Mercado vai da euforia à impaciência com indefinição de Lula
Apesar do anúncio dos nomes da equipe de transição, apreensão é a tônica entre economistas e investidores
atualizado
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Depois de uma primeira semana pós-eleição em que o mercado reagiu bem à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL), o clima parece ter mudado em poucos dias. Em meio a incertezas na área econômica e diante da perspectiva de aumento de gastos e agravamento da situação fiscal, analistas e investidores demonstram preocupação com o rumo das contas públicas a partir de 1º de janeiro de 2023.
Na segunda-feira (7/11), o Ibovespa – principal índice da Bolsa brasileira – fechou em queda de 2,4%, na casa dos 115 mil pontos. O dólar comercial, por sua vez, começou a semana em alta de 2,4%, cotado a R$ 5,17 na venda.
O cenário de forte volatilidade marcou a terça-feira (8/11). O Ibovespa chegou a cair quase 2%, embora tenha encerrado o pregão com leve alta, após o anúncio dos nomes da equipe de transição para a economia – André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Pérsio Arida. A moeda americana bateu em R$ 5,24 na máxima do dia, mas terminou negociada a R$ 5,14 (-0,5%).
As discussões em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deve estabelecer o chamado “waiver” (uma licença para o governo gastar fora do teto de gastos) vêm ocupando o centro das atenções em Brasília. A equipe de transição deve excluir do teto o extra de R$ 150 por criança de até 6 anos a cada família beneficiária do Auxílio Brasil, além do aumento real do salário mínimo de 1,34% acima da inflação, programas habitacionais e despesas com saúde.
A PEC da Transição, como foi batizada, é considerada fundamental pela equipe de Lula para garantir o valor de R$ 600 do Auxílio Brasil – uma das promessas feitas pelo ex-presidente durante a campanha eleitoral.
Em entrevista ao Metrópoles, Gabriel Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, criticou a forma como o debate a respeito da licença “fura-teto” vem sendo conduzido. “A coisa parece que saiu do controle. Estávamos discutindo um ‘waver’ de R$ 70 bilhões, rapidamente chegou a quase R$ 100 bilhões, R$ 150 bilhões, já estamos falando de quase R$ 200 bilhões, e ainda não tem nem ministro indicado. Não tem ninguém ali para dizer não”, afirmou.
Segundo Barros, o presidente eleito deveria antecipar o anúncio de seu ministro da Fazenda e sinalizar ao mercado que a nova gestão econômica do país será composta por uma equipe mais técnica e menos política.
Leia os principais trechos da entrevista de Gabriel Barros ao Metrópoles:
Após uma primeira semana de otimismo, o mercado começa a dar sinais de impaciência com as indefinições do futuro governo na economia. Quais são as principais preocupações neste momento?
O que mais preocupa no curtíssimo prazo é o tamanho do “waiver”. As projeções que fizemos inicialmente apontavam para um “waiver” de R$ 95 bilhões, considerando apenas o que, em tese, seria emergencial. Mas o que o governo deve pedir é algo em torno de R$ 175 bilhões. Fica a preocupação porque, além de o “waiver” ser muito grande, já começa a haver uma discussão sobre tirar o Auxílio Brasil, com o adicional de R$ 150 por criança, do teto de gastos. Preocupa porque a coisa parece que saiu do controle. Estávamos discutindo um “waver” de R$ 70 bilhões, rapidamente chegou a quase R$ 100 bilhões, R$ 150 bilhões, já estamos falando de quase R$ 200 bilhões, e ainda não tem nem ministro indicado. Não tem ninguém ali para dizer não.
O rombo fiscal já vinha sendo motivo de preocupação havia meses, com o estouro das contas públicas para financiar benefícios e programas sociais antes da eleição. Diante desse cenário, qual é o tamanho do problema do Brasil na área fiscal?
O problema é grande. Nós estamos falando da necessidade de, aproximadamente, 4% do PIB só em ajuste fiscal. É bastante coisa, isso vai dar cerca de R$ 400 bilhões. Não dá para fazer tudo de uma vez só. A discussão do “waiver”, infelizmente, está começando com aumento de gastos, e não com diminuição de despesas. Temos um ajuste duro para ser feito e, em meio a esse desafio, estamos ampliando gasto, em vez de cortar. Infelizmente isso tem sido pouco falado, mas ainda há espaço para cortar despesas. A medida mais óbvia é a reforma administrativa, que está quicando na área e não foi aprovada. Uma reforma administrativa que não atinge os servidores atuais, por exemplo, conseguiria economizar pouco mais de R$ 200 bilhões em dez anos. É relevante começar pelo corte de gastos porque você tem mais espaço para fazer também uma reforma tributária de qualidade, que, de fato, foque em melhorar a eficiência do sistema, e não simplesmente arrecadar mais para pagar despesas adicionais.
A especulação em torno do nome de Fernando Haddad (PT) para o Ministério da Fazenda no futuro governo Lula também gerou apreensão em setores do mercado, que defendem alguém com perfil mais técnico. Essa indefinição atrapalha?
Dado que o governo escolheu ir pelo caminho de negociar uma PEC, acho que deveriam antecipar a indicação do novo ministro. Essa indicação poderia ser postergada se tivessem deixado para o ano que vem esse debate sobre ampliação de benefícios e definição da regra de gastos. Já que o governo tomou a decisão política de fazer isso ainda neste ano, entendo que isso naturalmente requer que o governo indique de forma antecipada quem vai conduzir o processo. A demora para indicar o ministro faz com que não haja ninguém colocando limites para o tamanho dessa fatura, que vai ficando cada vez maior. Quanto mais tempo demorar, é pior.
O primeiro mandato de Lula (2003-2006) foi marcado pela continuidade da política econômica do governo anterior, consolidando o regime de metas de inflação, metas fiscais e câmbio flutuante. No segundo mandato (2007-2010), houve uma inflexão, e Lula apostou em uma política fiscal expansionista e na ampliação de programas transferência de renda e de investimentos. O senhor espera que o futuro governo seja mais parecido com Lula 1 ou Lula 2 na economia?
Tudo vai depender da indicação do ministro. Vejo dois cenários possíveis. O primeiro é o de um ministério mais técnico, com um ministro de perfil semelhante ao de Persio Arida, Armínio Fraga, Henrique Meirelles ou Marcos Lisboa. Se o governo optar por esse caminho, o mercado vai acabar dando menos importância para as pessoas que vão ocupar o segundo e terceiro escalões. Por outro lado, se o governo montar um ministério com viés mais político, com Alexandre Padilha, Rui Costa, Wellington Dias ou Fernando Haddad, as indicações dos nomes do segundo e terceiro escalões passam a ser muito relevantes para o mercado. Até agora, o que tem circulado no noticiário não agradou muito. Se a escolha for por um ministro mais político, precisaremos ter nomes técnicos muito bons para tocar a pasta no dia a dia. É um pouco o que aconteceu no governo Lula 1, que teve o [Antonio] Palocci como ministro, mas tinha abaixo dele técnicos capacitados como Marcos Lisboa, Bernard Appy e Joaquim Levy.