“Não vamos construir uma nova casa”, diz secretário nacional de habitação
Alfredo Santos explica guinada na política habitacional do governo. Medidas estão sendo analisadas e podem resultar em um novo perfil
atualizado
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Após uma década de grandes empreendimentos e milhares de famílias recebendo casas quase totalmente subsidiadas pela União, a política habitacional no Brasil deve sofrer uma guinada, já iniciada com o programa Casa Verde Amarela (focado em financiamentos de imóveis a juros menores) e que pode ser acentuada com outras políticas de incentivo a crédito e de aluguel social ainda em estudo pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), pasta responsável pelo tema no governo federal.
O secretário nacional de habitação do MDR, Alfredo Santos, antecipa ao Estadão um cardápio de medidas que estão sendo analisadas e que podem resultar em um novo perfil de atuação do governo federal, deixando a entrega de casas restrita a um público específico formado por famílias com idosos carentes, pessoas com deficiência ou vítimas de calamidades e desastres naturais.
A pandemia mudou a forma como o brasileiro se relaciona com a casa e escancarou a precariedade dos lares.
“O programa Minha Casa, Minha Vida se tornou a política pública de habitação pela dimensão que tomou, e foi um programa exitoso, mas com alguns problemas graves. Estamos tentando mudar essa visão, porque temos diversidade muito grande nas regiões do país, dentro das próprias cidades, e as demandas são diferentes”, afirma.
Um dos focos de ação é a regularização de casas que já existem, inclusive com melhorias para sanar inadequações, como a falta de um banheiro. Essa frente está em parte contemplada no programa já lançado, mas a ambição do governo é trazer a iniciativa privada para dar acesso a crédito a um maior número de famílias e, assim, resolver o gargalo que a falta de recursos públicos impõe à política. Mais de 10,8 milhões de habitações brasileiras precisam de melhorias para se tornar adequadas.
“Tem um mercado estimado em R$ 13 bilhões que gira em torno de reforma, melhoria ou ampliação de forma desordenada dessas unidades. A gente chama de mercado ‘formiguinha’. Está em análise levar a esse público linhas de crédito para acelerar esse processo de melhoria das condições de habitação”, diz Santos. O dinheiro viria acompanhado de assistência técnica para melhorar a qualidade das reformas e evitar desastres como desabamentos.
Segundo o secretário, esses financiamentos custam hoje ao redor de 4% ao mês, consumindo uma fatia muito grande do orçamento das famílias. A ideia é reduzir o porcentual para menos de 2% ao mês com a ajuda de um fundo garantidor, que poderia ser constituído com recursos da iniciativa privada. O chamariz seria justamente a possibilidade de ampliar a movimentação desse mercado, hoje com potencial restrito pelas dificuldades de execução de garantias e alta inadimplência.
“Para melhoria habitacional do parque já existente, nós não conseguimos enxergar nenhuma solução que não passe por viabilização de crédito de uma forma sustentada ao longo do tempo e que seja compatível com a capacidade de pagamento das pessoas”, afirma Santos. “O poder público muito pouco vai poder fazer em termos de melhoria habitacional, porque se você for concentrar para algumas pessoas, vai atender pouca gente.”
O dinheiro público, segundo o secretário, vai apenas para as situações mais graves, em que falta quase tudo em uma lista que inclui banheiro, piso, quarto, telhado, reboco e até fiação elétrica em bom estado. “Estamos avançando um pouco mais para não só entrar na casa, só dar uma pintadinha, virar as costas e ir embora, por dentro a casa ficar igual. Mas não vamos construir uma nova casa, essa hipótese está afastada”, diz.
Para os casos em que apenas a melhoria não é solução suficiente (como é o caso de quem vive em casa de taipa, por exemplo), o governo analisa ao menos duas alternativas. A primeira delas é incentivar políticas de aluguel social para famílias necessitadas. Hoje, segundo Santos, as prefeituras e os governos estaduais acabam trabalhando esse tipo de política mais como um aluguel emergencial, para quem foi desalojado devido a alguma calamidade, bancando o valor integral.
“Não é disso que estou falando. A ideia é uma política de complemento na capacidade de pagamento de aluguel. O programa que eventualmente a gente venha a implantar, se entendermos que é adequado, suplementaria ou ajudaria os programas locais”, afirma.
O secretário cita o exemplo da prefeitura de Belo Horizonte, que, segundo ele, conseguiu reduzir o comprometimento da renda das famílias com aluguel pela metade, bancando uma parcela do valor pago mensalmente na moradia. A vantagem desse modelo, diz Santos, é que a família escolhe onde morar e mantém sua mobilidade, enquanto o governo tem um custo menor. Políticas de aluguel social já são o foco central da habitação em países como França e Inglaterra, cita o secretário.
Outra possibilidade, também em estudo, é erguer modelos para que estados e municípios participem de contrapartidas para reduzir os valores financiados pelas famílias no Minha Casa, Minha Vida – agora Casa Verde Amarela. Na prática, a medida ampliaria o total de subsídio dado à família de menor renda na compra da casa própria, hoje bancado majoritariamente pelo FGTS com recursos dos trabalhadores. Como os estudos são preliminares, o secretário não detalhou custos ou fontes de recursos.
O cerne da futura política, reforça Santos, é a visão de que as famílias brasileiras terão em algum momento uma renda mínima que os permita pagar uma parcela de financiamento ou parte de um aluguel social para morar de forma digna. “Se a gente imaginar que para sempre, para o resto da vida, essas pessoas nunca vão ter condições de fazer nada, a gente não sabe fazer também. Não dá para partir de uma premissa que essas famílias inteiras, inclusive os filhos, não serão capazes um dia de pagar ou adquirir um imóvel”, afirma.
Ao traçar um diagnóstico da situação habitacional no Brasil, o secretário ressalta que entre 1950 e 2020 – um espaço de apenas 70 anos – a população brasileira quadruplicou, ao mesmo tempo em que houve uma migração em massa do campo para a cidade. Mas o primeiro instrumento de planejamento urbano só chegou em 2001, com o Estatuto das Cidades. “Nós tivemos 500 anos soltos, para cada município, cada Estado fazer como imaginava.”
Até meados de 2022, o MDR pretende atualizar o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), lançado em 2009 e que acabou logo se perdendo em meio ao lançamento do Minha Casa, Minha Vida, sem nunca ter passado pelas revisões periódicas previstas a cada cinco anos. O documento é responsável por traçar um panorama detalhado das necessidades habitacionais em cada região, levando em conta o porte dos municípios e características socioeconômicas, além de fixar metas. Segundo Santos, a intenção é discutir com a sociedade civil para ter um plano “mais ligado com a realidade”.