Fundo constitucional para Zona Franca de Manaus se espelha em Fundo do DF
Indústrias da Zona Franca de Manaus defendem manutenção do IPI até 2073 e regime especial de tributos para a região
atualizado
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Manaus — Com o relatório da reforma tributária prestes a ser apresentado, representantes das indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus (ZFM) tentam emplacar no texto sugestões para o polo industrial instalado na capital do Amazonas.
Entre as propostas encabeçadas pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), está a criação do Fundo Constitucional da Bioeconomia (FCBio), nos moldes do já existente Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).
A ideia é que o novo fundo seja formado a partir de percental (a ser definido por lei complementar) dos recursos arrecadados com a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no caso da adoção de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual.
Aos recursos da União, a indústria propõe adicionar verba de outros dois fundos estaduais — o Fundo de Fomento ao Turismo, Infra-Estrutura, Serviço e Interiorização do Desenvolvimento do Estado do Amazonas (FTI) e o Fundo de Apoio às Micro e Pequenas Empresas e ao Desenvolvimento Social do Estado do Amazonas (FMPES).
O FCBio não é apresentado como uma alternativa a mecanismos de compensação para as empresas, mas como uma medida complementar para dar viabilidade a manutenção de projetos como a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e diversificação do modelo com base nas potencialidades regionais, como bioecnomonia, turismo, etc.
FMI da Amazônia
Apesar de funcionar nos moldes do FCDF, a ideia é que o possível futuro fundo avance algumas casas. Apelidado de “FMI da Amazônia”, o fundo foi idealizado com a combinação de recursos que já compõem o orçamento do estado do Amazonas somados a eventuais aportes iniciativa privada.
O professor da FGV Márcio Holland, coordenador do estudo Zona Franca de Manaus: Impactos, Efetividade e Oportunidades, explicou que o fundo pode ser uma alternativa de organização desses recursos.
“O ‘FMI da Amazônia’ poderia organizar os recursos derivados dos vários fundos estaduais, nos recursos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), de P&D e no percentual da arrecadação do IBS. Seria constitucional e de difícil contingenciamento, se capitalizado com efetividade e boa estrutura de governança”, afirmou Holland.
Como funcionará
O fundo do DF foi constituído em 2003, sem a ingerência da União. Da mesma forma, o fundo para a bioeconomia deverá ser composto no orçamento público do estado do Amazonas.
Também se defende que o FCBio tenha “governança corporativa típica de uma empresa privada sem fins lucrativos”, o que envolveria os seguintes pontos:
- existência de um conselho de administração com membros independentes;
- contas auditadas por grandes empresas internacionais, publicação anual de relatório de prestação de contas; e
- avaliações da efetividade de usos dos recursos, com instituições de pesquisa independentes.
Ameaças
Não há como garantir a preservação do fundo e blindá-lo de ameaças como as que agora se colocam ao Fundo do DF. Ainda assim, a possibilidade de inserir a previsão de fundo na Constituição dá ânimo aos defensores da proposta.
Recentemente, na votação do novo regime fiscal pela Câmara, foi incluído um dispositivo que ameaça a manutenção de serviços essenciais da capital do país.
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Por meio do FCDF, a União custeia a segurança e parte da saúde e educação do DF, que abriga uma população de mais de 3 milhões de pessoas, a sede dos Três Poderes e as embaixadas de outras nações.
No texto do novo marco fiscal, é estabelecido um limite anual de 2,5% para crescimento do orçamento do FCDF. Segundo cálculos do Governo do DF, se a medida passar pelo Senado e for sancionada pela Presidência, a capital do país poderá perder R$ 87 bilhões em 10 anos.
Outras propostas
Além do fundo constitucional, o Centro da Indústria do Amazonas ainda defende a manutenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) até 2073 (data final para vigência dos benefícios tributários da Zona Franca, segundo o prazo constitucional) e tratamento favorecido para a região.
No caso da manutenção do IPI, os empresários alegam que a medida visa atacar as disputas jurídicas e fornece tempo para avaliação mais acurada sobre a qualidade dos novos incentivos para a sustentação da ZFM.
Já no que se refere ao tratamento tributário favorecido, eles alegam que a medida busca preservar a competitividade da ZFM. Isso seria feito com isenção do IBS e da CBS para assegurar a manutenção dos créditos. Hoje, as remessas feitas para a região são equiparadas à exportação.
Além disso, as saídas de bens industrializados da ZFM para outras unidades da federação também terão isenção, alíquota reduzida ou crédito presumido do IBS e CBS.
Atualmente, alguns dos incentivos fiscais para a região (veja detalhes mais abaixo) são baseados em quatro tributos que devem ser extintos com a reforma: os federais PIS, Cofins e IPI e o ICMS, imposto estadual.
Em meados de abril, as propostas da indústria instalada no Amazonas foram apresentadas ao governo estadual, ao relator da reforma e ao coordenador do Grupo de Trabalho (GT) que discute o tema na Câmara.
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“Alguma” reforma
A avaliação geral do empresariado da região é de que há alta probabilidade de “alguma” reforma tributária ser aprovada, tendo em vista o empenho do governo Lula (PT) e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
No entanto, a quantidade de pleitos dos entes federados, dos setores e regiões gera muitas incertezas sobre o desenho final a ser aprovado.
A própria ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, projetou que a reforma terá mais dificuldades no Senado, onde as discussões ainda não avançaram em 2023.
Segundo ela, que é ex-senadora pelo Mato Grosso do Sul, o texto deve levar um semestre inteiro para ser aprovado na Casa Alta.
“Nada além ou aquém”
Segundo o presidente do conselho superior do Cieam, Luiz Augusto Rocha, o que os representantes da indústria de Manaus querem na reformulação do sistema tributário nacional não é “nada além ou aquém” do que já têm.
“Muito mais poderá ser realizado a partir da perspectiva da manutenção de um tratamento igualitário, de uma reforma tributária que seja neutra para a competitividade da indústria da Zona Franca de Manaus”, defendeu Rocha.
Aos deputados responsáveis pelo texto da reforma, ele frisou que a concorrência dos produtos da ZFM não é com outros estados brasileiros, mas sim com mercados internacionais.
“É importante ressaltar que os principais segmentos da indústria local concorrem diretamente com outras plantas na China, México, Índia e outros mercados que operam com larga escala de produção, sendo primordial a manutenção da competitividade da nossa indústria”, destacou Rocha.
Rocha ainda ressaltou que o Amazonas é o maior contribuinte do governo federal na região Norte do país, em função do polo industrial de Manaus.
“Como disse (o economista) Samuel Benchimol, nós não somos um paraíso fiscal, nós somos o paraíso do fisco. É muito importante mencionar: nós enviamos mais recursos ao caixa federal do que recebemos do orçamento federal”.
Reforma tributária
A reforma tributária está ancorada na PEC 45/2019, na Câmara dos Deputados. A matéria prevê medidas como revisão de incentivos fiscais e a substituição de diversas taxas pelo IVA Dual. O projeto é a prioridade do governo federal, após a aprovação do Novo Marco Fiscal.
O relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), deverá apresentar a primeira versão de seu relatório a na próxima terça-feira (6/6). Arthur Lira já garantiu a votação da matéria ainda neste semestre, mesmo que seja necessário atrasar o recesso parlamentar.
Zona Franca de Manaus
Criada em 1967, a ZFM concede benefícios fiscais às indústrias instaladas na região, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico do Norte. Para 2023, a Secretaria da Receita Federal estima que a renúncia de arrecadação com a Zona Franca seja de pouco mais de R$ 30 bilhões.
A Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) fez um levantamento em dezembro de 2021 que mostrou que mais de 100 mil pessoas são empregadas pelas grandes indústrias. Somados aos empregos indiretos, o total de empregados gira em torno de 500 mil.
A Zona Franca atrai empresas e indústrias do Brasil e estrangeiras por oferecer diversas vantagens econômicas. Além da burocracia reduzida, existem vantagens fiscais do modelo ZFM para o comércio exterior nos seguintes impostos e tributos:
- Imposto Sobre Produto Industrializado (IPI);
- Imposto de Importação (II);
- Imposto de Exportação (IE);
- Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF)
- Imposto de Renda na Fonte (IRF);
- Contribuições para Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
- Programa de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep); e
- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transportes Intermunicipal e Interestadual e de Comunicação (ICMS).
No caso do IPI, há isenção para a entrada de mercadorias na ZFM, destinadas a seu consumo interno e industrialização em qualquer grau. Excetuam-se dessa isenção fiscal: armas e munições, fumo, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros e produtos de perfumaria ou de toucador e preparados e preparações cosméticas.
*A repórter viajou a Manaus a convite do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam).