Seu bolso: como a estiagem prolongada pode afetar a conta de luz em 2021
As queimadas na Amazônia e no Pantanal, problema que ganhou as manchetes neste ano, colaboram para esse cenário
atualizado
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O sol forte e o céu claro não deixam dúvidas: não choverá. A previsão do tempo também chancela que o tempo continuará firme e que não haverá grandes pancadas por um período longo.
O leitor pode se questionar: o que isso tem haver com a eletricidade da minha casa? Mais que acionar o interruptor ou colocar um aparelho para carregar na tomada, é principalmente do céu que nasce a energia que move as hidrelétricas. A água é a principal fonte de geração de energia no Brasil.
As queimadas na Amazônia e no Pantanal, problema que ganhou as manchetes neste ano, colaboram para uma estiagem prolongada. Além disso, o desmatamento diminui a vazão dos rios voadores, estruturas naturais que levam chuva ao centro-sul do país. Com isso, a seca afeta diretamente a produção energética das hidrelétricas.
Os especialistas são categóricos: não podemos apostar que o padrão dos rios brasileiros vai permanecer. O clima tropical varia muito, e a hidrologia também. Podemos ter mudança do clima e chuva intensa. Isso engana que está tudo bem. Mas logo uma seca aparece no horizonte.
A estiagem prolongada tem castigado os reservatórios das hidrelétricas. Sozinhas, elas geram 108.540 MW, o que representa 65,7% da energia consumida no país. São 7,4 mil usinas do tipo operando no Brasil, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O pior panorama, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), aparece no Sudeste/Centro-Oeste, onde os aquíferos operam com 18,53% da capacidade total.
O reservatório do Sul, região em que o índice está em 27,05% também é preocupante, avaliam fontes do setor elétrico.
Veja o nível dos reservatórios das hidrelétricas por região:
- Norte – 27,78%
- Nordeste – 46,07%
- Sudeste/Centro-Oeste – 18,53%
- Sul – 27,05%
Quando as hidrelétricas funcionam com capacidade inferior à total, o sistema elétrico precisa recorrer a outras fontes geradoras, como as termelétricas, que têm custo mais elevado na produção. Pesa no seu bolso.
O Metrópoles mostrou no mês passado que dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) revelam que, entre abril e novembro, o custo de produção de energia elétrica no país cresceu 981% — 11 vezes mais. Passou de R$ 39,68, na primeira semana de abril, para R$ 428,96, na última semana. Ou seja, o preço ficou quase 11 vezes maior.
Se os consumidores estão usando mais o produto, a geração precisa aumentar. Essa é a lógica de mercado. Contudo, a capacidade da principal fonte brasileira pode não corresponder.
Previsão do tempo
O meteorologista Heráclito Alves do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) explica que a região Sul passou por uma ano atípico quando se observa as intempéries do tempo.
“O Nordeste teve uma boa capacidade de chuva e está com reservatórios com bom aporte de água. A região mais critica é a região Sul que teve um ano ruim. O Sudeste, especialmente na região de São Paulo, alguns reservatórios não tiveram aporte suficiente”, detalha.
Heráclito frisa que 2020 foi um ano de La Niña — um fenômeno que, oposto ao El Niño, reduz a temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental.
“Do ponto de vista climático, o La Niña reduz as chuvas na região Sul. Mas a seca não se deve somente a isso. Lá, tivemos muitos períodos de bloqueios atmosféricos”, salienta.
Para 2021, pelo menos entre janeiro e março, a previsão é de mais seca em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, norte de Goiás e Mato Grosso.
Olho no bolso
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Adilson de Oliveira, que durante a reforma do setor elétrico em meados da década de 2000, foi consultor do Ministério de Minas e Energia, alerta que os próximos meses serão de alta na conta e risco de falhas no fornecimento.
“Acredito que a situação é muito grave no Sul do Brasil. A região está sendo abastecida pela Argentina em cerca de 15% do consumo. Contudo, com o verão, os argentinos tendem a aumentar o consumo e talvez não ter a capacidade de fornecer eletricidade. Agora, o Nordeste abastece São Paulo e o estado manda a parcela da sua produção que não foi consumida para o Sul”, acrescenta.
As termelétricas, que operam a custo maior, também enfrentam dificuldades. “O parque térmico está sendo operado a plena capacidade. Tem uma parte que não está utilizável, falta combustível e algumas centrais estão ultrapassadas. Com isso, o país vive uma situação dramática, sobretudo se não chover”, alerta.
O professor conclui. “É difícil dimensionar os impactos socioeconômicos de um hipotético apagão no Sul do Brasil. O governo deveria agir urgentemente e não vejo nenhum gesto para solucionar. O aumento da energia eu não tenho nenhuma dúvida e a bandeira vermelha patamar dois deve se prolongar por todo verão”, vaticina.
Aumento inesperado
Os brasileiros começaram a pagar mais caro a conta de luz em dezembro. É a primeira vez desde o início da adoção do sistema, em 2015, que a tarifa extra nas contas de luz em todo o país passa direto da bandeira verde, que não cobra nada a mais do consumidor, para a bandeira vermelha patamar dois, a mais cara de todas, que eleva a conta em R$ 6,24 a cada 100 quilowatts/hora de energia consumida.
A Aneel pegou consumidores de surpresa. Em maio, a agência havia anunciado que iria manter a bandeira verde até o dia 31 de dezembro para aliviar a conta de luz dos consumidores durante a pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
O ONS é responsável por monitorar o fornecimento de energia em todo o Brasil e fazer a gestão dos recursos energéticos disponíveis. O órgão monitora a situação.
Versão oficial
Em nota, o ONS resumiu que “usa o Sistema Interligado Nacional e a função dele é justamente equilibrar todo a operação elétrica”. O órgão não comentou os efeitos da estiagem nos reservatórios.
Também em nota, a Aneel informou não tem estimativa de impactos na conta do consumidor. “Cada empresa tem sua data para reajustar tarifas e os fatores que impactam o reajuste são verificados para cada empresa na data do respectivo processo tarifário”, justificou.