Inflação alta é reflexo da falta de investimento, dizem pequenos agricultores
Presidente Bolsonaro vetou boa parte do projeto de lei que estabelecia medidas emergenciais para agricultores familiares durante a pandemia
atualizado
Compartilhar notícia
Pequenos agricultores creditam a uma suposta falta de investimento do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no setor o fato de a inflação dos alimentos, como o arroz, o feijão e o óleo de soja, ter disparado em meio à crise do novo coronavírus.
Apesar do novo Plano Safra, que entrou em vigor em julho deste ano, destinar R$ 236,3 bilhões – valor recorde – para apoiar a produção agropecuária nacional, pequenos agricultores terão direito a uma pequena parcela desse total – R$ 33 bilhões -, abaixo do esperado pela categoria.
Além disso, o presidente Bolsonaro vetou no último dia 24 boa parte do projeto de lei 735/2020, que estabelecia medidas emergenciais para ajudar agricultores familiares durante o estado de calamidade pública relacionado ao coronavírus.
Um dos dispositivos vetados, por exemplo, foi a ampliação do pagamento de cinco parcelas do auxílio emergencial de R$ 600 aos pequenos agricultores. Na justificativa, Bolsonaro disse não existir previsão do impacto orçamentário e financeiro da medida.
“Nos governos da ex-presidente Dilma [Rousseff], já havia sido tirada parte dos investimentos, mas a partir do [governo de Michel] Temer, destruíram completamente todos os instrumentos políticos”, avalia o frei Sérgio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
Juntam-se a essa suposta falta de investimento, segundo o ativista, a crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, o aumento das exportações brasileiras e a desvalorização do real frente ao dólar.
Desastre anunciado
O Metrópoles mostrou nessa sexta-feira (11/9) que o volume vendido para o exterior do arroz, por exemplo, aumentou 73,5% na comparação entre os oito primeiros meses de 2019 e o mesmo período deste ano. O preço do arroz subiu 19,25% entre janeiro e agosto.
“Com a queda drástica no investimento para o setor, já prevíamos que haveria um desabastecimento. Temos alertado isso desde 2017. Desde então, nós vimos a área produzida, a produtividade e os estoques públicos caírem. É a crônica de um desastre anunciado”, diz o frade.
De acordo com o último Censo Agro, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, cerca de 77% dos estabelecimentos foram classificados como de agricultura familiar e foram responsáveis por 23% do valor da produção.
A agricultora Lucivanda Rodrigues da Silva, de 44 anos, diz ter sentido na pele a falta de investimento do governo Bolsonaro no setor. Companheira do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), ela é dona de uma chácara em Governador Valadares, no interior de Minas Gerais.
Escoamento
O local tem 11 mil metros quadrados. Além das três vacas e das galinhas, Lucivanda tira o sustento da horta. Ela conta que a produção não foi reduzida com a pandemia, mas sim pelo escoamento, que é como os produtos chegam nas mesas dos consumidores.
“Primeiramente, a gente vive da agricultura. Então, do que a gente tem tira o sustento e o resto vende. Mas o produto do pequeno agricultor muitas vezes não tem valor, porque a gente vende nas feiras, que, para piorar, estavam fechadas durante a pandemia”, conta.
Lucivanda relata também que recebeu apenas a primeira parcela do auxílio emergencial de R$ 600, mas foi bloqueada logo em seguida e, até então, ainda não recebeu o restante do benefício. Ela lamenta a decisão de Bolsonaro de vetar a extensão do auxílio.
“Esse governo, além de não dar direito, retira o direito que a gente já tinha conquistado”, complementa.