Mil dias de Guedes: veja o que aconteceu com a economia neste período
Em campanha ao lado do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, Guedes prometeu a implementação de uma ideologia liberal no governo
atualizado
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O ministro Paulo Guedes completou mil dias como líder da área econômica do governo Bolsonaro nesta semana. Desde o início dessa gestão federal, o país testemunha uma agenda de reformas com aprovações às pressas na Câmara, mas em atraso no Senado; inflação em alta significativa; juros no maior patamar desde 2019; e um mercado instável, com o humor dos agentes econômicos flutuando conforme as declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e dos demais atores democráticos.
Às vésperas das eleições presidenciais de 2022, o barulho político atrapalha a economia, ainda mais diante da pandemia da Covid-19. A avaliação é do próprio Guedes. Na tentativa, porém, de instilar otimismo no meio da crise, o ministro da Economia tem declarado repetidas vezes, desde 2020, que o desempenho econômico do país está em forte recuperação e “decolando”. Enquanto isso, o titular da pasta federal sido atingido, em outras tantas ocasiões, por notícias que o contradizem.
Isso porque os fatos não são tão positivos quanto as expectativas do ministro. O Produto Interno Bruto (PIB), que representa a soma de todos os serviços e atividades da economia de um país, recuou, em 2020, 4,1% em comparação a 2019. A taxa, atingida diretamente pela pandemia de coronavírus, foi a menor da série histórica, iniciada em 1996. A previsão de crescimento para o ano que vem também não é das maiores. Muitos bancos falam em 1,5%. Recentemente, Guedes tem comemorado a estimativa para este ano.
“Mil dias, muita luta, muita resiliência, muita determinação. O Brasil está se levantando. Não abandonamos nossas reformas estruturantes. Mantivemos a bússola no meio da confusão”, disse, em evento na sexta-feira (1º/10). “O Brasil está tendo retorno seguro ao trabalho. Vamos crescer, neste ano, quase 5,5%. Criamos, no último mês, 376 mil empregos”, completou.
A taxa de desemprego, contudo, mesmo com leve queda, segue elevada e também provoca críticas contra o ministro. Enquanto o IBGE mostra que 14 milhões de brasileiros estão sem ocupação formal, Guedes destaca apenas os números provenientes da própria pasta, elencados por meio do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
De acordo com o indicador, no acumulado do ano, o governo criou 2.203.987 empregos. O índice registrado ocorre em decorrência de 13.082.860 admissões e de 10.878.873 desligamentos (com ajustes até agosto de 2021).
Houve, no entanto, uma mudança feita pelo próprio Ministério da Economia na metodologia da colheita de dados em 2020, que passou a considerar outras fontes de informação, além da pesquisa realizada mensalmente com empregadores.
Agora, o sistema também puxa dados do eSocial e do empregadorWeb (sistema no qual são registrados pedidos de seguro-desemprego). A alteração causou impacto no cálculo do novo Caged e impulsionou os resultados – sempre exaltados pelo ministro.
No diagnóstico da economista Elena Landau, que foi diretora do BNDES no governo de Fernando Henrique Cardoso, esse é o maior problema de Guedes: “o descolamento da realidade”. “Ele vive num mundo paralelo em função da agenda de Bolsonaro”, afirmou ao Metrópoles.
“Além disso, ele não interferiu em nenhum dos eventos que só pioraram a crise da pandemia. Ele permitiu que o presidente trabalhasse contra o isolamento, aumentando a rescisão econômica. Hoje temos uma economia muito pior do que a que o [presidente Michel] Temer deixou”, completou.
Agenda de Guedes x agenda de Bolsonaro
Em campanha ao lado do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, Guedes prometeu a implementação de uma ideologia liberal no governo, com amplas reformas estruturais e privatização de estatais. Em quase três anos de administração, essas promessas patinam para serem cumpridas.
O descontentamento com os atrasos nas reformas e a desconfiança de que as privatizações não ocorreriam fez com que a pasta econômica perdesse ao menos 12 nomes, conforme já mostrou o Metrópoles. Dentre os principais, os secretários Salim Mattar e Paulo Uebel – responsáveis pelas áreas de privatização e desburocratização, respectivamente.
“A saída de Salim Mattar prova que a agenda de privatização não andou, não colou. Era uma agenda só do Guedes e que não era compartilhada com Bolsonaro”, afirma o ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério de Planejamento do governo de José Sarney Raul Velloso.
“Não sei se vale a pena comemorar mil dias de governo, porque o país não vai mostrar crescimento nenhum, nem no ano que vem. Está muito difícil. As pesquisas mostram Bolsonaro lá embaixo. Não há quem acredite que exista algum fator que anime a economia no último ano de um mandato maluco”, lamentou.
Sem conseguir fazer as promessas deslancharem até agora, Guedes hoje prevê que seja possível zerar o déficit primário até 2022. Há um rombo de quase R$ 20 bilhões no resultado de agosto de 2021.
“Os resultado colhidos são negativos, em geral. Na parte positiva, as despesas públicas, sem contar os gastos contra a Covid-19, estão em leve queda real em relação a 2018. Mas, no emprego, na renda e no crescimento, vamos muito mal”, avalia o diretor da Instituição Fiscal Independente, Felipe Salto.
O especialista ainda comenta que, “no campo social, o número de pessoas na pobreza ou extrema pobreza vem aumentando” e que o “Estado está falhando gravemente”.
“O Banco Central está precisando aumentar os juros, em razão das fortes pressões inflacionárias e da persistência dos indicadores de preços em níveis elevados. Isso vai produzir um novo ano perdido (2022)”, concluiu o diretor.
Guedes x Meirelles
Veja como eram os principais indicadores econômicos na época em que o ministro Paulo Guedes assumiu o governo, após Temer deixar o poder. O ministro da Fazenda em 2018 era Henrique Meirelles.
A) Inflação
A inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou 2018 em 3,75%. Em 2017, ela havia ficado em 2,95%. Na época, o principal responsável pelo aumento dos preços era o custo com a alimentação. O governo sofria com o impacto da greve dos caminhoneiros, que ocorreu em maio daquele ano e provocou desabastecimento de itens alimentícios.
Os alimentos consumidos em casa ficaram 4,53% mais caros no ano, enquanto os preços dos alimentos consumidos fora de casa (em bares e restaurantes, por exemplo) subiram 3,17%. Mesmo assim, a inflação ficou dentro da meta estabelecida pelo Banco Central para 2018, que varia de 3% a 6%.
Atualmente, sem greve dos caminhoneiros, a inflação oficial do país chegou a 9,68% nos últimos 12 meses. A tendência é que os números continuem aumentando até o fim do ano e afetem diretamente o bolso do consumidor na compra de combustíveis, alimentos e gás de cozinha, principalmente.
Em agosto, o IPCA atingiu 0,87%, o maior para o mês desde 2000. Em julho, o indicador havia sido de 0,96%. Desde março, o índice só se distancia do teto da meta estabelecida pelo governo para a inflação deste ano, que é de 5,25%. O Banco Central já admite que não vai conseguir atingir os resultados esperados.
B) Juros
No governo Temer, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central entregou à Guedes a taxa básica de juros (Selic) em 6,5% ao ano. A taxa foi mantida por seis decisões seguidas e começou a cair, chegando a 2% ao ano em outubro de 2020, seu menor nível desde que o Copom foi criado, em 1996.
A partir de março de 2021, entretanto, os juros voltaram a subir. Em agosto deste ano, na sua última decisão, o Copom elevou pela quinta vez seguida a Selic no ano. O aumento foi de um ponto percentual, o que fez o indicador passar de 5,25% para 6,25% ao ano. Analistas estimam que a Selic aumentará até atingir 8,25% ao ano, no fechamento de 2021.
C) Desemprego
A taxa média de desocupação estava em 11,9% no ano de 2019, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). A pesquisa revelou um contingente de 11,6 milhões de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado, à época.
Neste ano, segundo os últimos dados do IBGE, a taxa de desemprego no Brasil ficou em 13,7% no trimestre encerrado em julho, mas ainda atinge 14,1 milhões de brasileiros.
O resultado representa redução de um ponto percentual em relação à taxa de desemprego dos três meses anteriores (14,7%) e é a menor taxa de desemprego no ano, mas ainda distante do indicador que aguardava Guedes quando ele assumiu sua cadeira na Esplanada dos Ministérios.