Quanto mais custará o financiamento do rombo brasileiro?
Segundo especialistas, na prática, medidas anunciadas pela equipe econômica de Temer escondem fraude no plano de ajuste das contas públicas. A evidência está, sobretudo, na criação de um teto para o aumento dos gastos do governo
atualizado
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O governo interino do presidente Michel Temer, tão logo assumiu o país mediante o afastamento de Dilma Rousseff, adotou um discurso de austeridade fiscal, oposto à prática expansionista seguida na era petista. Só que esse estilo não encontra amparo nas medidas anunciadas pela equipe econômica de Temer, sob a regência de Henrique Meirelles. O que realmente está em curso, como apontam especialistas, é uma verdadeira fraude no plano de ajuste das contas públicas. A evidência está, sobretudo, na medida considerada a “bala de prata” de Meirelles, que estabelece um teto para o aumento dos gastos públicos.
Em maio, foi aprovada no Congresso uma nova meta fiscal – ainda mais profunda que aquela defendida pelos governos perdulários do PT. Enquanto a equipe de Dilma acreditava – ou ao menos dizia acreditar – que seria possível fechar as contas negativas em R$ 90 bilhões este ano, Temer enviou, e foi aprovada no Congresso, uma nova meta de déficit fiscal que poderá deixar um rombo de até R$ 170,5 bilhões. Esse valor representa aproximadamente 6% de toda a receita prevista para o ano na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).Para tentar estancar a sangria, a equipe econômica já anunciou que pretende enviar ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) colocando a inflação registrada no ano anterior como teto para o crescimento dos gastos públicos no ano seguinte.
Aposta
A grande aposta desse projeto, no entanto, é que o país retome a trajetória de crescimento, que seria seguido por uma alta na geração de receitas. Caso isso não ocorra neste ano – e as previsões apontam para uma queda de até 4% no PIB (Produto Interno Bruto) – dificilmente haverá alta na arrecadação de tributos em 2017.
No melhor dos mundos, a receita irá aumentar apenas nominalmente, seguindo a trajetória da inflação. Dando como certo que este ano ela encerrará em 7%, o déficit de R$ 170,5 bilhões – caso realmente seja esse o rombo – poderá aumentar para mais de R$ 180 bilhões no ano que vem.
De acordo com o modelo econômico de Temer, o rombo nas contas públicas só cairá em caso de crescimento econômico. Ou seja, se o Brasil, em uma previsão otimista, passar a crescer 2% ao ano daqui em diante, levará sete anos para o país interromper a sequência de alta anual da dívida pública. Considerando 2016 e mais os sete anos, teremos gerado um passivo de nada menos que R$ 925 bilhões.
Tendência de alta
“A tendência dos gastos públicos nos próximos anos é de crescimento real. Pensa, por exemplo, no envelhecimento da população. Isso reflete em aumento nos gastos com saúde. Como interromper isso com um simples decreto?”, questionou o presidente do Conselho Federal dos Economistas (Cofecon), Júlio Miragaia.
O envelhecimento da população é apenas um dos focos de pressão em cima dessa medida de Temer. Caso não haja uma virada na trajetória atual, o buraco terá de ser coberto com a emissão de títulos da dívida pública, cuja rolagem irá comprometer, cada vez mais, o orçamento da União.
Miragaia lembrou, por exemplo, que apenas o gasto com o pagamento de juros da dívida no ano passado passou de R$ 500 bilhões. “A grande questão é que o custo dos juros no Brasil é alto demais, mais do que na média”, disse.
Dessa forma, o discurso de austeridade fica, cada vez mais, distante. Apenas o limite dos gastos públicos não é suficiente para que as contas voltem a ficar perto do azul. Mais do que isso, nessa trajetória de ampliação da relação dívida/PIB, não se pode tirar da vista novas rodadas de redução nas notas de risco da dívida brasileira, como no ano passado que perdemos o selo de bom pagador, representado pela nota batizada de “grau de investimento”.
O custo de novos rebaixamentos terá impacto no prêmio de risco (lucro) exigido por quem comprar títulos da dívida pública, o que aumenta ainda mais o custo da rolagem. E o preço disso é a redução na capacidade de o governo implantar programas que ataquem os verdadeiros problemas que afligem a população brasileira.