Auxílio emergencial turbinou venda de alimentos e eletrodomésticos
Aumento das vendas acabou se refletindo nos preços, com impacto na inflação
atualizado
Compartilhar notícia
O auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo aos trabalhadores informais a partir de abril e o confinamento imposto pela pandemia mudaram os hábitos de consumo dos brasileiros e turbinaram as vendas de alimentos, eletroeletrônicos e materiais de construção.
Em julho, por exemplo, apenas quatro segmentos — supermercados, móveis e eletrodomésticos, materiais de construção e farmácias — tiveram avanço no volume de vendas em relação ao período pré-confinamento e auxílio emergencial, segundo Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Os avanços no volume de vendas desses segmentos foram de 9,7%, 17,9%,14,6% e 7,8%, respectivamente, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Esse aumento da demanda, porém, também teve impacto nos preços de produtos que são ícones desses segmentos. No ano, até agosto, por exemplo, televisores, aparelhos de som e informática ficaram 13,53% mais caros dentro do IPCA, o índice oficial de inflação do país.
No mesmo período, o tijolo e o cimento encareceram 16,86% e 10,67%, respectivamente, e o arroz, 19,25%. No caso específico dos alimentos, a alta de preços também teve impulso da valorização do dólar e do aumento das exportações.
O impacto nas vendas, no entanto, deve começar a ser reduzido agora, com a diminuição do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300. Nas contas da CNC, R$ 7,4 bilhões deixarão de ser injetados na massa de rendimentos neste semestre por conta de um auxílio menor.
Economistas ouvidos pelo Estadão acreditam que a disponibilidade menor de recursos deve enfraquecer as vendas de eletrodomésticos, eletrônicos e materiais de construção, com impacto menor no consumo de alimento, que é um item essencial.
“O auxílio emergencial reduzido não é bom para o comércio e deve dar um empurrão menor para economia no quarto trimestre, principalmente”, diz Bentes. Ele projetou o impacto do corte de recursos a partir da massa de rendimentos apurada pela Pnad Contínua do IBGE e a correlação desta com o Produto Interno Bruto (PIB).
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, concorda com Bentes. Para ele, a redução do auxílio emergencial deve afetar a demanda por móveis, eletrodomésticos e materiais de construção. No entanto, ele acredita que o padrão básico de consumo de alimentos deve ser mantido por se tratar de item essencial. Bentes espera que a tendência de alta dos preços dos alimentos perca fôlego com avanço da flexibilização do confinamento e não atrapalhe tanto as vendas do setor.
“Com a renda menor, os consumidores devem ficar mais cautelosos e vão focar nos produtos essenciais”, afirma Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). A preocupação, segundo ele, é a partir de janeiro de 2021, quando o auxílio acaba, sem que haja uma recuperação consistente da atividade e do mercado de trabalho. “Até lá, não vejo a atividade aquecida a ponto de as empresas fazerem contratações.”
Hábito
Além do recurso extra do auxílio emergencial que levou às compras a população de menor renda, o confinamento também mudou o hábito de consumo da classes mais abastadas. Fazendo praticamente tudo dentro de casa, do trabalho ao lazer, as pessoas sentiram necessidade de não só de comprar mais alimentos para cozinhar, mas de equipar e reformar a residência.
A consultoria GFK, que monitora as vendas no varejo nacional de eletroeletrônicos, mostra, por exemplo, uma mudança da água para o vinho das vendas desses itens após o início do pagamento do auxílio emergencial. Entre os dias 23 de março e 19 de abril, as vendas de eletroeletrônicos como um todo no varejo caíram 31% em relação a igual período do ano anterior, mas cresceram 38% entre 20 de abril e 17 de agosto. Entre os destaques do período estão celular e smartphone (de -41% para 36%), batedeira (de -22% para 72% ), tanquinho (de -52% para 31%), TVs (de -32% para 25%).
De janeiro a agosto, o faturamento dos eletrônicos como um todo no varejo, incluindo o período pré-pandemia, cresceu 19% em relação ao ano passado, aponta a GFK. “Ninguém esperava esse resultado”, afirma Fernando Baialuna, diretor da consultoria. O único ponto de preocupação neste momento, diz, é a disponibilidade de produto. Isso porque muitas fábricas pararam no início do confinamento e houve uma quebra na cadeia de fornecimento, o que poderá se refletir numa oferta menor.
Mesmo com o corte no auxílio emergencial pela metade a partir deste mês, Baialuna acredita em um cenário favorável para o consumo de eletroeletrônicos nos próximo meses. Ele lembra que boa parte dos beneficiários não recebeu a terceira e a quarta parcelas de R$ 600. Para essa fatia da população, deve se somar o pagamento de R$ 300.
Os fabricantes de eletroeletrônicos estão preocupados com o futuro. José Jorge do Nascimento, presidente da Eletros, que reúne as indústrias do setor, acha que, com o corte do auxílio pela metade, o brasileiro vai dar prioridade à compra de alimentos. “Com a redução do benefício, temo que o consumo de eletrônicos não se sustente daqui para frente”, diz o executivo.
Para ele, há risco de que a crise econômica se intensifique, com as empresas encerrando as medidas de garantia de emprego aos funcionários, além do fim dos prazos para o adiamento no pagamento de impostos. Apesar das incertezas, as fábricas do setor estão a todo vapor, muitas ocupando 90% da capacidade de produção para dar conta dos pedidos. Nascimento destaca a forte procura por eletroportáteis, nesse período de pandemia. O segmento teve melhor desempenho entre os demais por ter itens de menor valor e também de primeira necessidade para resolver problemas de imediatos do confinamento, como corte de cabelo, aspirar o pó da casa, por exemplo.
Puxadinho
Outro setor que foi beneficiado pelo confinamento e pelo auxílio emergencial foi o de materiais de construção. As vendas cresceram 50% no varejo entre o fim de abril e agosto em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de construção (Anamaco), Geraldo Defalco. “Foi espantoso”, diz.
Vários fatores levaram a esse desempenho. Um deles foi a licença para reabertura das lojas no final de abril, ao lado de outros segmentos essenciais, como supermercados e farmácias. Com os demais setores sem funcionar, a concorrência foi menor. Além disso, com os taxa de juros em queda, o mercado de compra e venda de imóveis ganhou impulso e, de quebra, as reformas.
Também ajudou a injeção de recursos do auxílio emergencial. “O auxílio emergencial é um dos fatores”, diz Defalaco. Ele acredita que as vendas de materiais de construção desacelerem para um crescimento na faixa de 30% até o final do ano, puxado por programas do governo – especialmente o Casa Verde Amarela – e o grande número de lançamentos de empreendimentos.
“O auxílio emergencial ajudou, mas não foi o fator principal para esse desempenho”, diz Claudio Conz, presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Material de Construção no Estado de São Paulo (Sincomaco). O que pesou, segundo ele foi que a pandemia colocou milhões de pessoas dentro de casa. “Em home office, todo mundo precisa fazer um puxadinho.”
Conz acredita que a tendência do consumo é deve ser mantida nos próximos meses, talvez no mesmo patamar, porque é difícil interromper uma reforma. Para o ano, ele projeta crescimento do setor superior a 7% ou 8% em relação a 2019. O presidente do Sincomaco destaca que, com a interrupção na produção de materiais por causa da pandemia e a forte retomada do consumo, o cenário hoje é de falta de produto. “Temos dificuldade de entrega para quase todos os itens básicos, como cimento, material elétrico.”