Lei Aldir Blanc: 914 cidades deixaram de repassar recursos a artistas
No total, R$ 738,5 milhões seguem parados em contas de prefeituras e governos estaduais. Auxílio para setor cultural foi sancionado em junho
atualizado
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Dez meses após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionar a Lei Aldir Blanc, 914 municípios de todo o país ainda não usaram um centavo dos recursos transferidos pelo governo federal para o pagamento do auxílio emergencial a profissionais da cultura.
No total, o governo federal repassou cerca de R$ 3 bilhões a estados e municípios para o pagamento da Lei Aldir Blanc – 75% foram usados. Logo, R$ 738,5 milhões permanecem nas contas dos Executivos locais.
Além de quem simplesmente recebeu e não repassou nada ao setor cultural, outras 40 cidades usaram menos de 10% dos valores desembolsados pela União para esse fim. Os dados foram levantados pelo Metrópoles junto ao Sistema Nacional de Cultura, da Secretaria da Cultura do Ministério do Turismo.
Só nesses 954 municípios com gasto irrisório, R$ 122,5 milhões estão completamente parados. Esse montante poderia estar sendo usado para auxiliar trabalhadores do setor, um dos mais atingidos pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2).
A legislação foi sancionada em junho do ano passado. Na ocasião, o mandatário do país vetou apenas um dispositivo, que estipulava prazo de até 15 dias para que os recursos começassem a ser distribuídos. O presidente avaliou se tratar de um período bastante curto para a ação.
Na quarta-feira (21/4), a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei (PL) que reformula a Lei Aldir Blanc para prorrogar prazos de utilização de recursos repassados. A matéria será enviada para sanção presidencial.
O texto permite que estados, Distrito Federal e municípios usem, até 31 de dezembro deste ano, o saldo remanescente do dinheiro transferido para ações emergenciais de renda e projetos culturais. O que não for utilizado em 2021 deverá ser devolvido à União até janeiro de 2022.
Autor do projeto, o senador Wellington Fagundes (PL-MT) afirma ser necessário que os gestores locais deem mais atenção ao setor. O parlamentar diz receber vários relatos de artistas que ficaram sem renda durante a pandemia.
“Isso prejudica muito o trabalhador. A maior dificuldade é a falta de vontade dos prefeitos. A valorização da cultura é relativamente baixa no nosso país. Além disso, muitas cidades não têm estrutura para pedir, e outras reclamam do prazo curto de transferência”, disse Fagundes, ao Metrópoles.
Uma das cidades que ainda não gastou nada da verba repassada pelo governo federal é Belford Roxo, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. O município recebeu R$ 3,1 milhões.
Devido ao atraso e à falta de transparência por parte da prefeitura, profissionais da cultura protestaram, em janeiro deste ano, na Praça Expedicionário Eliaquim Batista, no centro da cidade. Procurado para esclarecer a demora, o Executivo municipal não se manifestou.
A presidente do Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Cultura das Capitais e dos Municípios Associados, Ana Cristina de Castro, avalia que, apesar de sancionada em junho de 2020, a lei só foi regulamentada 50 dias depois.
“Os estados e municípios tinham a lei, mas não podiam dar início às ações para a sua implementação enquanto não houvesse um decreto regulamentador, com as diretrizes para a distribuição dos recursos. Esse atraso deixou os municípios com muito pouco tempo para operacionalizar e executar a verba”, frisa Ana Cristina.
“Além disso, muitos municípios tiveram dificuldades para cumprir a burocracia necessária para o uso do recurso público no exíguo prazo de 60 dias imposto para utilização”, prossegue.
Ana avalia que a ampliação dos prazos para execução e prestação de contas dos projetos já aprovados traria tranquilidade tanto aos trabalhadores da cultura, que estão encontrando dificuldades para realizarem as propostas em virtude das restrições impostas pelas medidas sanitárias, quanto aos gestores.
“A permanência dos recursos remanescentes nos estados e municípios, por sua vez, permitiria a publicação de novos editais e contribuiria sobremaneira para a sobrevivência do setor cultural, um dos mais afetados pela pandemia e ainda sem previsão para retorno pleno das atividades”, salienta Ana Cristina.
Procurada por meio do Ministério do Turismo desde terça-feira (20/4), a Secretaria Especial de Cultura não se manifestou sobre esta reportagem. O espaço segue aberto.