Zika vírus: para dar pensão, governo exige fim de ação judicial
MP institui o pagamento de pensão mensal vitalícia, no valor de um salário mínimo, para crianças com microcefalia, mas com condicionante
atualizado
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Para que crianças afetadas pelo Zika vírus tenham acesso à pensão prevista na Medida Provisória (MP) nº 864/19, o texto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) exige a desistência de ação judicial contra o governo relacionada ao tema. A exigência soa inconstitucional para especialistas.
A MP prevê, entre outras coisas, o pagamento de pensão mensal vitalícia no valor de um salário mínimo para crianças com microcefalia.
O Ministério da Cidadania estima que 3,1 mil crianças nasceram com a doença de janeiro de 2015 a dezembro de 2018 e são beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A proposta, contudo, requisita que se desista do processo judicial quando o assunto for o BPC para crianças com microcefalia.
“O reconhecimento da pensão especial ficará condicionado à desistência de ação judicial que tenha por objeto pedido idêntico sobre o qual versa o processo administrativo”, diz trecho da proposta.
O advogado Arthur Barreto, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), explica que a proposta fere a Constituição Federal, que garante a apreciação do Poder Judiciário.
“O que se está dizendo é: ‘Desista do processo e não receba o passado’. Ou seja, para receber atenção especial, é preciso abrir mão de direitos. Isso não existe dentro do Estado Democrático de Direito”, defende, em conversa com o Metrópoles.
O especialista em direito previdenciário destaca ainda que, se a pessoa vai ao judiciário, é porque entendeu que houve lesão dos direitos pessoais.
“Como a pessoa foi ao judiciário em busca dos direitos, ela pode receber a pensão, ou seja, judicializou. O governo, então, está pedindo para ‘desjudicializar’. Logo, está restringindo o acesso à Justiça”, complementa.
No dia 29 de dezembro de 2019, o Metrópoles publicou uma matéria especial revelando o drama das mães que fazem de tudo para garantir o bem-estar de seus filhos diagnosticados com microcefalia após o contágio de Zika – e muitas o fazem abandonadas pelo Estado.
No Senado
O texto foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados no último dia 17. A matéria será analisada ainda pelo Senado Federal.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), relator da proposta, foi procurado pelo Metrópoles, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem. O espaço continua aberto.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, que assina a autoria da MP junto ao ministro da Cidadania, Osmar Terra, também foi procurado por meio de sua assessoria de imprensa. Transferiu a responsabilidade por um posicionamento para a Cidadania. A assessoria de comunicação da pasta enviou uma nota no fim da tarde desta quinta-feira (02/01/2020) com a seguinte justificativa:
“A Medida Provisória garante pensão especial vitalícia a crianças com microcefalia causada pelo vírus Zika que já recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A desistência da ação judicial tem por base o fato de que o beneficiário não pode receber o mesmo benefício duas vezes”.
Ao apresentar a proposta, Bolsonaro pediu que os deputados não alterassem a MP. “Não façam demagogia, já que não tiveram competência ou caráter para fazer melhor em governos anteriores. Caso contrário, serei obrigado a vetar essa medida, porque não posso incorrer em crime de responsabilidade”, afirmou.