Viagens, aulas e campanhas on-line: guias de turismo se reinventam na crise
Por causa da Covid-19, clientela do setor de turismo praticamente sumiu. Na ponta, os guias sofrem na pele o impacto econômico da crise
atualizado
Compartilhar notícia
Que o setor de turismo enfrenta grandes perdas neste momento de crise causada pelo coronavírus é fato. Só para se ter uma ideia, o prejuízo acumulado nesse segmento, até o mês de abril, é de R$ 62 bilhões, segundo projeção da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O impacto afeta todos os envolvidos na atividade, como empresas aéreas, agências de viagens, hotéis e pousadas. E também aqueles que estão na “ponta”: os guias de turismo sofrem na pele. Afinal, com a Covid-19, a clientela desapareceu.
Condutor de visitantes há mais de 17 anos na Rota das Origens, no Parque Nacional da Serra da Capivara, um dos tesouros da arqueologia brasileira e mundial, que fica no Piauí, Eduardo Coelho, o Edu, como é conhecido na região, diz que a situação está bem difícil para todos após o decreto estadual que determinou o fechamento dos parques a partir do dia 17 de março.
“Alguns guias conseguiram auxílio emergencial. Já os que não conseguiram estão participando de vaquinha on-line ou de campanhas, em que algumas empresas doaram cestas básicas”, afirma o guia.
Edu Coelho, que também é secretário de Turismo de Coronel José Dias, município a 420 km de Teresina, não se encaixa em nenhum dos dois casos. Com muito esforço, ele já havia construído uma lojinha onde vende roupas e perfumes. Mesmo assim, diz que sente falta do trabalho. “Sinto muita saudade do contato com as pessoas, de repassar as informações, ter contato com a natureza e apresentar aos visitantes esse importante patrimônio que é nosso”, ressalta.
“Não sabemos ainda os reais impactos da Covid-19 no setor de turismo, mas esperamos que o retorno das atividades, que dinamizam e contribuem para o desenvolvimento do turismo piauiense, seja em breve”, diz o guia. Ele, no entanto, frisa: “Mas o mais importante é a saúde de todos”.
Inovação
Fazer um tour virtual de modo personalizado foi uma das alternativas adotadas por Sueli Rutkowski, que vive somente com a renda do seu trabalho de guia de turismo, em Ouro Preto (MG).
De acordo com ela, a ideia, que já é sucesso, veio de um dos seus clientes. Sueli, que sempre priorizou trabalhar com pequenos grupos, hoje se vê pelas ruas de Ouro Preto em companhia de sua câmera somente.
Veja:
A guia acrescenta que durante este momento investiu muito na tecnologia do seu site e das redes sociais. Para ela, essa é uma tendência do futuro: “No pós-pandemia teremos que buscar outras alternativas para não ficar tão na mão. Isso [a pandemia] serviu como alerta, é uma tendência do futuro”, conta Sueli, que começou a desenvolver o projeto há quase um mês.
Sueli é mais uma dentre tantos guias de turismo que não conseguiram o auxílio emergencial. “Quando fui fazer o meu cadastro, vi que o teto máximo é de até R$ 28 mil na declaração de 2018. [Por isso] Não tenho nenhum apoio ou auxílio financeiro”, relata.
Ao Metrópoles, Sueli adianta que, com outros guias de turismo de Ouro Preto, está elaborando uma carta pedindo à prefeitura auxílio financeiro.
O turismo é a segunda atividade que dá mais lucro em Ouro Preto, perdendo só para a mineração. Contando com isso, Sueli afirma que os guias proporão prestar serviços de educação, como guiar alunos nos passeios aos museus.
“Podemos fazer um tour na cidade para aquele aluno que está trabalhando o ciclo do ouro, por exemplo. O passeio também pode ser virtual. Após essa experiência, eu converso com ele e tiro as dúvidas”, afirma Sueli.
Outras rendas
Ana Paula Portes é guia de turismo há 15 anos e atualmente trabalha em São Paulo, onde também é professora de libras em uma universidade. Ela teve que se adaptar às aulas on-line. “Dessa forma estou conseguindo pagar as minhas contas. Tive que abrir mão de uma série de confortos que eu tinha antes. Não tenho mais carro, por exemplo”, conta.
A guia perdeu a mãe para a Covid-19 no dia 23 de maio. Ela também teme perder a sua outra renda, que é o emprego de professora. “Sabemos que a partir do próximo semestre a faculdade vai demitir muitos professores. Há uma série de alunos inadimplentes por conta da crise.”
Ela se preocupa, também, com a possibilidade de que, mesmo quando o turismo voltar, não seja a mesma coisa. Ana Paula também fazia viagens internacionais. Agora, ela pensa em criar um canal no YouTube no qual possa falar dos seus 15 anos de experiência com o turismo.
“Já trabalhei em parceria com o Sesc e também quero resgatar os meus workshops, nos quais eu ensinava como arrumar a mala, mostrava o que deve ou não levar em uma viagem e dava outras dicas”, explica Ana Paula.
Abertura em julho
No Maranhão, a Prefeitura Municipal de Barreirinhas divulgou um decreto, no dia 8 de junho, que estabelece os protocolos de segurança sanitária para a retomada das atividades turísticas no município já em julho.
A agência Guia de Turismo Lenções Maranhenses afirmou ao Metrópoles, em nota: “Retornaremos em alta temporada, em situações normais. Porém levamos em consideração os efeitos do isolamento em nosso público turístico”.
A agência também diz que já conta com algumas demandas. “Nesses últimos meses, alguns clientes têm buscado nossos canais de atendimento para solicitar informações sobre o retorno das atividades e perguntando para datas específicas já para esse mês próximo.”
Por fim, a Guia de Turismo Lenções Maranhenses também informa que irá retomar os serviços com o devido cuidado. “Estamos analisando as possibilidades mais adequadas e viáveis para o pós-pandemia.”
Ministério do Turismo
De acordo com o Ministério do Turismo, R$ 5 bilhões serão destinados pelo governo federal ao Fundo Geral do Turismo (Fungetur) e disponibilizados nas instituições financeiras credenciadas ao Fundo.
A expectativa é de que 80% do R$ 5 bilhões sejam destinados aos empreendimentos de micro, pequeno e médio porte. Os 20% restantes poderão ser acessados por empresas de grande porte.
O Ministério do Turismo lançou, no dia 4 de julho, o selo Turismo Responsável – Limpo e Seguro, para empresas do setor retomarem atividades seguindo protocolos de higienização em meio à pandemia de Covid-19.
A iniciativa faz parte do Plano de Retomada do Turismo Brasileiro, que busca minimizar os impactos da pandemia e preparar o setor para um retorno gradual das atividades.