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“Nem Temer teve coragem de mexer”, rebate Haddad a críticas ao Prouni

Elogiada por incluir estudantes carentes, uma das principais ações do petista é questionada por isenção fiscal às entidades privadas

atualizado

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1 de 1 registro candidatura Lula - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A maior parceria público-privada (PPP) do país. É dessa forma que o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) classifica o Programa Universidade para Todos (Prouni). Criada em 2004, quando o petista era secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), essa ação do governo federal no ensino superior concede bolsas de estudos integrais e parciais para estudantes de baixa renda em cursos de graduação de instituições privadas. Elogiado pela inclusão social, o programa é questionado por isenção fiscal às entidades privadas.

Com o começo da campanha eleitoral e os recentes pedidos de impugnação na Justiça Eleitoral que podem retirar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Haddad assumiu a dianteira da campanha petista. Nesta missão de substituir Lula junto ao eleitorado, o projeto que ampliou vagas no ensino universitário faz parte dos argumentos usados na disputa pelo Planalto. O Prouni é citado no programa de governo do PT entregue ao TSE junto com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Segundo o PT, as três ações “incluíram milhões de jovens e ampliaram suas oportunidades.”

“O Prouni é um dos mais exitosos programas de acesso ao ensino superior para estudantes pobres no mundo. Nem o governo Temer teve coragem de mexer nesse instrumento”, afirma Haddad em entrevista exclusiva ao Metrópoles sobre essa iniciativa e a educação (leia abaixo a entrevista completa).

O programa nasceu de uma sugestão da mulher de Haddad, Ana Estela. Em 2003, ela era assessora do então ministro da Educação, Cristovam Buarque. Quando Tarso Genro assumiu a pasta, em 2004, Haddad apresentou uma proposta para a criação de 100 mil vagas no setor privado de educação superior. Lula foi favorável à ideia. Haddad aprimorou o projeto quando foi um dos principais defensores de parcerias público-privadas, durante a gestão petista. Em 2003, quando era assessor especial no Ministério do Planejamento, ajudou a elaborar a lei das PPPs.

Advogado, o ex-ministro é mestre em economia e doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), mas também já acumulava relações com o setor privado antes de ser prefeito e ministro. O político trabalhou como analista de investimento no Unibanco e, entre 2001 e 2003, foi subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo, na administração de Marta Suplicy.

O programa é alvo de críticas relacionadas ao alto volume de isenção concedido às universidades privadas. A lei do Prouni (11.096/2005), em seu artigo 8º, determinou que as instituições passariam a não pagar Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).

Desde 2006, segundo a Receita Federal, o Prouni gerou uma renúncia fiscal de R$ 13,084 bilhões. Para este ano, de acordo com estimativas da Receita, o valor deve superar os R$ 2,017 bilhões, quantia mais alta desde a implantação da ação educacional.

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Fernando Haddad cumprimenta apoiadores durante o registro de candidatura no TSE

Bolsas irregulares eliminadas após auditoria
O Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou o Prouni em 2009 e 2010, e monitorou recomendações em 2012 e 2013. Entre as orientações feitas, estava justamente a que pedia alterações no mecanismo dos critérios para a concessão de isenção fiscal às instituições privadas. O TCU apontou que a qualidade dos cursos e as vagas não ocupadas do programa deveriam ser levadas em conta para o benefício da isenção.

Em 2013, o órgão informou que essa orientação não havia sido atendida pelo MEC. O ministério teria adotado as recomendações feitas em 2009 de forma parcial, segundo a Corte de Contas. Para o TCU, o governo promoveu apenas uma mudança na lei de criação do Prouni: incluiu, em 2011, a ocupação efetiva das bolsas como critério para o cálculo da isenção fiscal sem uma avaliação qualitativa.

Após uma das auditorias do TCU apontar que bolsas do programa estavam beneficiando estudantes sem os requisitos básicos, como renda, o MEC implantou o Módulo de Supervisão de Bolsistas. O governo passou a identificar, analisar e excluir alunos que não possuíam os critérios para a participação no Prouni. De acordo com dados do Tribunal de Contas da União, de 2009 a 2012, cerca de 21 mil bolsistas irregulares foram excluídos. Em 2012, com a retirada do benefício de 15,5 mil pessoas com problemas cadastrais, o governo gerou uma economia de R$ 25,3 milhões.

Questionado pelo Metrópoles, o Ministério da Educação afirmou ter atendido todas as recomendações do TCU. Segundo o MEC, houve uma modificação na isenção tributária. O valor passou a ser calculado na proporção da ocupação efetiva das bolsas, além de regulamentação pela Receita Federal por meio de instrução normativa em 2013. Por meio dessa norma, afirma a pasta, “há previsão de que a isenção será proporcional à ocupação efetiva de bolsas”.

Baixa qualidade e interesses privados
Autor de uma pesquisa sobre o Prouni, o professor Wilson Mesquita, da Universidade Federal do ABC (UFABC), diz que o programa é resultado de um histórico segundo o qual o ensino superior privilegia o modelo empresarial. Esse sistema teria surgido na década de 1970, durante o regime militar. Naquela época, afirma Mesquita, existiam pequenas faculdades; mas, com a não cobrança de impostos e o crédito educativo, essas empresas se agigantaram, chegando a ter ações em bolsas de valores.

“Com o auxílio desses incentivos dados pelo Estado, que continuam até hoje, o setor privado lucrativo conseguiu acumular poder financeiro e político para fazer prevalecer seus interesses nos governos democráticos que vieram depois”, explica o professor. De acordo com ele, a grande expansão das vagas – em um contexto de baixo crescimento econômico e de alto desemprego, na época do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – “provocou falta de pagamentos de mensalidades e saída de estudantes, levando a uma crise no setor privado de educação”, detalha.

DivulgaçãoSegundo Mesquita, o programa sofreu interferências de interesses do empresariado. “O desenho do Prouni teve as mãos fortes dos donos das entidades privadas lucrativas e seus representantes. Eles possuem articulações políticas em todos os partidos. O projeto original do Prouni só previa bolsistas integrais. Porém, deputados e senadores que trabalham em prol dos empresários de ensino conseguiram modificá-lo, criando a existência de bolsas parciais, ou seja, fazendo com que o aluno pague uma parte”, diz.

Para o pesquisador, a principal limitação do programa é ter sido montado em um sistema no qual a maioria das instituições participantes possui baixa qualidade educacional. “São instituições voltadas para obter lucro com a educação. Fato bem diferente do que ocorre nos países desenvolvidos, onde não houve estímulo para a existência de empresários donos de universidades”.

Mudanças nas comunidades
Professora da Universidade La Salle (Unilasalle) com doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Vera Lucia Felicetti acredita que o programa tem resultados positivos em relação aos ganhos sociais. “Os bolsistas estão mudando o contexto nas comunidades em que estão inseridos. Isso é muito positivo”, afirma.

De acordo com a doutora, o Prouni tem a capacidade de igualar os objetivos dos bolsistas com os dos colegas que não são beneficiados pelo programa. “Quando os estudantes ingressam, as aspirações são relativas a salário, renda e meios de sustento. Durante os cursos, eles passam a estar no mesmo patamar que colegas de graduação, já que o Prouni puxa os alunos para um ambiente de preocupações semelhante ao dos colegas”, diz.

Desde 2009, Vera produziu três pesquisas com ex-bolsistas do Prouni. Mas, segundo a pesquisadora, a confirmação das vantagens desse iniciativa do governo só é possível quando comparada com os resultados de outros programas sociais. “Só podemos confirmar os efeitos de projetos diante da comparação de resultados de programas com grupos focais semelhantes. O ideal era não precisar dele, mas está aí, fazendo a diferença. Se formos colocar na balança, temos mais pontos positivos que negativos”, acredita Vera Lucia.

O professor Wilson Mesquita, apesar de criticar a interferência privada, também crê nos ganhos sociais – que, segundo o pesquisador, têm “importantíssimo componente de inclusão social”.

Ele possibilitou que certa parcela de estudantes de mais baixa renda e da escola pública pudesse chegar ao ensino superior

Wilson Mesquita, pesquisador da Universidade Federal do ABC

Defesa do ensino público 
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) é contrário ao Prouni. De acordo com a secretária-geral da entidade, Eblin Farage, “toda vez que o governo cria um programa de financiamento do ensino superior privado, ele impulsiona a apropriação de recursos públicos pela iniciativa privada”.

O Andes defende a ampliação do ensino superior público para o atendimento da demanda do setor. “Isso significa defender um modelo de educação e formação pautada no tripé do ensino, pesquisa e extensão, além do acesso à produção de ciência e tecnologia”, afirma Eblin. Para a dirigente, o Prouni valoriza um modelo de ensino baseado apenas em sala de aula, o que reduz o potencial de formação dos estudantes.
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35% das vagas não preenchidas
Para a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), a isenção conferida às instituições é efetivamente proporcional ao preenchimento das bolsas concedidas. “Há um custo operacional para a utilização da contrapartida oferecida pelo governo. Por isso, via de regra, o que motiva a instituição de educação superior a aderir ao Prouni são fatores que vão além dos financeiros, aspectos como o estreitamento da relação com a comunidade na qual ela está inserida e o cumprimento da sua função social”, diz o diretor-executivo da organização, Sólon Caldas.

Caldas, no entanto, aponta aspectos que afetam os estudantes e precisam ser avaliados pelo governo federal. Segundo ele, 35% das bolsas ofertadas pelas instituições privadas não são preenchidas, embora o número de estudantes interessados seja muito superior ao de vagas.

O diretor da associação enumera os motivos para o problema: o número de vagas disponibilizadas por curso, não podendo ser remanejadas para as áreas onde há maior interesse; restrição de acesso ao Fies, pois muitos alunos do Prouni que conseguiam 50% de bolsa utilizavam a política pública de financiamento estudantil para pagar a diferença do valor da mensalidade; e exigência de que o aluno tenha cursado 100% do ensino médio em escola pública ou em particular com 100% de bolsa. “Na nossa avaliação, o corte deveria ser somente social (renda) e não a origem do estudante”, argumenta.

Para a ABMES, a expectativa é que o governo volte a ver as políticas públicas de acesso à educação superior como pautas sociais e não fiscais. “Vivemos em um contexto no qual 87,7% das instituições de educação superior do país são particulares, e as universidades públicas privilegiam, em grande parte, estudantes provenientes de famílias de alta renda e que cursaram o ensino médio em colégios particulares”, diz. Conforme pesquisa feita pela ABMES constatou, para 40% dos entrevistados, a questão financeira é um dos fatores que atrasam o ingresso na graduação.

Cinco perguntas para Haddad sobre o Prouni e educação

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– Como surgiu a ideia de criar o Prouni? 
Surgiu da necessidade de se ampliar a oferta de vagas para o ensino superior, sobretudo para estudantes pobres, sem acesso a qualquer modalidade de financiamento, e da constatação de que havia um grande volume de impostos não recolhidos por parte das instituições de ensino superior.

– Qual a sua avaliação sobre a condução do atual governo sobre o Prouni?
Prouni é um dos mais exitosos programas de acesso ao ensino superior para estudantes pobres no mundo. Nem o governo Temer teve coragem de mexer nesse instrumento.

– O senhor acha que o Prouni resolveu o problema da falta de vagas no ensino superior? 
Apesar de já terem sido concedidas mais de 2,5 milhões de vagas, é claro que o Prouni não resolveu todo o problema. No governo Lula, ampliamos as vagas nas universidades federais e nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia. Resolver, definitivamente, não resolvemos. Mas nunca se ofertou tanta vaga, principalmente para estudantes pobres. Mais do que dobramos as vagas nas universidades federais. Criamos 18 novas universidades, mais de 173 novos campi pelo interior do país. E ainda iniciamos um programa que concedeu até agora mais de 2,5 milhões de bolsas e, todos os anos, oferece pelo menos de 300 a 400 mil bolsas nas instituições privadas.

– Por que essas recomendações do TCU não foram incluídas no Prouni na sua implementação?
É preciso atentar que, quando o Prouni foi criado, nem o Enem era este instrumento espetacular em que nós mesmos o transformamos, nem o MEC dispunha de mecanismos de avaliação das instituições privadas. Falar em uma renúncia de R$ 3 bilhões aproximadamente, em 12 anos e 2,5 milhões de bolsas concedidas, é falar em números irrisórios e resultados impressionantes.

– Qual será a proposta para o ensino superior, caso o PT volte ao poder?
Antes de mais nada, é importante deixar claro que o PT enxerga a educação como um todo, sem segmentação ou separação. Para nós, a prioridade na educação deve se dar da creche à pós-graduação – como, aliás, nós fizemos no governo do presidente Lula. Garantir o acesso à educação de todos os brasileiros começa pela educação infantil e vai até a universidade pública ou privada.

Para isso, vamos aprimorar os mecanismos de financiamento do ensino básico, como fizemos com a criação do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], que incluiu a educação infantil e o ensino médio. Vamos retomar a política de metas e reassumir o objetivo de alcançar em 2022 a média nacional 6.0 no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], equivalente à dos países mais desenvolvidos no mundo. Quanto ao ensino superior, vamos retomar o financiamento da ciência e buscar os recursos e as instalações para garantir o acesso, sobretudo dos jovens mais pobres, ao mesmo tempo em que buscamos a excelência da educação superior.

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