Diplomatas de alto escalão no Itamaraty informaram à reportagem que quatro empresas nacionais já foram retiradas da lista de exportadores para a Europa. Ainda que os nomes não tenham sido divulgados, duas delas são do setor de aves. No total, 260 estabelecimentos no Brasil tinham direito de exportar para a Europa.
O governo insiste que o embargo, portanto, se refere a apenas 1,5% dos estabelecimentos. Mas não informou o quanto o embargo representa em termos do volume exportado. Nas próximas semanas, o comissário de Assuntos de Saúde da UE, Vytenis Andriukaitis, viajará ao Brasil e o tema estará no centro dos debates.
“As autoridades brasileiras confirmaram que estabelecimentos envolvidos no escândalo foram suspensos de exportações para a Europa”, indicou a Comissão Europeia em um comunicado. Mas Bruxelas voltou a fazer um novo pedido e solicitando que “detalhes sobre produtos recentemente certificados de estabelecimentos implicados e que estão atualmente em rota” para o mercado europeu.
“Em outras palavras, estamos no processo de garantir que qualquer um dos estabelecimentos implicados na fraude seja suspenso de exportar para a UE”, disse o bloco, por meio de sua porta-voz Aikaterini Apostola. Segundo ela, nenhum alerta específico foi feito em relação à carne que está no mercado europeu.
Bruxelas deixou claro que já pediu uma vigilância maior e controles extras por parte de seus governos, recomendando que a verificação seja física e de documentos em cada um dos carregamentos brasileiros.
A suspensão europeia foi anunciada pelo porta-voz da Comissão Europeia para assuntos de Saúde, Enrico Brivio, numa coletiva de imprensa em Bruxelas. “Estamos em um processo para garantir que todos aqueles envolvidos na fraude não possam exportar para a Europa”, disse, lembrando que Bruxelas manteve “intensos contatos diplomáticos com o Brasil” nos últimos dias. “Pedimos ações e esclarecimentos”, disse.
União Europeia pede que membros do bloco adotem “uma vigilância extra” ao tratar de qualquer produto brasileiro no setor de carnes
Ao Estado, Brivio explicou que os europeus pediram no fim de semana que as autoridades brasileiras retirassem da lista de exportadores todos aqueles citados no escândalo. “Agora, cabe ao Brasil seguir nosso pedido. Eles garantiram que fariam isso”, disse à reportagem. “Depois veremos se isso de fato ocorreu e vamos continuar em contato com as autoridades brasileiras”, indicou.
Bruxelas explicou ainda que, se essas empresas continuarem na lista de exportadores, seu produtos serão barrados uma vez que tenham chegado na Europa. “Caso sejam inocentadas, obviamente voltarão a exportar”, explicou Brivio.
Vigilância
Segundo ele, a recomendação aos 28 governos europeus é de que sejam “extra-vigilantes” com todo o carregamento de carnes do Brasil e que “aumentem os controles nas fronteiras.” Brivio, porém, insiste que até agora nenhuma irregularidade foi registrada na entrada de carnes nacionais. “Mas pedimos vigilância e um aumento de controles”, disse.
Bruxelas estima que o setor de frangos será o mais atingido. “Só uma pequena parte (do volume fraudado em carnes bovinas) parece ter sido exportado”, disse. “Mas estamos avaliando a situação com o Brasil e pedindo esclarecimentos para garantir que todos os lados envolvidos sejam suspensos de vender para a Europa”, indicou.
Daniel Rosario, porta-voz de Comércio da Europa, insistiu que, apesar do escândalo, o caso não deve afetar as negociações que começam nesta segunda-feira com o Mercosul, em Buenos Aires. Segundo ele, ao fechar um acordo com o Brasil, a Europa não irá reduzir suas exigências em termos de saúde.
OMC
Mas a contaminação do caso nas relações bilaterais do Brasil já é uma realidade. A partir de terça-feira, o caso chegará ainda à Organização Mundial do Comércio (OMC) e os negociadores brasileiros já foram solicitados a explicar a dimensão do escândalo e como o comércio internacional seria afetado. O caso não será tratado pelos juízes da entidade. Mas em comitês técnicos.
Desde a eclosão do novo caso, os principais parceiros comerciais se mobilizam para levantar o assunto durante a reunião em Genebra. Diversos governos também indicaram que querem pedir reuniões bilaterais com o Brasil nesta semana para obter esclarecimentos sobre a fraude na carne.
O Itamaraty, junto com técnicos do Ministério da Agricultura, se prepara para dar uma resposta, trazendo os detalhes da investigação da PF e tentando reverter os embargos. Mas, ao mesmo tempo, o governo vai insistir que o escândalo não envolveu exportações e que, portanto, uma suspensão do comércio não seria justificada. O governo também vai bater na tecla de que foram as autoridades nacionais quem investigaram e puniram o esquema e que, portanto, não tentam esconder o caso.
Pressão
Mas, dentro da Europa, a pressão cresce por parte de deputados e produtores que exigem da Comissão Europeias ações contra o Brasil. Maior concorrente da carne brasileira no mercado europeu, os produtores irlandeses pediram oficialmente à Comissão Europeia o “embargo imediato de toda a importação de carne do Brasil “, e não apenas das empresas afetadas.
“Precisamos ir além de um bloqueio apenas das empresas envolvidas”, disse o presidente da Associação de Produtores de Carne da Irlanda, Patrick Kent. “É ultrajante que a UE continue dando uma segunda chance ao Brasil, mesmo depois que o Escritório de Veterinária tenha produzido informes continuamente mostrando deficiências das práticas no Brasil”, disse.
Segundo ele, as informações de que propinas existiam no sistema de registros no Brasil “era algo que todos desconfiávamos que existia”. “Por muito tempo temos ouvido relatos como o que que a polícia agora nos confirmou”, disse.
“O pior de tudo é a tentativa de sacrificar a qualidade da produção de carne na Europa ao negociar um acordo comercial bilateral com os países da América do Sul”, atacou. “O impacto disso seria minar totalmente os produtores europeus e irlandeses, inundando a Europa com carne brasileira, barata e abaixo do padrão”, denunciou.
Na avaliação do produtor, os consumidores europeus não tem nada a temer, enquanto estiverem sendo abastecidos por produtos de “qualidade europeia”. “Fizemos grandes saltos e temos um setor altamente regulado e o mínimo que podermos esperar é que não sejamos sabotados por importações baratas”, disse. “Carne de qualidade custa dinheiro. A maioria dos consumidores europeus quer alimentar suas famílias com o melhor e chegou a vez de a UE priorizar saúde e agricultura viável, e não acordos estranhos”, afirmou Kent.
“Chegou a hora de parar de sacrificar os produtores europeus, em troca de alguns bilhões a mais para um pequeno número de multinacionais”, denunciou.
O deputado irlandês, Michael Fitzmaurice, ainda anunciou que iria pedir que o governo da Irlanda convoque uma reunião de emergência de ministros de Agricultura para “implementar um embargo imediato” sobre a “carne e outros produtos do Brasil”.