Pandemia fez mar de endividados e bancos tentam devolver crédito a negativados
Desde janeiro, país acumulou mais 1,6 milhão de pessoas que deixaram de pagar dívidas. No total, até maio, o número chegou a 63 milhões
atualizado
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A pandemia da Covid-19 já ajudou a colocar 63 milhões de brasileiros no vermelho até maio deste ano, de acordo com o Serasa Experian. Impedidos de contratar crédito ou fazer compras parceladas, o problema vem afetando não somente a população, mas a economia como um todo, avaliam especialistas. No rastro disso, alguns bancos estão lançando cartões específicos para clientes negativados.
Desde janeiro, o país acumulou mais 1,6 milhão de pessoas que deixaram de pagar dívidas.
O economista da Serasa Experian Luiz Rabi explica que a redução do valor do auxílio emergencial e o alto número de desempregados são alguns dos fatores que contribuem para essa tendência de alta, que deve continuar nos próximos meses. “Além desses pontos, os aumentos das taxas de juros e da inflação comprometeram a renda da população. As pessoas tiveram que priorizar os pagamentos, o que acabou deixando pendências pelo caminho”, comenta em nota.
Sob o argumento de democratizar o acesso ao crédito, o banco digital Nubank anunciou uma nova modalidade de cartão em fevereiro deste ano, com foco em pessoas com o nome sujo.
A ferramenta permite que o cliente faça compras e assinaturas on-line, ou em qualquer tipo de estabelecimento físico, além da possibilidade de parcelar as transações. A novidade já foi contratada por cinco milhões de pessoas.
Em levantamento com seus clientes, a empresa detectou que cerca de 20% nunca haviam tido cartão de crédito na vida. “Para muitos brasileiros, essa deve ser a primeira experiência com um produto nos moldes do cartão de crédito convencional, que permite compras em qualquer tipo de estabelecimento presencial ou on-line”, afirma em nota Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank.
De acordo com o economista-chefe da Inifinit, Jason Vieira, a medida deve ser analisada com cautela. “É interessante que as pessoas consigam ter acesso ao crédito de novo, mas a tendência é de que isso gere mais dívidas do que o contrário, devido a uma alta cobrança de juros na hora do pagamento desse empréstimo”, explicou ao Metrópoles.
“Acredito que a solução seja existir um score (pontuação) de crédito. Desta forma, há um histórico para entender o que aconteceu com essa pessoa que está negativada. Em grande parte das vezes o motivo é o desemprego, e aí não se pode penalizar esse cidadão no mesmo nível de alguém que é realmente displicente”, afirmou.
No caso do Nubank, não foi esclarecido o critério utilizado pelo banco. De acordo com a empresa, a nova modalidade funciona nos moldes de um cartão normal. “Conforme usam o cartão e pagam suas faturas em dia, os clientes criam um histórico e aumentam a chance de conseguir um limite pré-aprovado no futuro”, explicou a instituição ao Metrópoles.
A principal diferença é que no começo dessa jornada de crédito o cliente deve fazer um depósito de garantia ao banco para ter o limite liberado.
Cartões consignados
Aos aposentados, pensionistas e funcionários públicos há mais opções de acesso ao crédito. O Metrópoles fez uma lista das instituições financeiras que possuem cartões consignados – modalidade em que o pagamento das compras é descontado diretamente em folha ou benefício do INSS. Confira abaixo.
1. Cartão BMG Card
2. Cartão Santander SX
3. Cartão Consignado Banco PAN
4. Pré-pago Proteste Mastercard
5. Cartão Consignado do Banco Bradesco
6. Cartão Caixa Simples
7. Cartão Ourocard pré-pago
8. Cartão de Crédito pré-pago Mercado Pago
Desemprego e crédito
Conforme a opinião dos economistas, o desemprego é o principal vilão causador da inadimplência no Brasil. Na quarta-feira (30/6), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que o país manteve o nível recorde da série histórica de desocupação, devido à pandemia da Covid-19. Entre fevereiro e abril, o número de desempregados chegou a 14,8 milhões.
Isso significa que 14,7% do país não tem um trabalho. Em igual período do ano passado, quando a pandemia já se alastrava, a taxa estava em 12,6%.
Isso impacta diretamente na intenção dos brasileiros de pedir crédito, uma vez que, sem renda fixa, as famílias têm mais dificuldade para pagar suas contas.
De acordo com uma pesquisa encomendada pela fintech FinanZero, realizada pela agência Conversion, 44,4% dos brasileiros entrevistados têm a intenção de pedir empréstimo nos próximos 90 dias. O estudo conversou com 500 pessoas.
Destes, 62,61% informaram que vão recorrer aos empréstimos on-line. Outra parte dos entrevistados (50%) pretende solicitar um empréstimo direto em uma agência bancária física, enquanto 8,11% pretendem solicitar um empréstimo informal.
“Estes dados estão totalmente atrelados ao atual momento do país, em que a economia tenta, a passos curtos, uma retomada no setor. Enquanto isso, a população sofre com o desemprego e o acúmulo de dívidas, por exemplo”, destaca Cadu Guidi, sócio-diretor da FinanZero.
Banco Central
O Metrópoles questionou o Banco Central sobre quais medidas o governo adotou, ou busca adotar, para ajudar os brasileiros a saírem do endividamento. Em resposta, a autarquia afirmou que desenvolveu três linhas de crédito.
A primeira é o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), que é destinado para pequenas e médias empresas pagarem salários diante da pandemia da Covid-19, como se fosse um financiamento. Os juros fixados são de 3,75% ao ano, com carência de seis meses e prazo de 36 meses para o pagamento.
Outra medida é o Pronampe, o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Com a finalidade de oferecer crédito para esses estabelecimentos, o programa possibilita o investimento ou o custeio das despesas operacionais. Por exemplo, as organizações podem comprar máquinas e equipamentos ou adquirir matérias-primas, por exemplo. As empresas não podem usar o recurso para distribuir lucros ou dividendos para seus sócios.
Por fim, a Peac Maquininhas, que é uma modalidade de crédito garantido por vendas com máquinas de pagamento digital para microempreendedores individuais (MEIs) e micro e pequenas empresas.
No diagnóstico do economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do extinto Ministério de Planejamento, as medidas ajudam, mas ainda são muito tímidas perto do que se poderia fazer.
“Esses programas estão longe de serem algo de fato eficiente”, comenta Velloso. “Numa situação como essa em que estamos vivendo, o certo era emprestar dinheiro para os que têm menos, para os mais sofridos, mais pobres, mais necessitados, sem grandes burocracias. O governo deveria dar um empréstimo em condições hiperfavorecidas, com prazos longos e juros baixos”, afirma.
“O sistema bancário privado tem capacidade de operacionalizar recursos, mas foge do tipo público que mencionei. O governo pode fazer isso. Qualquer pessoa deveria poder dizer: eu quero receber tanto do programa tal. E o banco entrega naquelas condições. Os programa atuais do governo são tímidos, mero paliativos, que vão ajudar, mas não vão tirar as pessoas da pendura”, conclui o especialista.