Pandemia do coronavírus atinge setor hoteleiro nacional como um “tsunami”
Muitos hotéis, hotéis-fazenda, resorts e pousadas fecharam as portas. Entidades de turismo estimam em R$ 14 bilhões os prejuízos do segmento
atualizado
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Ruas vazias, cidades com medo e pessoas isoladas em casa para combater um inimigo invisível. Esses são alguns efeitos colaterais da pandemia do novo coronavírus. O que fazer nesse caso? “Fugir para as colinas”? Ou, quem sabe, para um hotel? Opção um tanto quanto improvável, já que a maioria dos hotéis, hotéis-fazenda, resorts e pousadas está fechada ou enfrenta uma grande crise por conta da Covid-19.
“Veio o tsunami e estávamos na praia”, compara o presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Orlando de Souza, a respeito do impacto econômico causado pela pandemia. Ele também alerta: o setor hoteleiro será um dos últimos a “sair do tsunami”.
De fato, a pandemia atingiu em cheio o setor, que, segundo a Asociação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH), oferece mais de 1,3 milhão de empregos diretos e 675 mil indiretos, gerando cerca R$ 31,8 bilhões para economia nacional. Afinal, a forma mais eficaz de se combater o coronavírus, segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), é o isolamento social, exatamente o oposto do que se encontra em hotéis, pousadas, resorts etc, onde a meta é confraternizar.
Orlando de Souza conta que, de uma hora para outra, o desempenho dos hotéis caiu consideravelmente. Quando questionado sobre a dimensão da crise, ele cita uma pesquisa da Cielo na qual aponta uma queda de 92,7% no setor hoteleiro, no quesito ocupação de leitos, desde o mês de março.
De acordo com o Ministério do Turismo, os hotéis já estão atingindo os seus menores índices de ocupação e as agências de viagens têm recebido mais de 50% dos cancelamentos de pacotes turísticos. Isso levou a ABIH a lançar a campanha “Não cancele. Remarque”.
A situação levou as principais associações nacionais do setor de turismo a se unirem em torno de uma “carta aberta” ao governo federal. No documento, contabilizam R$ 14 bilhões de prejuízos no setor de turismo desde o início da crise, com 295 mil demissões, impactando sobre 571 atividades econômicas dependentes do segmento, que abriga cerca de 7 milhões de empregos, entre diretos e indiretos, representando 8,1% do PIB nacional.
Sem meias palavras, as entidades que representam resorts, hotéis e parques pedem ao governo dinheiro para sobreviver. “Os meios de hospedagem, desde pequenas pousadas aos grandes hotéis, não conseguirão sobreviver sem hóspedes”, reforça a ABIH.
Na UTI, sem respiradores
“Já estão na UTI. Precisam de ‘respiradores’ e um remédio de uso contínuo por três anos para conseguirem sua alta, ou seja, recuperação completa”, diz a carta, assinada por: Resorts Brasil, Sistema Integrado de Parques e Atrações Turísticas (Sindepat), Associação das Empresas de Parques de Diversões do Brasil (Adibra), União Nacional de CVBx e Entidades de Destinos (Unedestinos), Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) e Brazilian Luxury Travel Association
(BLTA), além do FOHB e da ABIH.
As associações também buscam a extensão da Medida Provisória 936, que dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento da crise da Covid-19, por mais 120 dias após o termino. “Teremos uma recuperação muito lenta, as pessoas ficarão com medo de sair prejudicadas financeiramente”, destaca Orlando de Souza.
O presidente também afirma que o setor hoteleiro vem passando por uma crise desde 2013 e só em 2017 começou a se recuperar. “É como se uma pessoa tivesse pegado uma grande gripe e, quando começou a melhorar, ela pega uma dengue e segue debilitada”, comparou.
Sem alta temporada
O diretor-geral do Beach Park de Fortaleza (CE) e presidente do Sindepat, Murilo Pascoal, coloca que o turismo é um dos poucos setores que praticamente pararam por completo. “Você não reduz sua produtividade. Você zera”, lamenta. Sobre o pós-crise, ele diz: “Não haverá alta temporada. Não usaremos, na maior parte das vezes, nem 50% da capacidade que planejamos para o ano”.
“Vamos precisar de linhas de crédito com juros baixos que cheguem na ponta para atender hotéis e restaurantes. Pousadas serão muito necessárias. Estou falando do pequeno, do médio e do grande portes. Todo mundo vai sentir. Veja a Disney, que informou a mais de 43 mil trabalhadores, somente da unidade de Orlando, que eles ficarão em casa, sem receber, em licença não remunerada”, observa Murilo Pascoal.
Ele ressalta que, neste momento, o poder público deve olhar com atenção para o setor do turismo. Sediado no Ceará, o terceiro estado mais afetado pela pandemia, com mais de 7 mil casos da Covid-19 e quase 500 mortos, o Beach Park também deve doar 30 toneladas de alimentos e bebidas, arrecadar outras 20 toneladas por meio de doações e parcerias e destinar tudo às comunidades do entorno e região de Aquiraz, onde milhares de famílias vivem do turismo.
Turismo rural
No chamado turismo rural, os hotéis-fazenda não escaparam da fúria do coronavírus. O hotel-fazenda Águas Emendadas, localizado a 55 km da Rodoviária Central de Brasília, é mais um que permanece com as atividades suspensas desde o dia 23 de março, mesmo com uma pequena procura por parte de hóspedes.
De acordo com o proprietário, Marcelo de Barros, o hotel recebe cerca de cinco e-mails por dia, um número muito baixo em vista dos 70 quartos disponíveis e a capacidade para atender 320 pessoas entre hospedagem e day use.
Barros também diz que os seus 45 funcionários tiveram 70% da jornada de trabalho suspensa. A expectativa era de um estabelecimento lotado nesse período de feriados, com muitas famílias. Hoje, só há alguns funcionários para cuidar da manutenção.
Situação crítica
O comércio de Pirenópolis, a 145 km de Brasília e a 122 km de Goiânia, passa por uma situação crítica, com o acesso à cidade restrito e a entrada de turistas proibida. O município tem um dos hotéis-fazenda mais conhecidos do Brasil, a Pousada dos Pirineus, que se viu obrigada a fechar as portas.
Em entrevista ao Metrópoles, a proprietária do local, Mercia Crema, se mantém otimista: com quase 200 funcionários, a empresária diz que não pretende demitir ninguém. “Temos uma equipe muito boa”, explica.
Ela aproveita para fazer uma manutenção no hotel, serviço que conta com 30 funcionários auxiliando nesse momento de pandemia.
Mas os desafios não param por aí: a Pousada dos Pirineus está prestes a ganhar um novo hotel 6 estrelas, projetado por uma arquiteta cearense. Porém, o investimento, que já saiu do papel, terá que ser adiado, provavelmente para o fim de 2021.
O hotel também precisou cancelar sete grandes eventos que aconteceriam na segunda quinzena de março. Para a Semana Santa, a metade do resort estava reservada para hóspedes do mundo inteiro. “O prejuízo que temos é imenso, uma coisa impressionante”, diz Mercia.
E no epicentro…
Epicentro da pandemia no Brasil, o estado de São Paulo tem a quarentena prevista para ser flexibilizada a partir de 11 de maio. O Metrópoles procurou quatro hotéis-fazenda no estado. Porém só um retornou, e a resposta é desanimadora: mantém as atividades encerradas.
“Estamos seguindo as orientações do governo do estado de São Paulo e estamos fechados”, divulgou o Hotel-Fazenda Areia que Canta, localizado a 225 km da capital paulista. A realidade é desanimadora. Pelo menos, até o “tsunami” passar.