Uma canetada só não basta: Congresso precisa aprovar redução da multa do FGTS
Como benefício é previsto na Constituição, Bolsonaro teria que enviar projeto de lei complementar à Câmara e ter apoio absoluto no Congresso
atualizado
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Dezesseis anos depois, o percentual da multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FTGS), pago a trabalhadores demitidos sem justa causa, volta a centralizar debates da equipe econômica. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) admitiu que o índice pode ser revisto no futuro. Em 2003, o então ministro do Trabalho Jacques Wagner (PT) também defendeu mudanças no benefício.
Nesta quarta-feira (23/07/2019), o governo federal anuncia a liberação para saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), das contas do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep). Nos bastidores, se comenta que a intenção do governo é liberar até 35% do valor acumulado para saques anuais. As mudanças no sistema ganharam musculatura na última semana. Bolsonaro quer aquecer a economia.
O principal argumento para a alteração no pagamento da multa é que o encargo social encarece a contratação e a extinção da multa aliviaria custos e, em tese, poderia gerar mais empregos. “O que eu estou tentando levar para o trabalhador é o seguinte: menos direitos e emprego, todos os direitos e desemprego”, afirmou Bolsonaro, no fim de semana. Contudo, é difícil. Todos os projetos de lei regulamentando o dispositivo constitucional, desde 1990, não prosperaram. Os textos ou foram rejeitados ou acabaram arquivados.
Guardadas as diferenças, os projetos de Bolsonaro e Wagner esbarram na mesma questão. O pagamento da multa é dispositivo constitucional, está no artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ele só pode ser revogado caso seja aprovada uma Lei Complementar ao artigo 7º da Constituição Federal, que determina a garantia de emprego ao trabalhador contra a despedida imotivada.
Traduzindo a questão jurídica-legislativa, somente depois de aprovada a Lei Complementar estabelecendo que o empregado não pode ser despedido a não ser que haja motivação legal, é que a multa dos 40% sobre o FGTS poderia ser alterada ou eliminada. Esta é a determinação constitucional que não pode ser alterada a não ser por uma emenda à Carta Magna.
Na prática, Bolsonaro pode enviar um projeto de lei complementar para estabelecer um novo índice. A partir daí, inicia uma cruzada com o Congresso. Para aprovar a alteração, é necessário apoio da maioria absoluta do parlamento — 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores. O projeto deve começar a tramitar pela Câmara. Como o foco do governo ainda está na reforma da Previdência, os esforços devem ser poupados.
Bolsonaro mostra otimismo com a possível mudança. “O valor não está na Constituição, mas o FGTS está no artigo 7º, acho que o valor é uma lei, vamos pensar lá na frente. Mas antes disso a gente tem que ganhar a guerra da informação. Eu não quero manchete amanhã dizendo: ‘O presidente está estudando reduzir o valor da multa’”, comentou o presidente, no fim de semana.
Wagner queria combater fraudes
Na primeira semana do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2006, Jaques Wagner, que assumia o comando do extinto Ministério do Trabalho e Emprego, admitiu a possibilidade de substituir o direito do empregado de receber 40% do valor depositado do FGTS como indenização. À época, o então ministro, hoje senador, defendeu que mudanças ajudariam na redução de fraudes.
No começo da década de 2000, órgãos de controle denunciaram casos em que o trabalhador fazia um acordo com a empresa para ser demitido, sacava o FGTS, devolvia a multa de 40% ao empregador e depois era recontratado. Wagner queria a aprovação de uma lei complementar para coibir as demissões sem justa causa, para depois extinguir o benefício de proteção ao emprego. A proposta não deslanchou.
Em quatro atos
O que exige uma eventual mudança na multa do FGTS:
- A Constituição diz que, até uma lei complementar ser aprovada, a multa é de 40%;
- Para aprovar uma lei complementar, o projeto deve ser aprovado no Congresso por maioria absoluta;
- O apoio na Câmara precisa ser de 257 dos 513 deputados;
- No Senado, são necessários 41 votos dos 81 senadores.