“O crime do hacker é tão grave quanto o assalto”, diz presidente da Caixa
Em entrevista ao Metrópoles, Pedro Guimarães falou sobre ação de piratas virtuais, clonagem de seu celular e novo programa social
atualizado
Compartilhar notícia
O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, está numa cruzada contra os golpes virtuais cometidos por hackers, que obrigaram o banco público a bloquear cerca de 3 milhões de contas digitais do auxílio emergencial contra o coronavírus e que vitimaram a ele mesmo, que teve seu celular invadido e dados pessoais divulgados pela internet. “Esse ataque não me abala, só mostra que estamos no caminho certo”, afirmou ele em entrevista exclusiva ao Metrópoles.
Para o gestor, em um momento no qual o banco alcança 120 milhões de brasileiros com algum auxílio durante a pandemia, incluindo a liberação de um percentual do FGTS, é fundamental proteger o sistema contra as ameaças virtuais. “Os hackers estão roubando dos mais carentes num momento de pandemia, é inaceitável”, disse ele, em uma conversa mantendo o distanciamento social na sede da Caixa, em Brasília.
Entre os assuntos tratados, estão o recadastramento que milhões de pessoas terão de fazer para desbloquear as parcelas de R$ 600 e o impacto de levar 40 milhões de pessoas para o sistema bancário. “Vai nos possibilitar gerir um programa de microcrédito para pessoas que não tinham opções, iam para as mãos de agiotas”, promete ele. Veja os principais trechos:
A Caixa bloqueou milhões de contas e pediu que as pessoas resolvam nas agências. Não vai causar aglomeração como no começo dos pagamentos?
Dos bloqueados, 51% tem indícios grandes de fraudes, só que essas pessoas não vão [ao banco resolver]. Quem vai é quem tem a conta bloqueada, normalmente, sem precisar ser bloqueado. São os demais 49% que tiveram algum problema de cadastro.
Esse segundo grupo não precisa ir para a agência, porque a gente vai resolver pelo celular, pelo aplicativo.
Já o cara faz um e-mail com 20 números aleatórios – ninguém faz um e-mail com [os dígitos] 3, 4, arroba. Então, quando se tem e-mail que certamente tem um indício muito grande de fraude, porque normalmente são aqueles tentando vários e-mails. Então, esse tipo é muito difícil que a pessoa vá lá, porque ela vai ter que mostrar que é ela mesmo.
Como foi o golpe dos hackers?
Hoje, o número de golpes é praticamente zero, mas tivemos um momento de fraude, que foi exatamente na transição entre aquelas filas gigantescas e começar a pagar pelo aplicativo. Foi uma semana em que a gente não tinha todas as defesas que temos hoje. Tanto que as fraudes aconteceram lá atrás e a gente extinguiu logo. Vimos muito rapidamente e impedimos que várias pessoas pudessem sacar. Do ponto de vista financeiro, [o prejuízo aos cofres públicos] é baixo, está totalmente de acordo com as expectativas. Mas foram 10 dias de problemas, em maio.
São três grupos: um deles, pequeno, que efetivamente conseguiu ter a fraude. Quando a gente paga uma conta, a pessoa hackeou um nome. Você, mais humilde, demorou 20 dias pra fazer seu cadastro, mas o cara se cadastrou antes e, quando a pessoa foi receber, viu que já tinha sido pago. Essa pessoa vai ter que mostrar que é ela. Segundo grupo: esses e-mails malucos, com muitos caracteres aleatórios. Se existir, a pessoa terá de mostrar que é ela. E o terceiro grupo é das dúvidas, que podem ser tiradas no aplicativo. E não precisa ser em agência.
E será possível identificar os hackers e recuperar o prejuízo?
Sim, a PF está investigando. Vai dar cadeia, e é por isso que vieram tão forte pra cima de mim e da minha família. É uma demonstração de que a gente tá indo bem. Me roubaram dados que não eram da Caixa, mas meus. Vazaram todos os dados da minha vida, inclusive de apartamentos de onde saí há 25 anos, placas de carro. O que eles fizeram comigo é o que fazem com outras pessoas, mas pessoas carentes, que precisam do auxílio.
Muitas vezes se trata essa questão do hacker com romantismo. E não é, porque é bem grave. Como a gente tá indo para caminho mais digital, é tão grave [hackear] quanto o cara que pega uma arma e vai para a violência. Porque na questão do hacker, você tem um estrago muito maior. Quem assalta carro-forte consegue fazer um de cada vez, o hacker consegue fazer algumas contas por vez.
E, num momento de pandemia, eles tiram dos mais carentes. Porque nós vamos ressarcir as contas hackeadas, mas pode demorar. Então, se demorar duas ou três semanas para provar, é um tempo em que pessoas carentes vão ficar sem o recurso.
O hacker é tão nocivo quanto o assaltante, porque apesar de não estar com uma arma em punho, ele tem uma escala muito maior.
Muita gente ainda reclama que não conseguiu receber o auxílio emergencial. Por quê?
Hoje, dos 108 milhões [de pedidos] que já foram analisados, só faltam 500 mil – 200 mil estão sendo analisados pela primeira vez e 300 mil [em reanálise]. O que acontece quando a gente ouve a reclamação: não são as pessoas que estão sendo analisadas, mas os 45 milhões que foram rejeitados. E por que não foi aceito? Recebeu mais de R$ 28 mil [no ano anterior], tem menos de 18 anos. Às vezes a pessoa não consegue entender por que não têm direito, como uma mãe com menos de 18 anos.
A Caixa vai ser responsável pelo programa de renda básica que virá depois do auxílio. Pode dar detalhes?
Nós já tivemos todo esse aprendizado com o aplicativo do banco digital. Em um momento complicado, de pandemia, com 122 milhões de contas, a gente está indo bem. A Caixa vai ser a operacionalizadora desse pagamento. E a gente vai estar muito bem. Como a gente já, a ferro e fogo, teve todos os testes, vai ser melhor. Além disso, a gente vai saber muito bem as pessoas que efetivamente recebem e as contas, por exemplo. Fraudes serão marginais, porque a gente não tem mais dúvida de quem é.
Se forem 50 milhões [de beneficiários], conseguiremos. Mas não sei quantos serão, o presidente [Bolsonaro] e o ministro Paulo Guedes vão decidir, mas vai ser muito mais fácil essa organização de todo o calendário.
Qual o legado do auxílio emergencial?
Geramos visibilidade pra 36 milhões de pessoas que não estavam em nenhum cadastro e para mais de 40 milhões que não tinha conta no banco, uma bancarização que evita que eles tenham que pegar dinheiro a 20% ao mês na mão do agiota.
No interior tem muita gente vivendo em casa sem telhado e isso mudou minha vida e minha percepção. A Caixa tem um papel social fundamental. Ela é um banco com esse papel. E quando reduzimos juros de cartão, imobiliário e consignado, o pessoal [concorrência] veio junto.
Agora, vamos usar essa bancarização para oferecer o microcrédito para quem nunca teve acesso a crédito, essas pessoas que eram invisíveis para o sistema bancário. Acredito que esse é o papel da Caixa.
Não daria para fazer o que fizemos sem um banco público como a Caixa. Ia demorar mais tempo e seria fácil nos grandes centros, mas não em Pacaraima (cidade de Roraima, na fronteira com a Venezuela). A Caixa está onde os outros não estão, e temos os clientes mais carentes.