Número de ações sobre liberação do FGTS cresce 163% em meio à pandemia
Trabalhadores e desempregados têm conquistado na Justiça o direito de sacar todo o FGTS durante a crise da Covid-19
atualizado
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O número de processos para liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) cresceu 163% em meio à pandemia do novo coronavírus, segundo dados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Os números foram levantados a pedido do Metrópoles pela Divisão de Estatística e Gerenciamento de Dados Estratégicos (Dege) do tribunal, que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
A reportagem entrou em contato com os outros quatro TRFs, que não conseguiram realizar o levantamento de forma tão especificada. No entanto, a alta registrada no TRF-3, que inclui São Paulo, o maior estado do país, sinaliza uma tendência.
Entre abril e julho de 2019, 1.228 processos, entre julgamentos e liminares, com o tema Liberação de contas do FGTS foram computados no TRF-3. No mesmo período deste ano, esse número passou para 3.239.
Por causa do estado de calamidade pública decretado pelo governo federal em razão da pandemia do novo coronavírus, brasileiros têm conquistado na Justiça o direito de sacar todo o dinheiro do FGTS.
A modalidade é diferente do saque emergencial de até R$ 1.045 ou do saque-aniversário, bem como do saque-rescisão. Assim, não é necessário que a pessoa seja demitida por justa causa para ter acesso ao valor.
A legislação brasileira estabelece que o trabalhador que mora em área em situação de emergência ou estado de calamidade pública poderá movimentar o FGTS, cuja urgência decorra de desastre natural.
Dessa maneira, juízes têm se mostrado favoráveis ao saque integral do Fundo de Garantia, uma vez que o governo federal reconheceu, em 20 de março deste ano, estado de calamidade pública em todo o país.
Julgamentos e tutelas
Dentre os mais de 3,2 mil processos registrados durante a pandemia do novo coronavírus no TRF-3 com o assunto Liberação de Contas do FGTS, 1.670 são julgamentos e decisões terminativas e 1.569, tutelas e liminares.
Os dois tópicos registraram aumento em comparação com o mesmo período do ano passado, tanto no primeiro quanto no segundo grau. Em 2019, houveram 957 julgamentos e outras 217 liminares no TRF-3 sobre o assunto.
De acordo com explicações do advogado trabalhista Peterson Vilela, do escritório L.O. Baptista Advogados, o termo “julgamentos” se refere a casos solucionados pelos juízes, ou seja, com sentença proferida.
Já “tutelas e liminares” são decisões concedidas em caráter de urgência para que algo seja feito ou se deixe de fazer de forma a não prejudicar eventual direito. Essas decisões podem ser alteradas com a sentença.
“Quando o juiz concede tutela ou liminar, ele concede, em alguns casos, sem ouvir primeiro a parte contrária, mas isso não significa que tal decisão será final, pois o juiz poderá alterar por ocasião da sentença”, diz.
Crescimento adverso
O crescimento de processos relacionadas ao tema Liberação de Conta do FGTS nada em movimento contrário ao de ações impetradas na Justiça do Trabalho em meio à pandemia do novo coronavírus.
Outro levantamento, feito pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a pedido do Metrópoles, mostra que o número de ações trabalhistas protocoladas na Justiça do Trabalho neste ano é o menor desde ao menos 2014.
Em 2020, foram apresentados 846.433 processos do gênero, entre janeiro e julho. No mesmo período, no ano passado, o montante foi de 1.066.156 peças – queda de 21% nas causas relacionadas ao trabalho.
Entenda o saque
Existe um possível entrave no Decreto nº 5.113/2004, que estabelece o saque do FGTS em caso de calamidade pública. Isso porque a lei permite que se tenha acesso ao Fundo se o período for decretado por desastre natural.
A lei cita como exemplo de desastres naturais: vendavais, tempestades, ciclones, furacões, tufões, tornados, trombas d’água, enchentes, inundações e alagamentos. Pandemias – como a do novo coronavírus – não estão previstas.
No entanto, a Justiça tem considerado o grau de excepcionalidade da atual crise sanitária. Até essa segunda-feira (14/9), mais de 132 mil pessoas morreram infectadas pela Covid-19 no Brasil.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o caso do desempregado Rosenildo Cunha da Silva, que ganhou uma causa no Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (TRT-11), na vara de Manaus (AM), e conseguiu sacar todo o dinheiro do Fundo de Garantia.
No recurso, ele assegura que possui filhos menores e que, por isso, precisa sustentar a família e pagar aluguel. Ele contou também ter sido dispensado por justa causa, o que o impede de ter acesso, além do FGTS, ao seguro-desemprego.
“Nas circunstâncias atuais, o quadro é diverso”, escreveu o juiz trabalhista Julio Bandeira de Melo Arce, ao considerar que a pandemia é um “desastre natural de proporções globais”.
Valor do saque
De acordo com o artigo 4º da norma que autoriza o resgate do FGTS em caso de calamidade pública, o “valor do saque será equivalente ao saldo existente na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220”.
Nesse caso, contudo, o juiz do TRT-11 destacou que a legislação não prevê situações como a pandemia e, por isso, “tal limite incide no caso concreto em razão da amplitude e profundidade da crise sanitária, econômica e social que vivenciamos”.
Como pedir
O advogado Peterson Vilela explica que a pessoa deve reunir o máximo de documentos que possam comprovar essa necessidade pessoal de obter o dinheiro, por ter sido afetado pela crise econômica.
Segundo ele, não basta entrar com uma ação, é preciso apresentar prova documental. É necessário mostrar documentos que consigam convencer o juiz que, de fato, precisa do dinheiro – como eventual pagamento de aluguel ou se a pessoa está com contas atrasadas.
“Documentos que demonstrem que as despesas que a pessoa tem e poderiam ser honradas com o próprio salário não estão sendo honradas porque ou a pessoa está tendo só auxílio do governo ou teve redução de salário”, explica o advogado.
“Claro que a pessoa não vai pedir para sacar o FGTS e tentar comprovar com gastos supérfluos, ou seja, não vai alegar que comia filé mignon e hoje come acém. A pessoa tem que comprovar que o FGTS será para ter o básico de dignidade”, completa.
Nesse sentido, Peterson separou uma série de documentos que podem ser usados durante a ação judicial e aumentar as chances de sacar todo o FGTS. Ele recomenda que o processo seja auxiliado por um advogado trabalhista. Veja a lista:
- Contrato de locação e eventual carta de cobrança;
- Boleto de condomínio e carta de cobrança;
- Boleto de plano médico;
- Comprovantes de água, energia, gás e provedor de internet;
- Mensalidade escolar;
- Extrato bancário para demonstrar eventual saldo negativo;
- Holerite com redução de salário (se a pessoa passou por essa alteração em razão da pandemia);
- Notas de compras de alimentação e remédio.