Entenda como a alta do dólar afeta preços, empresas e juros
A gasolina e o diesel, por exemplo, podem ficar mais caros e contaminar outros preços, e viagens internacionais podem não passar de sonhos
atualizado
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A disparada do dólar, que beirou R$ 4,28 hoje e fechou cotado a R$4,24, depois de dois leilões do Banco Central para conter o avanço, deve ter impacto em preços importantes do dia a dia dos brasileiros. A gasolina e o diesel, por exemplo, podem ficar mais caros e contaminar outros preços, e a viagem internacional de férias de fim ano pode não passar de um sonho.
Para as indústrias exportadoras e que sofrem com a concorrência dos importados, esse avanço pode ser positivo para as vendas externas e para tomar o lugar dos importados no mercado doméstico. Mas as empresas que usam matérias-primas e componentes estrangeiros e o comércio varejista que compra itens de Natal no exterior, o custo das mercadorias deve subir. O repasse para os preços pode ser inevitável, apesar de a inflação andar bem comportada. A pressão crescente do dólar nos preços pode até mexer na condução da política monetária do Banco Central e interromper o ciclo de corte de juros básicos no ano que vem, preveem economistas.
A escalada do câmbio levou o BC fazer nesta terça-feira (26/11/2019), dois leilões de moeda para conter a cotação. O estopim da alta ocorreu na segunda-feira, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em evento em Washington (EUA), que “é bom o mercado se acostumar com o câmbio mais alto por um bom tempo”. O comentário do ministro soou para o mercado como uma indicação de que não existe preocupação com o atual patamar de câmbio. E a interpretação foi de que o BC não iria atuar, segundo avaliação feita pela economista da CM Capital Markets, Camila Abdelmalack.
Apesar de a fala do ministro ter desencadeado o repique do câmbio, não é de hoje que a cotação da moeda americana anda pressionada. “O dólar lá fora está muito forte contra o euro, conta libra esterlina e outras moedas”, afirma o economista Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE.
Ele aponta vários fatores externos, como crescimento dos EUA acima da média de outros países, a guerra comercial entre China e EUA e a maior remuneração paga pela bolsa americana, para que o dinheiro saia do país. “Isso explica porque o dólar foi de R$ 3,5 para mais de R$ 4”, diz Castelar, acrescentando que esse cenário é comum a todos os países emergentes.
No entanto, existem fatores peculiares ao País, como os juros na mínima histórica, ressalta o economista Gesner Oliveira, professor da FGV-SP e sócio da GO Associados. “O juro em baixa atrai menos capital de curtíssimo prazo, porque o diferencial de taxas hoje é menor.” Ele lembra também que há uma contração no comércio internacional que prejudicou o saldo da balança comercial, o que pressionou o câmbio.
Juros na mínima histórica no Brasil têm feito as empresas trocarem financiamentos externos pelos domésticos, que são mais baratos, diz o economista Antonio Madeira, da MCM. As companhias compram dólares internamente, o que pressiona a cotação da moeda, e enviam os recursos ao exterior para quitar dívidas, tornando o saldo financeiro mais deficitário.
Castelar acrescenta a esse fluxo financeiro a saída de capital estrangeiro da Bolsa brasileira. Eles estão tirando o dinheiro porque o crescimento da economia não veio no ritmo esperado e existe muita preocupação com os movimentos políticos que ocorrem no Chile e Bolívia e com as mudanças de política econômica na Argentina. “Existe um certo receio por conta da incerteza política”, resume.
Selic
Apesar de a inflação estar bem comportada, economistas acreditam que a escalada do câmbio deve reduzir a perspectiva de o BC continuar baixando juros no ano que vem. Castelar pondera que o câmbio não impacta a inflação como no passado, mas tira um pouco do conforto do BC para cortar juros. Mesmo assim, ele acredita que o corte da Selic em 0,5 porcentual sinalizado para dezembro será mantido.
Essa também é a avaliação do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, que não vê reduções da Selic além do patamar de 4,5% esperado após o corte da reunião do mês que vem.
Para Gesner, o ciclo de queda dos juros está chegando ao seu final, mas ele acredita que, com o avanço do câmbio, o BC deve esperar para ver como a economia vai reagir antes de prosseguir nas reduções da Selic em 2020. É que há risco de pressões inflacionárias.
Virada
Mesmo com o susto de o câmbio ter batido R$ 4,27 hoje, superando as projeções mais pessimistas, economistas acham que o cenário pode mudar no ano que vem e o dólar recuar.
Para Castelar, três coisas que podem fazer o câmbio cair em 2020. Um desses fatores é que o banco central americano já começou a emitir moeda e existe a perspectiva de alguma trégua na guerra comercial entre EUA e China. Ambos fatores, diz o economista, desvalorizam o dólar. Além disso, a economia americana pode desacelerar também e tirar o impulso da moeda.
Mas se a economia brasileira começar a crescer mais rápido, a perspectiva é que ela volte a atrair dinheiro e se tornar mais interessante para investir , assinala Castelar. “Se houver uma continuidade das reformas e uma aceleração e as expectativas domésticas continuarem melhorando, eventualmente, poderíamos ter uma mudança desse patamar do câmbio para baixo”, afirma Gesner.