Haddad repetirá o feito de Palocci, se for o escolhido para a Fazenda?
Possibilidade de indicação de um nome político para a Fazenda decepcionou, mas resultado pode não ser ruim se Haddad dialogar com o mercado
atualizado
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Em algum momento após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para um novo mandato, o mercado financeiro teve sua lua de mel com o futuro governo. Pode-se dizer que, em parte, isso se deu por um alívio pelo fim de uma das eleições mais radicalizadas da história, e, em parte, porque se esperava que Lula fosse abraçar a ideia de frente ampla e adotar um tom moderado.
Embora não fosse uma visão unânime, parte dos investidores e analistas consideraram a hipótese de Lula indicar um ministro da ala técnica para a Fazenda. Tanto que, em um primeiro momento, circularam nomes como o de Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central no governo Lula e ocupou a chefia da pasta durante o governo Temer, e o de Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central de Fernando Henrique Cardoso.
É provável, contudo, que o indicado será Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e candidato derrotado ao governo de São Paulo. Mesmo que não seja ele o nome, preocupa que um ministro da cota política administre a Fazenda em um momento crítico e de discussão sobre os rumos da economia e da política fiscal.
Como é próprio do mercado trabalhar com diferentes cenários, a possível nomeação de Haddad tem sido comparada com a de Antônio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro governo Lula, que teve bom trânsito entre o mercado e o governo, ao menos até ser envolvido no escândalo do Mensalão.
“O Palocci era bem visto pelo mercado e era médico, não era um ministro da ala técnica. Mas ele soube fazer pontes com interlocutores importantes e agora caberia ao Haddad fazer o mesmo e construir um apaziguamento”, diz um experiente analista de mercado que prefere o anonimato.
Para ele, o mal estar de investidores em relação ao nome de Haddad foi exagerado, mas diz que não ajuda o fato de o ministeriável ter se recolhido para evitar um desgaste antecipado.
“Além de tudo isso, o discurso em relação à PEC de Transição e aos gastos fora do teto é desencontrado. Não dá para entender o que está sendo proposto, porque a equipe de Lula não apresenta o conjunto da obra, então gera, sim, um nervosismo grande” critica ele.
Primeiro escalão político, segundo escalão técnico
A exemplo do que aconteceu em 2003, Lula poderia agora manter um primeiro escalão na Fazenda composto por políticos e o segundo escalão com “gente de mercado”. Mesmo não sendo ideal, essa dinâmica traria algum equilíbrio e poderia conter ímpetos de Lula.
“É possível ter um time de tecnocratas no segundo escalão. Seria algo como: esses técnicos fazem as contas, trazem os números para o papel e a ala política cria pontes, explicando ao presidente a importância de se adotar tais medidas”, diz o estrategista de uma grande corretora.
Para que isso aconteça, é preciso que o próximo ministro consiga “falar a língua do mercado” e, ao mesmo tempo, traduzir a importância de medidas essenciais para o âmbito social. Um dos exemplos mais atuais, diz essa fonte, é o peso do descontrole orçamentário para a inflação e a consequência perversa dessa dinâmica para os mais pobres.
Apesar de ser um político de longa carreira e carregar no currículo a experiência como prefeito da maior cidade do país, Haddad permanece sob desconfiança. A maior parte dos analistas é cética com a possibilidade de ele, pelo seu perfil ideológico, seguir os passos de Palocci em mediar os interesses do PT e uma política econômica moderada.
Outro economista, que falou em condição de anonimato por ser próximo do ministeriável, lembra ainda de outros bons nomes que assumiram a Fazenda e foram rifados por “fogo amigo” petista.
“O Palocci fez o que fez e foi bem-sucedido porque Lula estava convencido de que o que ele dizia era o certo a ser feito. Não tenho certeza se Lula está convicto agora, e o Joaquim Levy [ministro da Fazenda durante o governo Dilma] é prova de que, se o governo não comprar o projeto, não há nome técnico que salve o barco”, alerta.
Como a relação de Lula e Fernando Haddad é de completa subordinação, é difícil que ele seja capaz de fazer Lula aceitar ideias certas que pareçam erradas ao presidente. Isso se o próprio Haddad, uma vez ministro, aceitar ele mesmo as ideias certas.