Economistas veem contágio político na inflação e mostram pessimismo
Mercado financeiro segue elevando a expectativa de aumento de preços enquanto governo mostra pouco poder de reação
atualizado
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Não é preciso entender de economia para perceber que a inflação tem se intensificado, mas quem entende acredita que o cenário infelizmente pode se agravar até o ano que vem, devido a fatores externos e climáticos, mas também por ações e omissões do governo na política econômica.
Aumentos consideráveis no preço dos combustíveis, gás de cozinha, alimentação e habitação estão ajudando a puxar para cima o índice do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mede a inflação oficial, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Em julho, o índice apresentou alta de 0,96%; a maior variação para o mês desde 2002, quando foi de 1,19%. No ano, o IPCA acumula alta de 4,76%, e, nos últimos 12 meses, de 8,99%.
O número real está bem acima da meta almejada pelo órgão responsável por esta gestão, o Banco Central, que é de 3,75% para este ano, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Um descompasso construído por uma série de fatores fora do poder do governo, mas fortalecido por uma política econômica errática, de acordo com especialistas de diferentes escolas de pensamento ouvidos pelo Metrópoles nesta semana.
Para o economista Guilherme Dietze, assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), o país enfrenta uma inflação que já não está concentrada em um ou dois setores ou regiões, mas dissipada na economia, afetando empresas e famílias de todos os níveis de renda.
“E são vários fatores unidos que pressionam a inflação. No caso da energia, pesa a falta de chuva histórica nos reservatórios, que vai nos obrigar a usar as termoelétricas, mais caras e mais poluentes”, explica ele. “No caso do transporte, tem a questão do preço internacional do petróleo, que, de um ano pra cá, subiu mais que 50%”, continua o economista.
E quando os preços vão parar de subir? Dietze respondeu assim à pergunta que preocupa a maior parte dos brasileiros:
“Difícil não é prever; difícil é a gente ter uma inflação mais baixa, porque os fatores que estão pressionando os preços vão continuar ao longo deste ano e em 2022. É uma situação bem delicada, tem incertezas políticas e também na saúde. Não sabemos o quanto a variante Delta da Covid vai impactar a economia mundial, se vão surgir novas variantes. Essas incertezas impactam a economia mundial e levam o Brasil junto”, analisa o economista da Fecomércio-SP.
Opinião do mercado
O sentimento de Guilherme Dietze condiz com o que foi apurado no último Boletim Focus, que é feito pelo Banco Central com agentes do mercado financeiro e divulgado semanalmente: a previsão para o IPCA deste ano subiu de 6,88% para 7,05%, na 19ª elevação consecutiva na projeção.
Negacionismo econômico
Representante da academia, o professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli também concorda com a avaliação de que ainda não é possível prever quando os preços vão recuar. “Inclusive as previsões de inflação de 3,9% em 2022 acho fora da realidade. Temos condições políticas, econômicas e sociais se deteriorando, e ainda tem eleição ano que vem”, avaliou ele em conversa com a reportagem.
Para Piscitelli, atrapalha o cenário econômico uma visão um tanto fora da realidade da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. “Não acho exagero chamar de negacionismo econômico”, provoca.
“O país sofre com a inflação, mas o Ministério da Economia resiste em admitir que a inflação atual não é nem transitória nem localizada. É alimentação, daqui a pouco combustíveis, daqui a pouco aluguel. As previsões do ministério são sempre distantes da realidade, nunca se confirmam. Os números divulgados não trazem confiança, não têm credibilidade”, critica ele, que vê falta de planejamento em longo prazo na política econômica brasileira. “Existe falta de planejamento, não temos política econômica, não temos projetos a longo prazo, atuamos de forma reativa”, complementa o professor.
Crítico da política liberal de Paulo Guedes, o economista Márcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2007 e 2012, acredita que faltou controle do Estado sobre o setor privado para evitar descontrole inflacionário.
“Desde a metade do ano passado, concomitantemente com o avanço da pandemia de Covid no Brasil, assistimos a uma aceleração da inflação, e num quadro de recessão, o que apontaria para aquele conceito de estagflação, inflação com estagnação econômica. Em grande medida, esta inflação decorre da liberalização dos chamados macropreços. Foram elevações significativas no preço dos combustíveis, do gás de cozinha e da energia”, analisa.
“Em síntese, é o próprio governo que, ao liberar os preços, faz com que a inflação se acelere e acumule patamares desconhecidos há muito tempo no Brasil”, completa ele, que já concorreu à prefeitura de Campinas pelo PT.
A resposta do responsável por combater a inflação
A política econômica do governo, fatores externos e a instabilidade política podem ajudar a causar a inflação, mas cabe ao Banco Central, que hoje é independente do governo federal graças a uma lei já do governo Bolsonaro, encontrar maneiras para controlá-la. E, normalmente, subir os juros faz parte do pacote, o que tem sido feito com a taxa Selic, que chegou a patamares historicamente baixos em tempos mais liberais do governo, mas passou a subir fortemente e pode chegar ao fim do ano entre 8% e 9% segundo os analistas.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse no último dia 19 de agosto que a autarquia “fará o que for necessário para atingir a meta de inflação. Estamos comunicando ao mercado. Com mais transparência em como usamos nossos instrumentos”.
Ele reconheceu “surpresas de alta na inflação nos últimos meses” e justificou parte do problema dizendo que as incertezas internacionais estão maiores, mas reconheceu que os “ruídos internos” têm sido prejudicais.
“Penso que os ruídos recentes que tivemos sobre muitos fatores locais estão começando a fazer com que alguns agentes econômicos revisem para baixo suas previsões de crescimento para 2022”, disse Campos Neto.
“Há um aumento do ruído da parte institucional de como o Brasil funciona, a briga entre os Poderes. Ultimamente, há outra dimensão desse ruído, relacionada a novos projetos enviados pelo governo ao Congresso, como o novo Bolsa Família, que o mercado tem associado com as eleições do próximo ano”, continuou ele, no que soou como uma crítica mais dura ao governo, versão logo combatida pelo “extintor de incêndio” do Planalto, o ministro Ciro Nogueira, da Casa Civil, no Twitter:
Eu disse que ia ser um amortecedor. Mas agora fala o extintor de incêndios: parem de inventar fagulhas que não existem. Responsabilidade, por favor. Não existe nenhuma, repito, nenhuma crise entre o presidente Bolsonaro e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
— Ciro Nogueira (@ciro_nogueira) August 20, 2021
Uma visão mais otimista
Representante do mercado financeiro, o economista Bruno Musa, sócio da Acqua-Vero, difere da maioria dos colegas e vê espaço para um recuo da inflação ainda em 2021.
“Eu ouso chutar aqui que a partir de novembro a gente vê uma uma inflação voltando para patamares mais aceitáveis. Eu acredito que a gente está passando por um período inflacionário por quebra da cadeia produtiva durante a pandemia. Fábricas pararam, alternaram turnos, então a gente diminuiu a oferta de produtos na ponta final”, acredita ele. “Ajustando a cadeia produtiva, aumentando a oferta de produtos na ponta final esses preços tendem a se regularizar e voltar a patamares mais aceitáveis”, reforça ele, que não vê muitas opções para o governo agir ativamente e interferir no mercado, nem considera isso saudável.