Dá pra mudar teto e ser fiscalmente responsável, diz cotado ao Tesouro
Um dos cotados para a equipe econômica de Lula, Felipe Salto diz que teto de gastos não funcionou e limite de endividamento é mais adequado
atualizado
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As discussões sobre o tamanho do buraco no orçamento em 2023, e a possibilidade de o novo governo obter uma “licença para gastar” deixaram o mercado em polvorosa na semana passada. As contas do rombo no teto de gastos variam de R$ 200 bilhões a R$ 400 bilhões, dependendo do que entrar no pacote do novo presidente.
Na visão de Felipe Salto, no entanto, essa é uma discussão que já nasce morta, pois o crescimento de despesas é inevitável, uma vez que está atrelado a promessas feitas durante a campanha presidencial – promessas feitas igualmente pelo vencedor, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo perdedor, Jair Bolsonaro. Além disso, os juros estão mais elevados, o que pressiona as contas públicas.
A questão aqui, diz Salto, é estabelecer um modelo que impeça que essa seja uma questão que permeia o noticiário ano após ano. Para o economista, que é secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo e é um dos cotados para a equipe do Tesouro Nacional, no ministério do Planejamento do governo Lula, o ideal é estabelecer uma nova regra para limitar o crescimento desenfreado da dívida pública.
“O teto de gastos não deu certo, precisamos ter isso claro. Se tivesse dado certo, não teria sido necessário aprovar emendas que permitiram gastos de R$ 790 bilhões acima do teto entre 2020 e 2022”, disse ele, em entrevista ao Metrópoles.
Veja abaixo a entrevista completa com Felipe Salto:
Qual sua avaliação sobre a proposta apresentada ontem (14/11) pelo Tesouro, de atrelar um novo teto ao nível de endividamento, e não mais às despesas?
A proposta do Tesouro é muito similar a uma que estou formulando, porque combina o limite para a dívida, que é um preceito constitucional, com a regra atual de limite de despesas. O teto de gastos não deu certo, precisamos ter isso claro. Se tivesse dado certo, não teria sido necessário aprovar emendas que permitiram gastos de R$ 790 bilhões acima do teto entre 2020 e 2022. Nesse sentido, a proposta do Tesouro é muito bem-vinda, e vai na direção do que devemos seguir.
O próximo governo poderia aproveitar o projeto apresentado?
Acredito que o que foi apresentado ainda precisaria de adaptações, mas a grande vantagem é que a proposta recoloca a sustentabilidade da dívida pública como centro da política fiscal. Se há um limite estabelecido pela tendência de aumento ou redução do endividamento, e a meta do resultado primário e dos gastos estiver correlacionada a esse limite, é um grande avanço.
O que poderia ser aperfeiçoado nessa proposta, por exemplo?
A equipe do Tesouro estabeleceu, como indicador de endividamento, a Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG), e eu prefiro adotar a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG). Entendo que a ideia do Tesouro foi tirar as reservas internacionais da conta, mas eu prefiro usar a DBGG, porque ela representa com mais transparência os passivos totais, inclusive os de estados e municípios.
O senhor acredita que essa proposta é capaz de reestabelecer a disciplina fiscal?
É um modelo mais flexível, mas não significa que deixa de ser fiscalmente responsável. Os exemplos internacionais indicam que as regras orçamentárias precisam ter alguma flexibilidade, algo que o teto de gastos não tem. Isso significa que o governo vai poder gastar à vontade? Não, porque a direção do endividamento vai ser balizadora desses gastos.
E para 2023? Qual a real situação do orçamento? O governo vai realmente precisar estourar o teto em um nível de R$ 200 bilhões, como foi estimado?
Eu acredito que uma despesa “extra-teto” de tamanho suficiente para 2023 seria de R$ 120 bilhões, considerando, principalmente, que em 2022 esse extra já será de R$ 155 bilhões. O fato de oficializarmos mais um ano de gastos acima da regra não significa que não podemos rediscutir o teto de gastos.
A fala de Lula, na semana passada, dizendo que os gastos sociais são mais importantes que o teto de gastos levou a uma onda de pessimismo nos mercados. O que seria suficiente para dissipar esse sentimento?
O tamanho do que temos chamado de waiver não deveria ser motivo de agitação, porque qualquer um que seja o próximo ministro da Fazenda ou qualquer que seja a equipe econômica, vamos precisar de gastos além do teto e a dívida vai subir. A taxa de juro real da economia está mais alta que no ano passado, então necessariamente o endividamento vai piorar. A questão é ter um modelo que incorpore essa trajetória de subida, mas que indique ao mercado qual é o horizonte de queda. Tendo uma regra fiscal civilizada, acho que as coisas se acalmariam.