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“Situação é muito dramática”, diz nova reitora da UFRJ

Professora teme que o contingenciamento imposto pelo Ministério da Educação paralise a universidade já nas próximas semanas

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1 de 1 Denise-Pires-de-Carvalho-UFRJ1 - Foto: Divulgação/UFRJ

Prestes a completar 99 anos, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), primeira universidade criada no Brasil, será comandada pela primeira vez por uma mulher: em 2 de julho, a professora e médica Denise Pires de Carvalho, de 54 anos, tomará posse como reitora, substituindo Roberto Leher, a quem fez oposição.

Formada em medicina pela UFRJ em 1987, Denise é professora titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e já ocupou diversos cargos na universidade.

Nesta semana, ela concedeu entrevista ao Estado, na qual anunciou o temor de que o contingenciamento imposto pelo Ministério da Educação (MEC) paralise a universidade já nas próximas semanas. “A situação é muito dramática”, afirmou. “O contingenciamento inviabiliza o funcionamento da universidade.”

Qual a situação da UFRJ diante da possibilidade de contingenciamento de verbas?
Na UFRJ, a situação é muito dramática porque o contingenciamento é de R$ 114 milhões. Passa de 40% sobre a verba usada para pagar empresas terceirizadas, responsáveis por limpeza, segurança, transporte e também para o pagamento das contas de água e luz. A UFRJ tem orçamento de R$ 360 milhões, e já tem um déficit de R$ 170 milhões. Com mais esse corte de R$ 114 milhões, quanto vai nos restar? Nada. Isso significa que, para a UFRJ, isso inviabiliza o funcionamento da universidade.

Essa verba é fundamental para o pagamento de luz, água e das empresas terceirizadas, que vão parar se não receberem. São mais de 60 mil alunos, 1.200 laboratórios, a situação é dramática. Por que existe esse déficit de R$ 170 milhões?
As empresas que prestam serviços, inclusive alimentar, podem ficar até três meses sem receber, segundo os contratos que firmam. O que a UFRJ tem feito é ficar dois meses sem pagar e, depois, pagar o total ao final do terceiro mês. Também não paga a água há muito tempo, e a conta de luz está atrasada. Por isso a universidade tem esse acúmulo e está rolando dívidas. As empresas de água e luz podem cortar, mas, em geral, há uma negociação para que isso não aconteça. A gente paga uma parte, fica devendo outra, e assim vai. Com esse corte pelo MEC, não conseguiríamos mais fazer a rolagem.

Quais os planos para a reconstrução do Museu Nacional?
O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, tem trabalhado muito pela reconstrução do museu e tem conseguido verbas da Unesco, da Alemanha. Então, já tem alguma verba internacional, mas claro que não é suficiente. Para a reconstrução precisamos de R$ 400 milhões. A bancada federal [de deputados] do Rio de Janeiro conseguiu em 2018 R$ 55 milhões em emendas para serem liberadas a partir deste ano, mas houve contingenciamento e o valor caiu para pouco mais de R$ 43 milhões.

Mas o diretor do museu tem alertado para dificuldades imediatas e risco de paralisação do resgate das peças nos escombros.
Isso diz respeito justamente ao bloqueio orçamentário feito pelo MEC. No dia 2 de maio, o bloqueio foi de R$ 114 milhões. Como a gente não tem orçamento, é difícil destinar algo para o resgate feito pelo museu, então há risco mesmo.

Como a senhora se sente prestes a administrar tantos problemas?
A gente está festejando, porque é um momento histórico para a universidade e para o país, mas, ao mesmo tempo, estou muito apreensiva. Nesse início de gestão, a gente vai priorizar projetos que não dependem de mais dinheiro. O que depende de gastos não vai dar pra fazer agora. Vamos fazer nossa parte.

A grama não vai ser cortada, vamos ter mato mais alto no campus, os banheiros serão menos limpos, haverá menos seguranças contratados. Isso não é bom para a universidade, mas vamos fazer para que a universidade não pare, vamos gerenciar a falta de recursos.
Mesmo assim, se o contingenciamento permanecer, nosso dever de casa não será suficiente para manter a universidade aberta.

Qual o projeto da UFRJ para o Canecão?
A UFRJ não podia ter deixado a situação do Canecão chegar a esse ponto. O BNDES contratou um consórcio que está fazendo um estudo para uso de terrenos e áreas da UFRJ na Praia Vermelha, no Fundão e na Praça da República. A ideia é conceder para que a iniciativa privada construa prédios e use, através de concessão, por 50 anos. O consórcio deve entregar o projeto no segundo semestre, para que a UFRJ licite. A prefeitura está participando e a gente espera ter a ajuda do governador.

Quais os planos da senhora quanto à graduação?
As diversas áreas da universidade não devem fazer uma disputa entre si. Não dá para ter uma pós-graduação forte se não houver uma graduação forte. Na graduação, nós temos altíssimas taxas de evasão [abandono do curso] e retenção [alunos que permanecem ligados à faculdade por poucas disciplinas, sem conseguir concluí-las, mas se mantendo matriculados], o que é comum em todas as instituições de ensino superior. Reduzir essas taxas traria um impacto social importante. Temos algumas linhas de atuação iniciais, como a implantação de núcleos de apoio psicopedagógicos, a identificação dos estudantes que pretendem mudar de curso e como fazer essa mudança de forma menos burocrática.

O ensino à distância tem sido alvo de críticas. Como a senhora se posiciona em relação a isso?
O que é ruim é a gente achar que o ensino à distância é de baixa qualidade. Ele pode ser de ótima qualidade, depende da instituição que está ministrando o curso. Na UFF, na UFRJ os cursos são de excelência. Algumas disciplinas podem, talvez, ser usadas pelos cursos presenciais de forma pontual, para que os estudantes concluam seus cursos.

Que outros problemas a UFRJ enfrenta hoje?
A UFRJ foi a instituição que implantou a internet no Brasil. Ali se desenvolveram os primeiros sistemas de gerenciamento acadêmico. Hoje somos a Federal menos informatizada do país.

Por que a senhora avalia que demorou quase 100 anos para a UFRJ ter uma mulher como reitora?
É um reflexo da sociedade machista. Existem apenas 19 reitoras entre as 69 universidades federais brasileiras. A produção científica nacional já é majoritariamente de mulheres, mas a Academia Brasileira de Ciências, por exemplo, ainda é dominada por homens.

Como a senhora avalia a gestão do atual ministro da Educação?
Ele está há muito pouco tempo no cargo. Meu diagnóstico é que ele ainda não começou o diálogo com os atores da educação. Ele tem que dialogar com os reitores, com o ensino básico.

Colocar a educação básica contra o ensino superior não é uma postura boa, porque a educação brasileira precisa de atenção em todos os níveis, e a universidade é fundamental para melhorar o ensino básico. Não adianta tirar o dinheiro do ensino superior para colocar no básico porque é no ensino superior que se formam os professores que darão aulas no básico. O ministro tem que encontrar o caminho do diálogo, que ainda não está acontecendo.

Como a senhora avalia as críticas do governo federal às disciplinas de filosofia e sociologia?
É uma postura equivocada porque a formação humanística é fundamental para todas as profissões. O melhor engenheiro é aquele que também tem formação humanística, que entende melhor a sociedade. É óbvio que ele será um melhor engenheiro. Focar nessas áreas mais tecnológicas não garante o avanço da sociedade como um todo, porque os profissionais vão se formar com uma lacuna. Quando uma área da universidade é desprezada, toda a universidade empobrece.

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