Cartas a Paulo Guedes: 10 ex-ministros aconselham “guru” de Bolsonaro
Inflação é substituída por déficit público como vilão do superministro da Economia do próximo governo federal, segundo antecessores
atualizado
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Dez ex-ministros que chefiaram a pasta da Fazenda desde o governo Figueiredo até a gestão Temer aceitaram convite da revista Época e escreveram cartas para o futuro responsável pela área, o superministro da Economia do governo Bolsonaro (PSL), o economista Paulo Guedes. No material, publicado em 23 páginas da edição desta semana da Época, os antecessores deixaram conselhos e listaram desafios a serem superados nos próximos anos.
Para eles, em vez da inflação, o grande desafio a ser superado por Guedes e seu time é o “buraco negro do déficit público”, como diz o texto de apresentação do material, que faz um retrospecto de como cada um dos convidados enfrentou os problemas econômicos do país durante suas gestões.
O único a fugir deste caminho foi Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso. Ele mencionou dificuldades de agenda e “um período de transição tão eivado de incertezas” para justificar que não se sentiria confortável em dar conselhos a Guedes. Escreveu, então, sobre os desafios das reformas para a gestão do presidente eleito, Jair Bolsonaro.
Confira trechos das cartas a Paulo Guedes:
Ernane Galvêas, ex-ministro da Fazenda do governo João Figueiredo – de 18/1/1980 a 14/3/1985 (1.882 dias)
Não creio que a atual conjuntura econômica seja mais difícil do que os anos que vivi no Banco Central e no Ministério da Fazenda, nas décadas de 60 e 80, especialmente no governo Figueiredo, quando tudo que fazíamos se concentrava no esforço de negociar a dívida externa com o Fundo Monetário e os bancos credores. O simples fato de contar, hoje, com mais de US$ 380 bilhões de reservas cambiais nos dá as dimensões da diferença entre a crise de ontem e a de hoje
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney – de 29/4/1987 a 21/12/1987 (236 dias)
O Brasil precisa dramaticamente de uma política cambial, a qual não deveria ficar sob controle do Banco Central, mas do governo. Por isso defendo a formação de um Conselho Fiscal Nacional com composição semelhante à do Conselho Monetário Nacional. Como o Brasil tem o problema da doença holandesa, seu objetivo deveria ser não o equilíbrio, mas um pequeno superávit em conta-corrente. Dada a correspondência entre o saldo em conta corrente e a taxa de câmbio, só assim teremos uma taxa de câmbio competitiva e a economia brasileira voltará a crescer satisfatoriamente
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney – de 21/12/1987 a 15/3/1990 (815 dias)
Será essencial influir na definição da agenda de reformas. Sem uma reforma ousada e abrangente da Previdência, você sabe, será difícil fazer a economia crescer com estabilidade de preços e, assim, cumprir promessas de campanha. Por isso, sugiro que busque convencer o presidente de que todo o seu capital político seja empregado nessa tarefa. Seria bom não consumi-lo com outros projetos no início do governo. Haverá tempo para tratar deles depois da Previdência. Congestionar a pauta no começo não é recomendável. Será preciso paciência para ouvir e humildade para aceitar boas ideias, ainda que não sejam suas
Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra da Fazenda no governo Fernando Collor – de 15/3/1990 a 10/5/1991 (421 dias)
É importante que você escolha suas batalhas, não abra muitas frentes ao mesmo tempo. Apesar da urgência de várias reformas, minha experiência mostrou que é muito muito difícil, senão impossível, lidar com resistências por todos os lados. Escolha uma ou no máximo duas que sejam mais importantes e concentre suas forças nelas. Envolva os políticos aliados nas decisões e, se possível, tenha paciência. Tenha paciência com a imprensa, com os políticos… paciência é fundamental. Além disso, se você encontrar aliados na imprensa e entre os políticos que entendam e possam explicar as medidas que são necessárias, sua tarefa ficará menos difícil
Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Collor – 10/5/1991 a 2/10/1992 (511 dias)
…a fusão dos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Economia, sob comando único, é tarefa complexa, mas eficaz para otimizar a gestão de políticas econômicas reformadoras. É falso o que propagam, que seja aposta só uma vez tentada que teria gerado “paralisia administrativa e caos”. A visão negativa decorre da desleitura da história econômica da Nova República. É fake news, arremedo de verdade. Ao contrário, a união de esforços proposta será útil para lastrear os esforços em prol da modernização da fragilizada economia… Se observados episódios mais longínquos, a junção dos ministérios teria evitado, por exemplo, os conflitos então recorrentes entre ministro da Fazenda e presidente do Banco do Brasil, ou entre ministros da Fazenda e do Planejamento
Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco – 19/5/1993 a 30/3/1994 (315 dias)
…exerci funções ministeriais e enfrentei desafios, de 1993 em diante, semelhantes aos que o senhor deverá enfrentar. Em meu tempo, tratava-se da inflação. Hoje, trata-se da situação fiscal (a qual, assim como em minha época levava à inflação, hoje nos ameaça com o endividamento crescente). Sem querer dar-lhe conselhos — o senhor tem boa formação e está escolhendo auxiliares competentes —, reitero que, além de ter boa equipe, é preciso ter o governo, e sobretudo o povo, do seu lado. Fale, explique e ganhe a confiança das pessoas. Sem isso, dificilmente o Congresso aprovará as duras medidas necessárias para colocar o país em ordem
Ciro Gomes, ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco – 6/9/1994 a 31/12/1994 (116 dias)
Quatro motores são óbvios para colocar o Brasil de novo neste rumo. Restaurar a capacidade de consumo das famílias, responsável por 30% a 40% do crescimento do PIB brasileiro nas últimas vezes que crescemos… Restaurar a capacidade de investimento empresarial, que também está estrangulada: a dívida, hoje, é de R$ 2 trilhões, nessa loucura de taxa de juros que temos praticado, com R$ 400 bilhões a R$ 600 bilhões já caminhando para crédito de recuperação duvidosa… Interromper, de forma urgente, o processo mais brutal da história do capitalismo mundial de destruição de indústrias. O Brasil fechou 13 mil indústrias nos últimos três anos e isso precisa ser invertido corrigindo os preços centrais da economia, especialmente câmbio e juros, mas também explorando potencialidades globais: os complexos industriais de petróleo, gás, bioenergia, agronegócio, saúde e militar. O quarto é consertar a capacidade de investimento perdida pelo Estado nacional brasileiro
Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso – 1/1/1995 a 21/12/2002 (2.921 dias)
Na área de reformas, a prioridade no curto prazo é a aprovação da reforma da Previdência… Nosso bônus demográfico esvai-se a partir de 2019, a população de aposentados cresce a uma taxa cinco vezes superior à da população total. Na área social, o desafio fundamental está na educação, com foco na redução das desigualdades de oportunidades – o que significa prioridade aos anos iniciais, no aprendizado dos alunos nas idades certas. Para que possamos enfrentar esses desafios é preciso reduzir as graves incertezas que existem sobre três aspectos fundamentais. O grau de entendimento da população, ainda precário, sobre a gravidade da questão fiscal. O grau de comprometimento de lideranças políticas com o equacionamento do insustentável desequilíbrio em nossas contas públicas. E o caráter determinante de ambos para recolocar a economia na rota do crescimento sustentado, por meio da retomada de um clima de confiança de investidores domésticos e internacionais
Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda nos governo Lula e Dilma Rousseff – 27/3/2006-31/12/2014 (3.2020 dias)
O maior crescimento é a chave para os males que assolam a economia brasileira. Um PIB acima de 3% recompõe o emprego, gera mais renda e aumenta a arrecadação do governo, reduzindo o déficit público. Certamente é mais fácil dizer do que fazer. Mas eu acredito que o Brasil reúne as condições para alcançar essa performance ainda em 2019, e nos anos seguintes. O novo governo iniciará ungido por grande confiança da população e do mercado e com a melhora do ambiente econômico neste fim de ano. Mas será uma retomada modesta, um voo de galinha, caso não se corrijam os equívocos de política econômica cometidos nos últimos anos… Não caia na tentação de vender parte das reservas para diminuir a dívida bruta. Elas são o maior seguro do país contra turbulências
Henrique Meirelles, ministro da Fazenda no governo Michel Temer – 13/5/2016 a 6/4/2018 (693 dias)
Há grandes investimentos programados para o Brasil e eles estão sendo iniciados. Com o atual crescimento e políticas adequadas, o país tem tudo para, em 2019, crescer 3% ou mais e gerar 2 milhões de novos empregos. A aprovação da reforma da Previdência solidificará essa trajetória nos próximos anos. A diminuição do tamanho do Estado, a abertura da economia, a desestatização e o aumento de produtividade do trabalhador são princípios corretos. Propusemos a privatização da Eletrobras, que pode ser concluída em breve e melhorará o desempenho do setor elétrico e dará mais fôlego fiscal ao governo. O serviço público depende da absorção de profissionais de qualidade