Brasil: 91 milhões deixaram de pagar ao menos 1 conta em abril
Em março, antes dos efeitos do novo coronavírus, eram 59 milhões com contas atrasadas, mostra pesquisa do instituto Locomotiva
atualizado
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Sem trabalhar há 40 dias, a biomédica Renata Dias acumula contas atrasadas do período: aluguel, telefone, cartão de crédito, a mensalidade da escola da filha, de 17 anos, e a sua faculdade. Ela tem um negócio na área de estética na cidade de São Paulo e não sabe quando voltará ao trabalho. “Eu, no começo, fiquei revoltada com a paralisação da economia. Mas, há um mês, meu tio de 69 anos foi dirigindo até o hospital e morreu, três dias depois, sozinho, com a Covid-19. Não tenho mais coragem nem de sair no portão de casa”, afirma.
Com pouco mais de um mês de isolamento social, não é só Renata que viu as despesas se acumularem, sem pagamento. Pesquisa do instituto Locomotiva, obtida com exclusividade pelo Estado, aponta que 91 milhões de brasileiros – o equivalente a 58% da população adulta do País – deixaram de pagar neste mês pelo menos uma das contas referentes ao consumo de março. Como comparação, no mês anterior, antes dos impactos da quarentena, eram 59 milhões (37%) com contas atrasadas – houve, portanto, um salto de 54% no período.
“A Covid-19 chegou na reta final de uma crise econômica e encontrou uma população sem poupança”, afirma o presidente da Locomotiva, Renato Meirelles, explicando que o brasileiro não pagou as contas porque, na falta de uma reserva financeira, o dinheiro acabou. Segundo a Anbima, a associação das empresas do mercado financeiro, só 10% dos brasileiros conseguiram guardar algum dinheiro ao longo do ano passado. “Quanto menor a renda, maior o endividamento relacionado a contas mais simples, como água, luz, aluguel ou carnês. Nas classes A e B, os destaques ficam para o cartão de crédito e mensalidades escolares”, diz Meirelles.
De acordo com a pesquisa, cada brasileiro, em média, deixou de pagar quatro contas, sendo que as consideradas não essenciais estão entre as mais frequentes, como carnês ou crediários de lojas (renegadas por 46% dos entrevistados) e empréstimos com instituições financeiras (descartados por 36%).
A liderança também tem duas das dívidas mais caras do País: o cartão de crédito (com juros de 322,6% ao ano, em fevereiro) e o cheque especial (130% ao ano, em igual período), ambos postergados por 37% dos brasileiros. Na prática, uma dívida com o cartão de crédito mais que dobra de tamanho a cada seis meses. A pesquisa foi realizada entre 14 e 15 de abril e entrevistou, por telefone, 1.131 pessoas. A margem de erro é de 2,9 pontos porcentuais, com intervalo de confiança de 95%.
Prioridades. No caso de Renata Dias, que tem uma despesa mensal de R$ 7 mil e viu sua renda zerar, a escolha foi por conservar algum dinheiro para os gastos emergenciais, como alimentação e saúde. “Era isso ou nada. Tenho dinheiro para 10% dos meus gastos por uns três meses. Vou cuidar da saúde agora, depois vou descobrir o que fazer para pagar as contas”, afirma.
Também em São Paulo, o microempresário Eduardo Camargos, que trabalha com eventos na área de alimentação, diz que não vai pagar o cartão. “Eu até tenho um pouco de dinheiro guardado, mas como não sei por quanto tempo vou ficar sem trabalhar, não posso gastar”, conta ele, que está sem eventos desde 15 de março.
Na opinião de Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria Integrada, a pesquisa da Locomotiva surpreende pela magnitude dos resultados depois de um período relativamente curto de quarentena. “A gente esperava por esse salto no endividamento, mas ao longo do ano, não tão rapidamente”, diz a especialista, que estima que a massa de passivos gerada pela atual crise sanitária leve pelo menos dois anos para ser solucionada. “Com os bancos, nós voltamos hoje aos níveis de inadimplência de 2017. Como esperamos um (índice de) desemprego de 14,5% neste ano, e uma melhora pequena no ano que vem, projetamos que a massa de endividamento deva voltar aos patamares de 2019 apenas em 2022”, diz.