“O teto de gastos não funcionou”, diz economista-chefe do Banco BV
“O que vimos acontecer foi o esforço de driblar a regra o tempo todo, e não de fazer escolhas”, afirma Roberto Padovani
atualizado
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Criado em 2016 como um instrumento para controlar a dívida pública, o teto de gastos não funcionou adequadamente no Brasil. A avaliação é do economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, que prevê a necessidade de uma nova âncora fiscal para sustentar as despesas do próximo governo.
Nesta quinta-feira (8/12), ao fazer um balanço da situação econômica do país e traçar perspectivas para 2023, Padovani lamentou que o teto de gastos tenha sido desvirtuado nos últimos anos.
“O teto de gastos não funcionou no Brasil. É uma ideia muito bacana e interessante, mas não funcionou. O que vimos acontecer foi o esforço de driblar a regra o tempo todo, e não de fazer escolhas”, afirmou o economista-chefe do BV.
A emenda constitucional 95, que instituiu o teto, previa um limite de aumento de gastos do governo atrelado ao aumento da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Assim, o orçamento disponível para gastos da União só poderia ser reajustado em um ano levando em consideração a inflação do ano anterior.
Ao comentar a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição pelo Senado, que amplia o teto em R$ 145 bilhões por dois anos para custear o Bolsa Família, além de abrir margem de mais R$ 23 bilhões para outros investimentos, Padovani chamou atenção para a necessidade de controle de gastos.
“A situação que estamos vivendo no Brasil torna esse controle de despesas inescapável. Achamos que haverá uma regra fiscal mais branda, com uma folga maior”, disse. “A saída do Senado ontem foi essa. Não tiraram o Bolsa Família do teto, mas aumentaram o teto.”
Segundo o economista-chefe do BV, “a tendência é que se discuta um limitador de despesa um pouco mais flexível, com um escape”. “Talvez seja um teto com mais flexibilidade, com mais cláusulas de escape, com mais facilidade de mudança. Isso tem um lado bom, mas o lado ruim é que as pessoas vão desconfiar mais dessa regra”, alerta.
As projeções do banco apontavam para um valor extrateto que poderia ficar em R$ 90 bilhões por um ou dois anos, bem menos do que os R$ 168 bilhões aprovados pelos senadores. A PEC agora será votada na Câmara dos Deputados e ainda pode ser “desidratada”.
“Achamos que será difícil aumentar a carga tributária para compensar, de alguma forma, esse gasto extra. O mundo ideal projetaria um aumento de impostos na mesma magnitude, mas sabemos que isso não é viável neste momento”, diz Padovani.
“A sociedade não vai aceitar mais impostos ou mais inflação e, dificilmente, os investidores vão aceitar que o país se endivide mais. Isso exigirá uma nova regra fiscal para trazer tranquilidade”, completou o economista.
Amplo apoio à PEC no Senado
A PEC da Transição recebeu 64 votos favoráveis e 16 contrários, em votação de primeiro turno no Senado. No segundo turno, a medida foi aprovada por 64 votos a 13.
Com a nova regra, o futuro governo Lula poderá pagar o Bolsa Família de R$ 600, além de R$ 150 por criança de até 6 anos a partir de janeiro de 2023.
Orientaram favoráveis ao texto, em dois turnos, as bancadas de MDB, PSD, PT, União Brasil, PDT, PTB, Pros, Cidadania, PSB, Republicanos e Rede. Apenas o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e o PP foram contrários à proposta. Podemos e PSDB liberaram suas bancadas.