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Programa inédito da Unesp aceita doações até por cartão de crédito

Universidade passou recentemente por sua pior crise financeira, com décimo terceiro atrasado e todo orçamento comprometido com salários

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1 de 1 unesp-ibilcee - Foto: (Ibilce/Divulgação)

Um programa inédito da Universidade Estadual Paulista (Unesp) vai incentivar doações até por cartão de crédito. Por meio de uma plataforma na internet que entrou no ar nesta quinta-feira (29/08/2019), o interessado já assina digitalmente um contrato e faz o pagamento da maneira que escolher. A universidade passou recentemente por sua pior crise financeira, com décimo terceiro atrasado e todo orçamento comprometido com salários.

Anteriormente, quem quisesse fazer uma doação para a Unesp não sabia sequer quem procurar. O mesmo acontece em outras universidades públicas. “Era muita burocracia. Uma pessoa quis doar para Educação Física e esse pedido chegou até o Conselho Universitário, órgão máximo da instituição. Isso tem de acabar”, conta o reitor da Unesp, Sandro Valentini. Com o novo programa, o doador pode dar qualquer valor à instituição e decidir se vai ou não destinar o recurso a uma unidade específica.

A universidade já tem uma plataforma que reúne seus ex-alunos, com 20 mil cadastrados. A Unesp vai ter um departamento para fazer uma busca ativa de possíveis doadores tanto nesse grupo como fora dele. A estimativa é que a universidade, fundada em 1976, tenha 160 mil egressos, entre eles a apresentadora Ana Maria Braga e Antonio Carlos Tadiotti, dono da empresa Predilecta.

Exemplo
O empresário Alexandre Leite Lopes decidiu fazer sua doação quando levou a filha, que havia sido aprovada no vestibular da Unesp deste ano, para conhecer o câmpus. “Vi as faixas dizendo que estavam com o décimo terceiro salário atrasado”, conta. Sem saber como proceder, ele mandou uma carta para o diretor do curso, falando da intenção de doar.

Nesta quinta ele participou do evento em São Paulo que lançou o programa Parceiro Unesp e foi o primeiro doador a usar a plataforma. “Poderia pagar a universidade da minha filha e ela está em uma instituição pública. Por que não ajudar como fazem nos Estados Unidos?” Lopes não quis divulgar o valor da doação nem o curso ou nome da filha para evitar qualquer relação da menina com os recursos. “É algo para a universidade.” Ele é formado em Engenharia e estudou em faculdade privada.

Segundo o reitor, já é possível fazer a doação em depósito bancário. Boletos e cartões serão permitidos nos próximos meses. Assim que o dinheiro cair na conta criada para o Parceiro Unesp será imediatamente transferido para onde foi dirigido e o gestor pode usá-lo para qualquer atividade, como comprar computadores ou pintar uma sala de aula.

“O nosso modelo de financiamento depende da atividade econômica”, diz o reitor. Unesp, Universidade de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) se mantêm com 9,57% do que é arrecadado pelo ICMS do estado. A diminuição desse valor nos últimos anos e o inchaço na folha de pagamento levaram recentemente a graves problemas financeiros nas instituições, que são responsáveis juntas por um terço da produção científica do País.

Além das doações simples, o programa vai permitir parcerias com empresas, com contrapartida da universidade. Será possível desde a colocação de um placa numa sala reformada pela doadora até a utilização de espaços das instituições para eventos. A empresa que pretende doar para a Unesp também pode solicitar, por exemplo, o uso de um laboratório para pesquisas específicas. Nesse caso, a universidade terá de abrir uma licitação para checar se há outros interessados.

A participação da iniciativa privada é tema polêmico nas universidades públicas e há grupos contrários, tanto por temer uma “privatização” da instituição, como por acreditar que os recursos públicos podem ser diminuídos com ações desse tipo. Mas o programa teve pouca resistência e foi aprovado no órgão máximo da Unesp, o Conselho Universitário.

“Endowment”
A Unesp ainda aprovou ontem um projeto de “endowment”, um fundo perpétuo para a instituição em que apenas os rendimentos auferidos revertem para projetos. Outras tentativas de fundos semelhantes – comuns em universidades estrangeiras – não tiveram êxito no país. Um dos poucos a dar certo é o gerido por ex-alunos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

A proposta de um fundo de patrimônio também faz parte do Future-se, programa lançado pelo Ministério da Educação (MEC) para as universidades federais. Ainda sem detalhes de como ele funcionaria, o ministro disse essa semana que pode instituir o Future-se por medida provisória. A Universidade Federal do Rio (UFRJ) já anunciou que não vai aderir ao programa e divulgou nota dizendo que “não há clareza sobre a composição do patrimônio que serviria de aporte inicial” do fundo patrimonial e “não se discute o tempo de maturação de um fundo deste tipo” e como as universidades seriam mantidas durante esse tempo de transição.

Segundo o reitor da Unesp, o programa da universidade não tem qualquer relação com o do MEC e começou a ser pensado há dois anos.

CPI das universidades
Com o argumento da crise financeira, deputados instauraram em abril uma CPI na Assembleia Legislativa para investigar USP, Unesp e Unicamp. Eles têm exigido comprovações de todos os contratos feitos e cultivam ideias como a de cobrar mensalidades nas três instituições.

Estudos mostram que os valores eventuais mensalidades não chegariam a 8% do orçamento. No Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, as mensalidades cobrem só 10% do custo da instituição, por exemplo.

Alguns deputados também usaram argumentos ideológicos para investigar as universidades, alegando que as elas estariam tomadas por pessoas de esquerda. A ideia foi compartilha no início do ano pelo atual ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Para o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, a acusação demonstra “total falta de conhecimento” do que é uma universidade pública. “Temos pessoas de esquerda e de direita convivendo com relativa tranquilidade, somos um espaço para debate de ideias e respeito pelas ideias do outro”, disse na época da abertura da CPI.

Os trabalhos ainda não foram finalizados, mas a comissão surgiu logo após o primeiro ano de recuperação da capacidade financeira das universidades. A USP, por exemplo, teve superávit em 2018, pela primeira vez em quatro anos, após medidas de redução de gastos, como planos de demissão voluntária e diminuição de concursos. A Unesp também já melhorou a sua situação e negociou com o governo formas de pagar o décimo terceiro deste ano.

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