Exclusivo: áudio revela ação de CEO da Empiricus antes de vídeo anônimo contra empresa TC
Gravação em posse da Polícia Federal mostra Felipe Miranda questionando ex-funcionária da concorrente sobre suposto estupro coletivo
atualizado
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Desde o ano passado, a Faria Lima, centro financeiro de São Paulo e do país, assiste a uma briga repleta de golpes abaixo da cintura entre duas empresas do setor. De um lado, está a Empiricus; de outro, o TC (TradersClub). Ambos cresceram espetacularmente nos últimos anos, com a entrada de milhões de investidores brasileiros na Bolsa de Valores. Seus produtos são relatórios de análise e educação financeira, nos quais são fornecidas dicas de investimentos e de como montar uma boa carteira de ações. A briga ganha novo capítulo agora, com um áudio e supostas cópias de mensagens do CEO da Empiricus, Felipe Miranda. O material, que o Metrópoles obteve com exclusividade, está nas mãos da Polícia Federal (PF) e tem potencial incendiário.
No início do ano passado, a Empiricus foi adquirida pelo BTG Pactual, assim como a sua corretora, a Vítreo, que recentemente passou a se chamar também Empiricus. O banco pagou R$ 690 milhões pelo pacote, conservando, na direção da empresa, os sócios-fundadores. O mesmo BTG realizou a abertura de capital (IPO) do TC na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) em julho de 2021. A operação levantou R$ 607 milhões na estreia dos papéis.
A briga entre a Empiricus e o TC, antes restrita a estocadas mútuas nesse mundo financeiro, no qual os egos são tão inflados quanto os ganhos, transbordou e se tornou violenta justamente depois da abertura de capital do TC. Em outubro de 2021, o CEO da Empiricus, Felipe Miranda, divulgou um relatório sugerindo que os investidores deveriam apostar na queda das ações do TC. Não demorou para que o preço delas caísse quase 30%.
Um segundo lance clamoroso ocorreu em junho deste ano, com a viralização no WhatsApp de um vídeo apócrifo no qual uma mulher anônima, maquiada de palhaça, acusa o TC de manipular o mercado de ações. Mais: a palhaça anônima também levanta suspeita sobre um suposto “estupro coletivo” de uma ex-colaboradora do TC, crime que teria ocorrido na sede da empresa. “Procede mesmo o caso de estupro coletivo de uma ex-colaboradora por outros colaboradores do TC, dentro da sede da empresa? É verdade? Quem não é palhaço quer saber”, diz a mulher no vídeo.
Depois da divulgação do vídeo, as ações da empresa despencaram 44%, causando um prejuízo estimado pelos seus sócios em R$ 1 bilhão, no intervalo de um mês. Na ocasião, o TC convocou uma entrevista coletiva, e o seu CEO, Pedro Albuquerque, acusou a Empiricus de ter produzido o vídeo. O TC sustenta que o ataque permitiu que a Vitreo, corretora do mesmo grupo econômico da Empiricus, obtivesse “benefícios milionários”, ao aumentar significativamente as posições vendidas de ações do TC antes da queda expressiva do valor dos papéis por causa do vídeo.
O imbróglio levou à abertura de um inquérito na PF e ensejou apuração de manipulação do mercado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que fiscaliza o mercado de ações no Brasil. É no âmbito desse inquérito que foi protocolado o material ao qual o Metrópoles teve acesso. Ele foi enviado à PF em 7 de outubro, pelo escritório do advogado criminalista Roberto Podval, contratado pelo TC. Procurado pelo Metrópoles, Podval não quis se manifestar, alegando que o processo é sigiloso.
O material enviado à PF contém a gravação de um telefonema feito por Felipe Miranda à ex-funcionária do TC que teria sido vítima de estupro, em uma festa particular da qual teriam participado outros colaboradores da empresa. As mensagens de WhatsApp que constam do material também teriam sido enviadas por ele à moça. Juntamente com o áudio e as mensagens, o advogado do TC encaminhou à PF vários pedidos de ações cautelares, incluindo a prisão preventiva de Felipe Miranda, por suposta interferência na investigação e possível tentativa de cooptação de testemunha.
Gravação
No arquivo de áudio anexado ao pedido de prisão feito ao delegado da PF Érico Marques de Mello, Miranda contata por telefone a ex-funcionária do TC, para tentar confirmar uma informação que recebera — a de que ela havia sido vítima do “estupro coletivo” e que um dos envolvidos era sócio do TC. Ele quer saber se havia algum diretor da cúpula da empresa envolvido no suposto episódio e tenta convencê-la a tornar a história pública.
O diálogo, segundo o documento apresentado à PF, ocorreu em 28 de outubro de 2021, dois dias após Felipe Miranda publicar o relatório instruindo investidores a apostarem na queda das ações do TC — e oito meses antes da divulgação do vídeo apócrifo, no qual a palhaça lança a suspeita sobre o “estupro coletivo” na sede do TC.
A conversa foi gravada pela moça. Felipe Miranda afirma que está sendo “perseguido” e “ameaçado” depois da publicação do relatório contra a concorrente e que precisava saber com quais pessoas estava lidando. “Porque a gente pode levar isso a público, entendeu? Eu preciso um pouco de você aqui nessa, entendeu?”, diz.
A ex-funcionária diz que não gostaria de falar a respeito, por se tratar de um “assunto muito delicado”, e demonstra “medo de isso vazar”. Miranda insiste para ter acesso ao processo ou saber se o caso envolvia o “Top Management” do TC. Chega a citar nominalmente três sócios da empresa concorrente. “Não tem nenhum dos sócios dentro do que houve comigo”, responde a ex-funcionária.
“Tá bom. Você não vai me falar nada, né? Não adianta eu ficar te enchendo o saco”, reage o CEO da Empiricus, que coloca em dúvida se a mulher está sendo sincera na conversa, mas lhe agradece antes de desligarem.
O Metrópoles apurou que a ex-funcionária, que tem a identidade preservada nesta reportagem, registrou um boletim de ocorrência por estupro, em junho do ano passado, em uma delegacia de outra cidade, para onde viajou logo após o episódio que teria ocorrido numa festa particular em um apartamento em São Paulo. O caso teria sido arquivado por falta de provas.
Mensagens
O TC também anexou no material enviado à PF prints de mensagens que Felipe Miranda teria enviado para a ex-funcionária dois dias após a ligação gravada, propondo contratá-la em uma das empresas do seu grupo, para ajudá-la, de forma confidencial. Ela não teria respondido.
No dia 26 de setembro, data na qual foi intimado pela CVM, Miranda teria mandado nova mensagem à ex-funcionária do TC, segundo o material em posse da PF. Ele diz que teria que depor e propõe uma conversa rápida com ela. “Não fiz o vídeo em questão, tampouco manipulei as ações. Entretanto, serei chamado a falar a verdade. E assim o farei”, escreveu o CEO da Empiricus, de acordo com os prints. A ex-funcionária não respondeu e bloqueou o empresário.
Vídeo da palhaça
Para o TC, os contatos de Felipe Miranda com a ex-funcionária corroboram a acusação feita na coletiva de imprensa em julho, pelo CEO Pedro Albuquerque, de que o sócio-fundador da Empiricus está por trás do vídeo difamatório que derrubou suas ações em mais de 44%, causando o prejuízo estimado em R$ 1 bilhão.
Na coletiva, Pedro Albuquerque apresentou prints de mensagens que Felipe Miranda teria trocado com Caio Mesquita, outro sócio-fundador da Empiricus, sobre uma suposta ação orquestrada para derrubar as ações do TC. O material teria sido encaminhado à empresa por um hacker. “Recebemos materiais seriíssimos que atestam que Felipe Miranda e Caio Mesquita orquestraram um ataque contra o TC”, afirmou Pedro Albuquerque na ocasião.
A Empiricus reagiu em seguida, por meio de uma nota na qual “refuta veementemente as acusações” que imputa aos seus diretores a autoria do vídeo apócrifo. Negou o conteúdo das mensagens exibidas pelo CEO do TC e ainda outra acusação de que a mulher caracterizada de palhaça no vídeo difamatório seria ligada a Felipe Miranda. Para tanto, apresentou uma perícia que comprovaria que os seus sócios não seriam os autores das mensagens apresentadas pelo TC.
Procurado pelo Metrópoles, Felipe Miranda afirmou, por meio de mensagem, que não comentaria suas conversas privadas e negou todas as acusações feitas pelo TC contra ele. “Não comento minhas conversas privadas. O assunto da referida conversa circulou por todo mercado financeiro. Não tenho nenhuma ligação com o vídeo. As conversas entre mim e o Caio são falsas. Minha amiga não é a palhaça”, afirmou.