos, ele vai ter condição de optar. E não é normal. A biologia diz que não é normal a questão de gênero. A opção que você tem como adulto de ser um homossexual, eu respeito, não concordo.
A escola é um ambiente com prática de bullying, o que leva, por exemplo, a depressão e outros casos mais graves. Não é importante fazer essa discussão dentro da escola?
Por esse viés, é claro que é importante mostrar que há tolerância, mas normalizar isso, e achar que está tudo certo, é uma questão de opinião. Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípios.
Esse posicionamento do sr. não é um choque com o seu compromisso de posse de respeitar a laicidade do Estado na sua gestão?
Não. Tem muita gente que não é evangélico que também não aceita isso. É uma pauta da sociedade mais conservadora. Se eu estabelecesse, por exemplo, uma regra “não vai dar uma aula se o cara é homossexual”… Temos estados aí que têm professores transgêneros, isso não tem nada a ver comigo. Não terei influência.
O senhor é contra um professor transgênero na sala de aula?
Se ele não fizer uma propaganda aberta com relação a isso e incentivar meninos e meninas para andarem por esse caminho…. Tenho certas reservas.
A gestão do seu antecessor, Abraham Weintraub, foi marcada por questões ideológicas. Qual seu posicionamento sobre o educador Paulo Freire?
Tive a pachorra de ler o texto mais famoso dele, que é a Pedagogia do Oprimido. Eu desafio um professor ou um acadêmico que venha me explicar onde ele quer chegar com as metáforas, com os valores. Ele transplanta valores do marxismo e tenta incluir dentro do ensino e da pedagogia.
O sr. pretende fazer mudanças no material didático? É preciso fazer alguma revisão na forma como fatos históricos são retratados, como período da ditadura militar?
É uma grande injustiça julgar uma pessoa fora do seu tempo. Em 64, sabemos hoje, o resultado de toda aquela guerra era para transformar países como Venezuela, Cuba e a própria Rússia, que depois se desmembrou. A história mostrou que eles estavam equivocados. O fato do movimento militar, na época, ter impedido que o Brasil se tornasse uma Cuba eu acho perfeito. Julgar pessoas fora do tempo, derrubar estátuas, isso é uma agressão. Uma coisa é eventualmente não concordar com o que era feito, com palmatória. Hoje, ninguém faria isso, mas falar que está tudo errado no passado? Peraí, devagar.
Então é válida a revisão nos materiais didáticos?
Acho que vale sim, já pedi para fazer.
O sr. falou em valorizar professores. Como fazer isso com o problema do Orçamento?
O orçamento do MEC é um dos maiores da Esplanada. Queremos focar na educação básica. O cobertor é curto, não estamos vivendo tempos normais, o governo não fabrica dinheiro, ele pega dinheiro dos impostos. Não entrou dinheiro, não tem impostos. Não podemos julgar o governo na área de Educação se não teve entrada do dinheiro e tem de dividir. Não culpo o governo, nem o Ministério da Economia.
O governo foi criticado por não participar das discussões do novo Fundeb. Agora é preciso fazer a regulamentação e parlamentares reclamam que, de novo, não há uma discussão com o MEC.
Negativo. Eu montei um grupo de regulamentação, minha equipe que prepara e fala comigo. Designei os membros e aduzi na regulamentação que não tinha no outro. Quero retorno, maior fiscalização. Participo ativamente.
Mas o senhor está conversando com parlamentares?
Com parlamentar não. Na hora oportuna. Eu (só) chamei a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), que foi a relatora (da Proposta de Emenda à Constituição do Fundeb).
O senhor recebeu os deputados Tabata Amaral e Felipe Rigoni (PSB-ES)…
Não. Eu recebi a Comissão Externa da Câmara (que os dois integram e acompanha o trabalho do MEC). É diferente. Eu os receberei sempre. Não tem problema.
O MEC tinha uma imagem de não ter diálogo…
Mudou. Quero ouvir a todos. Há pouco eu recebi a deputada Margarida Salomão (PT-MG), que é do PT, e conversamos quase uma hora. Acho que eles têm legitimidade e foram eleitos por parte da população. Eu tendo agenda, vou receber.
O presidente o repreendeu por receber os deputados e pediu para não recebê-los?
Ele queria entender porque a Tabata publicou uma foto. Respeito. É uma parlamentar e quer mostrar que está trabalhando, mas não a recebi. Eu falei ao presidente que recebi a comissão. É diferente isso. Eu não posso dizer não para eles, que são deputados legitimamente eleitos. O presidente não gosta, porque são muito críticos, para mim, de uma maneira totalmente desequilibrada, mas eu vou ouvi-los. A mídia conservadora estranhou o fato de tê-los recebido, mas eu não vou mudar. Respeito o antigo ministro (Weintraub), até pela maneira de fazer gestão, mas eu sou eu.